Ramalho Eanes
descreve a Realidade portuguesa de maneira lúcida
Por António Justo
O Portugal republicano traz consigo um problema que o tem impedido de se
tornar numa república adulta com eficiência semelhante à da república Suiça ou
de outros países europeus pequenos.
As elites portuguesas, demasiadamente ocupadas na defesa dos interesses de
grupos corporativos, não têm contribuído para a formação de uma consciência
nacional própria; por isso falta a Portugal uma instância ética de moral
social. Isto fomenta um discurso paralelo não analítico, meramente
emocional, puramente tudo de escape.
Na falta de uma consciência pública nacional, os governantes passam a ser a
única referência para o povo (originando-se um discurso político-social à
semelhança do futebol). Por isso, um povo tornado população, abdica de se
ocupar do interesse colectivo e passa a estar apenas atento aos cães de guarda
do sistema que seguem como ovelhas bem-educadas e habituadas a confundir a voz
daqueles com a voz de Portugal.
O que o ex-presidente Ramalho Eanes disse na sua conferência de 24.06.2019
sobre "Portugal: as crises e o futuro" (1), descreve, de maneira
preclara, a realidade de Portugal: facto este que o povo não pode reconhecer,
devido ao nevoeiro do “pensar politicamente correcto” a que está submetido, e
que os políticos não querem ver para continuarem na apagada e vil tristeza do
“continue-se assim”; por isso impede-se um discurso crítico que vá estragar o grande
negócio que a corrupção proporciona às corporações políticas, económicas e
culturais que beneficiam dela! Além disso, a classe determinante
serve-se do complexo de inferioridade de muitos educados a não tolerar sequer
crítica construtiva porque “Portugal é o melhor”! Em vez de se implementar a
formação de uma consciência ética social portuguesa, os interesses de grupos
portugueses organizados em corporações estão empenhados em criar na opinião
pública um patriotismo rasteiro de adeptos.
Muitos censuram o atual Presidente por não colocar na ordem do dia o tema
da corrupção, como faz o ex-presidente. O senhor presidente da república é,
porém, uma peça do sistema e como tal mais interessado em branquear as
constatações de organizações independentes que apontam para o problema de
Portugal. Quer-se um Portugal para “inglês ver” e para alguns beneficiados do
sistema poderem passear por instituições estrangeiras de rosto levantado. O
atual presidente, Rebelo de Sousa, considera a questão “sensível” porque sabe
que se a sociedade portuguesa tomasse o assunto da corrupção a sério isso teria
repercussões internacionais, ao chamar a atenção do jornalismo internacional
(Este fala do que os jornalistas internos falam!). Por isso importa abafar a
questão. Falar de corrupção incomoda o negócio e incomodaria os rostos lavados
que se querem em Bruxelas. (Por vezes ganha-se a impressão que Bruxelas premeia
portugueses que não fizeram bom serviço na defesa dos interesses do país!)
Dizer o que o ex-presidente constata não cai bem nos ouvidos de um
patriotismo balofo de que bem vivem os que deveriam notar o que se passa, mas
parece ser melhor viver-se desapercebido à custa do Estado alimentado por
contribuintes demasiadamente explorados.
Algumas frases do ex-presidente Ramalho Eanes, que marcam um testemunho
fidedigno do que se passa em Portugal: “A corrupção é uma "epidemia que
grassa pela sociedade" onde "o mérito foi substituído pela fidelidade
partidária" num Estado onde "a administração pública foi
colonizada" pelos partidos, sobretudo pelos do "arco do poder".
"Não há uma crise da democracia nem do regime, mas há uma crise da
representação" e onde a relação entre eleitores e eleitos é
"praticamente inexistente".
Os deputados reduzem-se a serem "mais delegados dos partidos do que
representantes dos eleitores". Por isso "muitos eleitores não se
sentem representados no poder político". Também a Justiça e as contas
públicas não escaparam ao olhar atento do General.
Que faz o senhor Presidente da república? (3)
Homens como Eanes precisam-se em todos os sectores da sociedade; um
papel especial seria de esperar das artes, para se poder formar uma consciência
nacional a que todos devam prestar contas (Estas por vezes encontram-se sob a
dependência da promoção partidária ou pública e, deste modo condicionadas à
subserviência do oportuno).
A falta de uma consciência nacional geral leva o corporativismo português a
narrar os factos sem ligar a eles e deste modo a fomentar a atitude do ninguém
liga. Por isso a integridade deste ex-presidente não encontra eco eficiente.
Precisa-se de pessoas de intervenção que expressem os interesses do país e o
sentimento do povo e formem também a sua consciência; doutro modo anda tudo à
deriva de qualquer fala-barato, como se a opinião pública se reduzisse a
ouvintes de um relato à maneira do futebol!
© António da Cunha Duarte Justo
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