Mulheres lutam por uma Instituição mais feminina
Por António Justo
A opressão sistémica das mulheres é um fenómeno universal que se observa em
todos os sistemas ideológicos, económicos, políticos e religiosos, em todo o
mundo. A desvalorização da mulher é a
consequência lógica das sociedades com matriz masculina fomentadoras de
estruturas patriarcais.
A instituição eclesial, à imagem da sociedade secular, tem-se orientado por
padrões masculinos, considerando a feminilidade, como
característica secundária, nas suas
estruturas. Já vai sendo tempo de se dar
resposta à energia da feminilidade e de se praticar o evangelho (1) não se refugiando
na estratégia máscula do divide para imperares; doutro modo fica-se numa de
reservar a paternidade para a sociedade e a maternidade para a família: uma e
outra são constitutivos de vida e devem igualmente estar presentes na
sociedade. A matriz masculina da sociedade secular não pode ser norma de
adaptação para a Instituição eclesial. O lugar do diálogo nela não é a
sexualidade (entre homem e mulher) mas sim os princípios/energias feminilidade
e masculinidade a nível de pessoa, de sociedade e instituições. A “fragilidade” deve estar mais presente nos
lugares “fortes”!...
Na Páscoa passada, muitos
milhares de mulheres católicas fizeram uma "greve de igreja", em toda
a Alemanha, durante uma semana. A partir de Münster, na Vestefália, e com o
apoio da Comunidade de Mulheres Católicas (Kfd), elas (integradas no movimento
"Maria 2.0"), interromperam os seus cargos honorários nas paróquias e
celebraram liturgias em torno das igrejas. Foram mais de 1.000 grupos, que
organizaram vigílias, cultos e ações de protesto.
Com esta acção, as mulheres pretendiam dar rosto público ao seu
descontentamento com as estruturas masculinas de poder na Igreja Católica. As mulheres exigem acesso a ministérios de
ordenação, a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes seculares e
uma revisão da moral sexual.
Posteriormente, as
mulheres organizaram delegações para falarem com os bispos nas correspondentes
dioceses.
Os seus protestos
tiveram uma expressão feminina (2): As mulheres protestam por amor à Igreja, de
dentro para dentro e de dentro para fora sem a atacar com a ideia numa igreja
que querem também sua casa religiosa.
O Arcebispo de
Hamburgo, Dom Stefan Heße, convidou o movimento "Maria 2.0" a
participar no "Caminho sinodal" planeado pelos bispos e a apresentar
as suas exigências de reforma (3).
É verdade que a Igreja católica está implantada em todas as culturas do
mundo e por isso urge reconhecer a dignidade na diversidade das pessoas (homem
e mulher) também na missão de libertar o ser humano, de levar a Boa Nova à
humanidade e de descobrir possíveis melhoras e alertar para os perigos. A Igreja não é apenas uma instituição,
ela é uma comunidade de vida de homens e mulheres congregadas em torno de Jesus
Cristo (não pode ser dividida numa igreja petrina e numa igreja joanina).
A Igreja Católica,
na sua qualidade de instituição mais beneficiadora da humanidade (4), sendo uma
religião especialmente impregnada de feminilidade (Boa nova, liturgia e
espiritualidade), seria mais conforme consigo mesma se no seu aspecto exterior
de instituição reduzisse a predominância do rosto masculino (masculinidade) e
desse lugar a um maior equilíbrio entre
as energias/princípios feminilidade e masculinidade.
A Igreja, que por natureza é de conotação feminina, precisa também de um
olhar feminino a partir das suas instituições, numa atitude dialógica não só no
que respeita às diferenças entre religiões e sociedades seculares, mas
sobretudo no empenho pela presença e balance da feminilidade e da masculinidade
nos presentes modelos de sociedade dominados pela masculinidade; o melhor paço
seria começar por si mesma.
Torna-se uma
contradição que sacerdotes e mulheres empenhados em reformar a Igreja tenham de
sofrer pelo facto de a igreja oficial se encontrar demasiadamente distanciada
da realidade. A promoção de mulheres nos ofícios da igreja não pode ser
limitada a educadoras infância ou a referentes pastorais.
Urge impulsionar uma marca católica em que as mulheres pertencem a uma
igreja fraternal, onde cada um possa determinar e viver a sua vocação e ter o
seu projecto de vida sem exclusão. Para isso não é preciso mudar a Bíblia; o Evangelho tem fundamentos suficientes
para a revalorizar; por outro lado, se for dado espaço relevante às mulheres na
sociedade surgirá consequentemente uma outra imagem da mulher.
Ainda não há consenso na Igreja sobre o sacerdócio para mulheres. Mas uma
coisa há que advertir e ter em conta: o poder espiritual não deve ser exercido
em padrões seculares e profanos.
Não podemos viver
de uma esperança sempre adiada. O critério homem não pode ser exclusivo e além
disso vivemos num tempo em que a matriz machista da sociedade se questiona e em
que a teologia feminina pode fazer a ponte para a feminilidade do Evangelho. O
que continua em jogo é uma visão de domínio do princípio da masculinidade sobre
a feminilidade e uma teologia. não se trata aqui de seguir uma teologia hipercrítica que depende demasiado
da cabeça, mas colocar no centro a fé como um indicador de e para Jesus.
É claro que as
igrejas não cresçam por ajuste ao gosto do tempo, mas sim através da fidelidade
ao Evangelho. Urge estarmos
mais atentos às mulheres na bíblia de modo a não serem mal-interpretadas pelos
homens (o que aconteceu em relação por exemplo a Madalena, a apóstola dos
apóstolos).
Uma mudança de moral não
implica necessariamente uma mudança de doutrina, dado uma teologia
correspondente às sociedades em que se encontrava incardinada ter
sistematicamente desvalorizado o papel da feminilidade em ligação com a mulher
para, compensatoriamente, a expressar só na liturgia e no culto mariano. Seria
um equívoco condicionar o princípio da masculinidade e da feminilidade aos
papeis assumidos com base na tradição de reduzir os dois princípios a uma
sexualidade de caracter funcional ou de confundir masculino e feminino (homem e
mulher) com masculinidade e feminilidade. A Doutrina da Igreja não pode ser
condicionada à moral sexual e menos ainda à matriz económico-política de mera
masculinidade. (As lutas que se observam na praça em relação a homossexuais e
lésbicas dão testemunho praticamente só da afirmação da masculinidade ou da
afirmação de um polo contra o outro; neles falta a energia/princípio da
feminilidade.)
Através de exclusão
das mulheres, as lesões surgem e tornam-se cada vez mais dolorosas; não basta pregar
a misericórdia, é preciso refletir sobre a mensagem cristã integral e
praticá-la também a nível institucional (sabendo muito embora que é da natureza
de toda a instituição humana ter um caracter masculino predominante!).
Porque esperar pela
mudança só depois da morte; porque ter de gastar tantas energias na defesa de
mudanças necessárias e que nem sequer contradizem o espírito que possibilitou
os evangelhos há 2.000 anos.
O que falta
praticar é Jesus Cristo. Ganhamos todos, homens e mulheres, com uma maior
presença da feminilidade em cada pessoa e na humanidade.
(Este texto fará parte de um livro que há já
muitos anos tenho à espera de ser publicado)
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e
Pedagogo
In “Pegadas do Tempo”,
https://antonio-justo.eu/?p=5576
Notas no Link
(1)
Gálatas
3, 28: “não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”
(2)
Bispos
entraram em diálogo com as mulheres: https://www.t-online.de/nachrichten/id_85779770/erzbischof-hesse-ruft-frauenaktion-maria-2-0-zum-dialog-auf.html
(3)
Segundo
a Secretária Geral da Conferência Episcopal Nórdica, uma greve de oração e de
culto estava fora de questão para ela.
Sem comentários:
Enviar um comentário