Reacções de um
Bispo conservador e de um Bispo progressista
Por António
Justo
O Sínodo Amazónia, depois de
muita consulta dos povos da amazónia, terá a sua assembleia conclusiva no
Vaticano, de 6 a 27 de outubro e é
subordinado ao tema "Amazónia - novos caminhos para a Igreja e uma
ecologia integral"; tratará assuntos de recursos naturais,
monoculturas, população indígena, deslocamento, poluição, migração,
urbanização, direitos humanos, celibato, ministério sacerdotal para mulheres, a
família e a comunidade, saúde, educação integral e corrupção.
É chegada a hora
da feminilidade e do regionalismo
No Sínodo, convocado pelo Papa,
tomarão parte bispos, representantes de ordens religiosas dos países da região
amazónica, representantes
da Cúria Romana, participantes nomeados pelo Papa, especialistas, observadores,
20 representantes de povos indígenas, representantes de empresas, etc. A Igreja vai dar um passo no
sentido progressista e de descentralização.
Os cuidados
pastorais necessários para uma área vasta e inacessível como a amazónia poderão
ser estendidos também às áreas europeias que levaram a luz do evangelho e a
doxia cristã ao mundo, mas agora se encontram um pouco envelhecidas e sentem
necessidade de serem recristianizadas.
No século XVI a
grande ordem dos Jesuítas deu resposta às exigências da era moderna que surgia
e, na crise atual, a Providência divina colocou à frente da Igreja um Papa
jesuíta a tentar dar resposta a novas questões que a vida hodierna e a
sociedade colocam.
O “Instrumento de Trabalho” (1)
para o Sínodo Amazónia convocado pelo Papa, corresponderá à tentativa de meter
em prática o espírito da encíclica “Laudato si” (2); o próprio Papa diz: Ele é "filho" de Laudato
si'" e quem não leu a encíclica não compreenderá o Sínodo para a Amazónia
(3).
Este documento, preparado pelo
Vaticano, aborda também, sem complexos, temas como a introdução de padres
casados, a introdução de um sacerdócio feminino com a criação de novos
ministérios consagrados que sigam uma inculturação vivencial. Nele se
lê também:” para as áreas mais remotas da região, estude-se a possibilidade
da ordenação sacerdotal de pessoas idosas, de preferência indígenas,
respeitadas e reconhecidas pela sua comunidade, mesmo que já tenham uma família
constituída e estável, com a finalidade de assegurar os sacramentos que
acompanhem e sustentem a vida cristã”.
Tudo leva a
pensar que em breve será conferido o diaconado a mulheres (primeiro grau de
ministro da Igreja que já faz parte do clero); isto na sequência do que o
documento de trabalho solicita aos sinodais para também “identificarem o
tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em
consideração o papel central que ela desempenha hoje na Igreja amazónia”.
Estou certo que será dado um
passo decisivo no sentido do reconhecimento e da dignificação da feminilidade
(na mulher) com um gesto qualitativo concreto por parte do clero. O aspecto
ecológico que o documento defende reflete também, não só a necessidade de se
reconhecer os cuidados pela natureza “casa comum” como também os biótopos
culturais e espirituais. A primeira instituição global existente no mundo com o
sínodo Amazónia chama a atenção para a valorização das regiões (regionalismo
orgânico).
Deste modo, o Papa Francisco
coloca a amazónia (zona ambiental e dos índios) como sinal de esperança e de
consciencialização global. Num tempo em que um globalismo selvagem e ideologias
categóricas levam trudo de enxurrada torna-se urgente que a instituição mais
global do mundo (a Igreja católica) determine horizontes a seguir por toda a
humanidade: valorização do princípio da feminilidade e das regiões.
Crítica
conservadora ao documento base do trabalho sinodal
Refiro aqui as posições de dois
bispos alemães bastante presentes na opinião pública e esforçados por conseguir
soluções que sigam as exigências evangélicas e deem resposta aos sinais dos
tempos no sentido de uma pastoral adequada.
O conservador,
Cardeal Walter Brandmüller que não esteve de acordo com a renúncia do Papa
Bento XVI também não se encontra contente com o espírito reformador do Papa
Francisco. Brandmüller faz críticas severas ao documento de
trabalho e às primeiras reuniões preparatórias do Sínodo Amazónico (4).
O cardeal começa por criticar o
facto de o “Sínodo dos Bispos se ocupar exclusivamente dos problemas de uma
região do mundo”. Critica também a “arrogância clerical” que se intromete na
política, sendo no seu dizer “uma interferência esmagadora em assuntos
puramente seculares do Estado e da sociedade no Brasil”.
Receia uma politização da igreja
e da doutrina e uma cedência modernista ao "nobre selvagem" de
Rousseau.
Não vê, com bons olhos, que a
Floresta da Amazónia se torne num "locus theologicus", uma fonte
especial de Revelação Divina, com uma consequente “recaída do logos no mito”.
Receia que se quebre com o "Depositum fidei" e pergunta: “O que é que
ecologia, economia e política têm a ver com a missão da Igreja?"
Na crítica do Cardeal nota-se um
certo desconforto de avaliação entre a teologia da libertação latino-americana
no sentido de uma orto-praxia (a verdade que surge da praxis) e a teologia
europeia de caracter mais racional abstrato (acentuação da ortodoxia/doutrina).
Ele vê, no “Instrumentum Laboris" a rejeição racional da teologia
"ocidental „e com isso o perigo de uma infidelidade dentro da própria
Igreja!
Teme também que a demasiada
preocupação por inculturação negue implicitamente o caráter
sacramental-hierárquico, se se adotarem formas das religiões naturais.
Naturalmente em tempos de grande
mudança há sempre o perigo de se perder um pouco o equilíbrio, tal como
aconteceu com as igrejas de Lutero e Calvino no século XVI; os portugueses
costumam dizer “nem tanto ao mar nem tanto à terra”; mas a verdade é que a
História oscila sempre e do seu balancear entre conservadores e progressistas,
entre direita e esquerda é que ela anda e expressa vida. Não há que ser-se
homens de pouca fé, o Paráclito acompanha a Igreja, a História e cada um. E
hoje sente-se a urgência de descobrirmos o princípio da feminilidade como o
lugar do desenvolvimento de uma civilização quem para andar, apostou demasiado
na “perna” da masculinidade.
Visão
progressista do documento de trabalho sinodal
O bispo de Essen, Franz-Josef
Overbeck, membro do Conselho Pontifício para a Cultura, constata: "Estamos
no início de uma nova era eclesiástica". Ele acha importante que a
"crítica à Igreja deve ser escutada para que possa haver uma autêntica
mudança cultural."
O bispo considera natural que a
estrutura eurocêntrica da Igreja seja contestada e que as igrejas locais na
América Latina e seu clero se tornarão cada vez mais independentes.
O Sínodo de Outubro em Roma
levará a reconhecer que o " rosto da igreja local é feminino" e como
tal deverá sê-lo também no exercício das suas funções eclesiásticas.
Overbeck pensa que o Sínodo
Amazónia levará a uma certa "ruptura" (5) na igreja católica e que
"nada será igual ao que era antes", prevendo que a estrutura hierárquica da igreja, a moralidade sexual e
a imagem sacerdotal da igreja católica serão postas à prova. A moralidade
sexual e o quadro geral do que é um sacerdote serão analisados, e o papel das mulheres
na igreja também será reconsiderado.
Overbeck argumentou que a
doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moralidade sexual. De facto,
temos de considerar o foro privado e o foro magistral...
Overbeck solicita ainda a
"despatologização" da homossexualidade e diz também que era
"absurdo" para um bispo negar a ordenação sacerdotal a homens
homossexuais.
Não se fala muito no assunto, mas
penso que o grande passo do Sínodo Amazonas constituirá num assumir prático da
grande encíclica “Laudato si „do Papa Francisco. Ela permanecerá determinante
para a História da Igreja do sec. XXI.
A bacia amazónica (6) estende-se
por cerca de 7,5 milhões de quilómetros quadrados e está dividida em Brasil,
Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana
Francesa.
Aqui “onde as
pessoas não contam nada e não têm direitos" quer o Papa dar um sinal no
sentido de uma igreja integral onde justiça climática, ambiental, económica e
social andem juntas. De facto, é preciso ler-se e reler-se o
evangelho à luz de Deus e dos tempos. Trata-se de ir fazendo a leitura sob a
perspectiva do Deus de Jesus Cristo que se revela nas escrituras, na Igreja, na
História, na natureza e na humanidade. Em Jesus Cristo se concretiza Deus, a
natureza humana e a matéria no que têm mais de real e de mistério.
Como é natural
numa Igreja viva disputam-se as forças conservadoras e as forças progressistas.
O “método da controvérsia” (7) será salutar para o desenvolvimento.
O que atualmente
se precisa menos na Igreja é medo e resistência! A fé é positiva e o Paráclito
encontra-se em tudo e em todos não deixando ninguém só. Importante é escutar
para ouvir e sentir o chamamento!
© António da
Cunha Duarte Justo, https://antonio-justo.eu/?p=5584b
Teólogo e
Pedagogo
In “Pegadas do Tempo”
Notas no Site
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