O que é que
a Vida faz de ti e que queres fazer da tua Vida?
António Justo
Há meses encontrei um par de amigos embebidos um do outro: Ele esbelto e
nobre, todo leão, ela jeitosa e distinta, fazia lembrar uma gata persa. Viveram
alguns meses primaveris mas já se nota neles o desgaste rotineiro, com o
nevoeiro outonal a apontar para um inverno já sem folhas e com poucos
vislumbres de nova primavera. Os dois são personalidades nobres e extraordinárias,
jovens ainda! Como todos, sofrem porque não notam que o que querem mudar e
combatem no outro é a própria parte (polo) ainda oculta que cada um de nós traz
em si, sem se aperceber dela. Homem e mulher são dois polos duma mesma
realidade: o Homem integral, a humanidade!
Por vezes, perdem-se no jogo das escondidas, num tactear temeroso de
interpretação recíproca de gestos e intenções. É certo que o gato, quando quer
o carinho de alguém, não se vem logo pôr no colo da pessoa. Primeiro começa por
encostar-se às coisas que se encontram em redor dele, para se fazer notar, à
espera que se lhe passe a mão, para, poder então, prostrar-se a seus pés. Neste
rodeio esconde o seu orgulho e satisfaz a necessidade de maneira formal.
Depois das intimidades primaveris estão a acentuar a parte superficial
(fenomenológica) do ser (o ego), num jogo fatal de distanciamento e aproximação
no tapete do pensamento. Ela ama-o profundamente mas tem medo de ser desiludida
duma imagem de homem distante; ele ama-a também mas tem medo da desilusão duma
imagem de mulher distante. Chego a ter a impressão que os dois se vingam, um no
outro, da mãe (da mulher e do homem) em reparação duma infância inocente
perdida. Adoram a mãe em actos de feminidade e masculinidade distorcidas. Nos intervalos
lambem as feridas. Enquanto o cordão umbilical subsistir, maior será o desejo
de liberdade e maiores serão as estratégias inconscientes para se não libertar
da mãe (da fixação num só polo). O corte do cordão umbilical levará à
construção dum eu não dependente, dum eu que integra o outro nele mesmo. Doutro
modo este será sempre um obstáculo a uma união que se tornaria,
inconscientemente, num obstáculo à simbiose primeira e que se quer manter à
custa duma autonomia simulada. Na relação, nuns acentua-se mais a necessidade
de se definirem pela demarcação, noutros pela simbiose.
Os dois sofrem de dores que por
mim passaram e passam: as dores que geram a diferença das estações e deixam a
voz do vento (tempo) nos corações. Ele sofre porque a queria mas nota que ela
resiste a ser à maneira como ele a gera: à sua imagem e semelhança ou pior
ainda à imagem e semelhança de suas ideias e ideais. No seu sofrer, ele refugia-se
nas alturas intelectuais da águia, cada vez mais distante da natureza e mais
queimado pelo sol da razão, não se apercebendo dele próprio, devido a tanto
ver.
Ela, hipersensível, sofre praticamente da mesma razão. Só que desce ao
profundo dos sentimentos e, encharcada de tanta emoção, por vezes, pouco vê além
dela, devido ao nevoeiro emocional que a envolve.
Se não fosse o problema comum, realizariam neles o paraíso terreal antes da
queda de Adão! Um problema conhecido de cada um, numa vida de espreita atrás do
tempo à espera do próprio momento. Os dois sofrem como cães de orelhas
pendentes e de desejos castigados, e fingem coragem e soberania de um perante o
outro: aquela soberania construída que os impede de se encontrarem porque ainda
não descobriram os opostos a descobrir, neles mesmos. Concebem a vida e o outro
como dia com sol sem amanhecer nem anoitecer. Não seria oportuno adiar a vida numa
concepção. Também não chega viver um dia de cada vez! De facto, o nosso futuro
pode ser atropelado pelo presente, muralhado na cisma de porquês e de soluções!
Na ressonância da vivência quero
descer à cave da vida e, contigo homem contigo mulher, fazer uma caminhada que
é vossa e minha. Quando falo de ti, és tu e ele, ela e tu, e eu também! Em nós
se juntam os polos opostos dum acontecer mais abrangente mas que persistimos em
esquecer! Esquecemos a lei da complementaridade duma realidade maior e de que somos uma parte!
Para possibilitares o verdadeiro encontro com ele/ela, terás de te
concentrar no teu âmago e deixar de viver na e da distracção para te poderes reconhecer
no todo e consequentemente nela/nele também. Ao encontrares-te no todo já “tens”
o outro que então descobres em ti. Ele deixa de ser objecto, desejo ou projecção.
Aí no encontro descobres a humanidade, a tua plenitude, passando a sentir o
prazer da ressonância da feminidade e da masculinidade (do eu e do tu no nós),
tudo em ti mesmo: os polos que pareciam antagónicos ao serem reconhecidos como
parte essencial de ti mesmo geram novas energias e uma criatividade de auto-realização.
A mesmidade ilimitada que surge da vivência da essência de si, de Deus e mundo
no próprio centro, o eu-nós espiritual, entra na ressonância da relação pessoal
e tudo compreende e supera. Então
torna-se natural reconhecer a própria vulnerabilidade e nudez e deixar-se
envolver e entregar ao outro; então torna-se natural perdoar e pedir perdão,
desculpar e pedir desculpa; o perdão limpa e purifica o nosso espírito e
fomenta a maturidade e a metanoia. As feridas causadas pelo querer ter razão revelam-se
então como sombras que encobrem o outro e não passavam, muitas vezes, de formas
de autopunição. Urge pedir perdão também a nós mesmos para podermos
reconciliar os opostos e assim viver em paz connosco e com os outros. Torna-se
importante pensar e questionar o próprio pensamento, para o poder então sentir.
Torna-se importante ordenar a hipersensibilidade para se poder integrar a
racionalidade do outro. Como se vê,
somos todos muito iguais e muito diferentes; somos constelações onde acontece e
se cruzam o eu, o tu e o nós.
Contas com o soalheiro da vida alegre mas não com o escuro da dor. A dor, porém, é a brisa que te leva para lá
do tu e do eu, o lugar onde o tempo descansa e se perscruta a eternidade. Quando
chegas a esse lugar, o passado e o futuro descansam para dar lugar ao brilho da
luz imortal a cintilar no teu interior. Quando a chuva cai e o vento norte zune
no teu ser, procura descer as escadas da meditação até ao teu interior. Uma vez
lá, sentes o calor da energia divina a subir em ti. Então os nevoeiros do medo,
da agressão começam a evaporar-se como o orvalho em manhã risonha. A paz e a
alegria penetram em ti e tu emerges num agora eterno. Então as preocupações,
desejos e receios não passarão dum bater distante de ondas à superfície dum mar
profundo. Nesse oceano a minha alma ganha asas, chora, fala e canta e leva-me
com ela ao cimo da montanha donde avisto o meu corpo, o meu ego, e sinto uma
força maior que o puxa.
Na dificuldade, reservo alguns momentos para mim e começo por inalar a
força positiva, a graça divina, que sinto a soprar em mim. Então o meu eu
profundo e superior (ipseidade) – a minha permanência e a subsistência do mundo
em mim - ilumina as dificuldades. Passo do pensamento e das sensações para o
estado da intuição. Aí na cave do meu ser surge a fonte do bem e a energia da
afirmação que transforma a disposição negativa em humor positivo fazendo
reconhecer e sentir o aroma e o colorido da vida. Aí inspiro o bem, o belo e o
amor num exercício de autossugestão que me leva a sentir o amor universal. Passadas
as camadas do ego entro no meu âmago que participa do ser divino, o meu eu
espiritual. Neste estado da minha ipseidade brota a vida eterna, a sabedoria e
a força – a vida divina envolta no meu ser terreno.
Para embarcar e me compadecer com o outro com Deus e com o universo, não
chega a introspecção, o discernimento; também é necessária a fé: a força
positiva ascendente. No fluxo dos acontecimentos também o JC (Jesus) desceu aos
infernos onde se encontram os indefesos e desamparados para os levar ao bem.
Também eu, também tu descemos com ele para nele erguer a vida. A experiência da paciência revela que tudo
passa e que a graça, a benevolência, tudo sustenta. O desânimo leva-nos a olhar
para o chão, prendendo-nos a ele. Fomos, porém, feitos para andarmos direitos e
quando caímos nos levantar. Se, por
vezes, nos encontramos encerrados na caverna, ao interiorizarmos a paciência do
silêncio, notaremos o sol que nela entra e nos puxa para o alto.
O desapego das ideias e das coisas, como ensinavam os padres da igreja,
ajuda a suportar a bagagem dos medos, desejos e preocupações que a vida traz
consigo. Ao descermos ao interior da natureza entramos em sintonia com o
universo reconhecendo nela e em nós o sol e a sombra dele num jogo alegre com o
destino. Se as sombras da frustração desanimam, o perdão dá consolação e paz. A
água da vida com as suas ondas, que à primeira vista nos parece avassalar e
empurrar para a margem, também nos suporta se tentarmos mergulhar no seu
interior.
O sol brilha para todos. Quanto mais abrirmos as folhas do nosso ego
(autoestima exagerada), dominando-o, mais o sol penetra e dá cor à folhagem da
nossa vida fazendo aquecer e pulsar o nosso coração. Então os estames brotam do
nosso gineceu, o pólen voa e a seiva corre. A sombra das ideias negativas, as
preocupações materiais e espirituais afrontam-nos e muitas vezes nem notamos
que o que traz o dia é o Sol.
Em tempos escuros, entro no silêncio do templo e, aí, aceito as dores do
corpo e das emoções e, ao orar, esses laços se desfazem passando a sentir uma
realidade nobre. Então as tempestades das ideias observadas do interior perdem
as forças das suas ondas e o intelecto transforma-se num mar calmo. Aí já não
guio a vida mas a vida guia-me em mim. No
meu interior abre-se uma porta que dá para o jardim do silêncio onde vive a
sabedoria. Dele surge a força que arreda a dor. Chamaria a esse lugar, o
jardim da Trindade onde o material e o espiritual, a tristeza e a alegria se
encontram em acção inspirada e não na reacção. Uma vez chegado ao átrio do
silêncio notas todas as forças em oração e sentes os entretons e riqueza de
bemóis e sustenidos para lá das vozes do ego. Aí no teu interior sentes o
“Reino de Deus”, a verdade em ti. Então, sentado à margem da ipseidade já longe
das lutas do ego ouves o rumor do mar e do tempo a dar consolação. A natureza
levanta-se e anda e seu coração brilha e pulsa no Sol que chama toda a flora a
erguer-se e a segui-lo. Então Deus fala, tu e ela, ela e tu, nós, com Deus,
participamos do mistério. Deus beija a terra no Sol e beija o Homem na
inteligência. Então no encontro com a natureza, Deus reza em nós, para lá do
nosso estádio de deserto, savana ou floresta virgem.
A dor e as dificuldades são a
nossa escola. Quando à noite me envolvo no universo, apagam-se as luzes do meu orgulho e
a nuvem da humildade cobre o deserto do meu ego. Na fraqueza sinto o surgir da
força universal que me suporta e traz ao colo. Sinto então a energia das ondas
em mim, o outro lado da calma. As ondas e o movimento não deixam que a água do
meu oceano apodreça. Sim, o sal da vida é doloroso e o desenvolvimento é
esforço, mas imagina a água do mar sem sal nem movimento... O azedo faz parte
da vida; ele é o sal que a tempera e lhe proporciona duração.
Tenho de procurar a verdade tal como o botão procura o sol no verde para poder
brilhar no colorido das pétalas. O que muitas vezes espero do outro é
simplesmente a satisfação do meu ego, aquilo que o rebaixa a ele e me opia a
mim. Tal como o verde das folhas se perde para ressuscitar nas cores da flor
assim deve morrer o meu ego para poder ressuscitar na realidade do novo Adão (o
meu eu profundo e nobre). Uma vez transformado o ego, encontro-me no chão da
divindade onde se encontram as pessoas da trindade: ela, tu e eu, no nós
abrangente do Paráclito. Aí a dor passa a ser o tempero e o movimento a relação
entre incarnação e ressurreição. (Para mim, a Trindade é a fórmula da realidade
toda numa). À desilusão na vida emocional e à dor na vida corporal segue o
louvor (agradecimento) na vida espiritual. A cruz apenas me acorda da matéria
para o espírito. É necessidade inerente à vida onde o sol brilha e Deus nos
sustém. Quanto mais alto fica o monte do
calvário mais se avista da vida. A felicidade não se encontra ao nível do
pensamento porque este é alérgico à dor e esta encontra-se no seio da natureza
tal como o sangue no nosso corpo.
A vida é feita de dor e alegria, como o dia contem a noite. Dor e alegria
são mais que experiência; são condição vital. A fuga à dor é uma força
instintiva do ego; é prisão à concupiscência sem compreender a necessidade da
prisão do ter pena de si mesmo. Por trás dos acontecimentos há energias. Muitos
ideais religiosos pretendem uma reacção positiva a diferentes situações.
Autonomia e autoestima são valores de inter-relacionamento numa realidade do
nós em que floresce o tu e o eu.
As bofetadas do destino estão em relação com o ego, a zona inferior do ser.
A chave para se apagar as dores exteriores encontra-se no interior do coração. A
força e a vontade exercitam-se resistindo à fraqueza.
Não reajas ao primeiro estímulo
ou à primeira ideia; espera um pouco, conta até dez, não resignes. Se sentes
ódio, imagina o sol do perdão que abre o horizonte. Sofre com o outro a dor que
ele talvez ainda não sente. Tem compaixão –
essa qualidade de sofrer e se alegrar com a natureza no outro. Se te queres
superar, ora; na oração - também na oração secular – encontras a ressonância do
todo no louvor e no perdão.
Há dias, uma pessoa amiga de 35 anos, em S. João da Madeira, pedalava numa
bicicleta, quando seu coração deixou de bater. Caiu para o lado, deixando dois
filhos, de três e cinco anos, uma mulher e uma grande casa. A dor subiu às
casas deixando, banhadas em lágrimas, a família e amigos. O meu amigo Toninha
“desceu aos infernos” banhado em lágrimas para depois “subir aos céus” e nos
poder receber com um sorriso, a nós que lamentávamos a morte do seu filho.
A dor extrema leva-nos ao
conhecimento último sobre a realidade da vida. No centro do eu profundo, o
instinto e o ego são iluminados. Nestes momentos nem a religião apresenta
solução para o mistério da vida, apenas ajuda a recuperar energias para novas
etapas num processo de contínua mudança que pressupõe um contínuo repensar e
metanoia. Em momentos trágicos, só o espírito pode mover as energias latentes
em nós. Humildade e paciência são o plinto para se superar a frustração, o medo
e a dúvida. As ventanias do destino obrigam-nos a agarrar-nos ou a deitar-nos
ao chão para depois nos erguermos. É a lei da vida. Também as rajadas do Outono
tiram as folhas velhas das árvores para darem lugar a novas.
Resta-nos a generosidade e a
compaixão. Faz bem a quem te faz mal. Ao perdoar, domestico o próprio ego. Na
compaixão lavam-se as feridas da lembrança e regeneram-se as lágrimas
engolidas. “Perdoai, como nós perdoamos”, diz o mestre da Galileia.
Endurecimento é lei da matéria mas não do espírito. É preciso mudar a
configuração da vida para poder mudar-nos a nós e mudar a sociedade.
Como a natureza segue o sol também nós temos de formar a vontade, uma
vontade superior com uma meta teleológica a atingir. Para isso teremos de
começar por nos perguntar o que queremos fazer da vida e o que a vida tem feito
de nós. Para seguires a vontade superior teremos de depor as armas do ego, que
são as armas da convicção e do querer ter razão numa realidade descontextuada.
Teremos de entrar na ressonância universal. Para isso, além de procurar o bem é
necessário entrar no relaxe corporal e espiritual, exercitando a fé integral. A
resistência encontra-se em nós procurando fazer passar toda a energia da vida
pelo pequeno fio de resistência que é o nosso ego (eu inferior). O ego serve-se
das muletas do pensamento e do sentimento filtrando tudo à sua medida,
encrustando a dor. Debaixo das ondas da dor descansa imperceptível a vida
interior.
É preciso penetrar para lá das crustas físicas, mágicas ou mentais que constituem
as órbitas do ego, para poder entrar em esferas superiores na ressonância da
compaixão com o universo e com Deus que constitui o centro da ipseidade (eu
nobre e profundo). Através do caminho da introspecção que conduz à vivência
interior, o corpo e o espírito entram em sintonia começando tudo a fluir no
amor.
Para facilitares o acesso aos reflexos da graça e à paz interior coloca-te
numa posição agradável, inspira profundamente (respiração ventral) o sol e o
amor e deita para fora a treva, expira os cuidados que tens em ti. Mergulha na
energia divina, ela está em ti, está em tudo e cura tudo. Corpo e espírito
mesclam-se um no outro. O corpo é expressão do espírito tal como a natureza é
expressão do espírito universal. Tudo
surge do espírito e se encontra a caminho dele. O universo vive em contínuo
dar à luz, tu e eu, nele, também. A Terra regista no seu ser as diferentes
regiões naturais/climáticas e também os ventos com as suas altas e baixas
pressões que contribuem para um equilíbrio de afirmação e repouso a caminho de
nova fase. Também as pessoas variam entre o entusiasmo e a depressão registando
nelas as diferentes mudanças. Constatado este fenómeno comum à natureza e ao
estado de alma das pessoas, há que intervir agindo para se não deixar ir na
enxurrada de apenas reagir.
Amiga, amigo, desce à cave,
despe-te da roupagem do ego que te não deixa sentir o calor e a maciez da pele
do outro. Confia e confessa-lhe teus entusiasmos e mágoas. Desnudado e paciente
transformarás os ferimentos do outro, modificarás aquelas dores que te fazem
sofrer a ti e ao outro; elas transformar-se-ão em alegria para ti no outro. Em
baixo, no chão da vida, nu experimentas a energia universal. Então sentes a
energia do movimento de rotação e translação a convergir em ti e te
descobrirás, com o outro, a caminho do ponto Omega de Teilhard de Chardin. Aí
se junta a energia masculina e a energia feminina num só ser, o ser adulto.
Então as ideias negativas, que são o veneno do sentimento e do pensamento criam
novos espaços novas atitudes, salvando-vos um ao outro. Então os géneros não se
juntarão para se afastarem. Um não quererá mudar o outro; não será mais professor
um do outro, mas sim aluno um do outro. Um é a oportunidade existencial do
outro para se poder desenvolver.
Desce à cave mas descobre, ajoelhado (a), em oração, na nudez assumida, a
causa da resistência dum ao outro que impede a mudança para uma nova acção.
Pela nudez passa e corre a água salutar que em vós jorra.
Enquanto o ego for movido apenas pelas forças centrípetas da inteligência e
da emoção o eu adulto e o outro serão desvirtuados. Então seríamos meteoritos,
que embora brilhantes, se encontram em queda livre, à margem das forças
ordenadas nas órbitras da criação, faltando-lhe a ligação ao espírito do todo
que tudo sustém (trindade!).
O Filho do Homem veio em Jesus e no Cristo e nós realizamo-lo também. Nele
e em nós se reúne a deidade à criatura. Esta é a perspectiva: agir, ser
senhor/a, e não apenas reagir como faz o escravo/a. Até a Terra reconhece que
não é autónoma, reconhece e dá lugar ao Sol no seu ser. Fazemos parte duma ordem
universal e do mistério para o qual importa orientar o nosso saber e sentir. Se
entrares em ti, no âmago do ser, o espírito te guiará e não o ego. Não te tornes dependente; tens a gene do
divino. Aceita a ordem universal a que pertences, não te tornes satélite e
menos ainda meteorito. Não te sobrecarregues nem sobrecarregues o outro.
Cada dia traz, para cada qual, a sua carga e esta já é suficiente.
O fatalismo tal como a liberdade da vontade são verdades condicionadas. Não
podemos andar sem meta. Como o dia, trazemos em nós o sol e a noite, a alegria
e a dor, a transitoriedade e a eternidade. Nós somos o sentido do ser!
Antes de tentares mudar alguém ou criticar uma situação ou nega-la pergunta-te
primeiro qual é o ensinamento que ela te quer dar. Admite as leis da vida. Não
fujas nem fiques na câmara escura do teu ser. Reconhece a luz. Se te orientares
pelo espírito as mazelas perdem o brilho que o ego lhes empresta. O bem vence
sobre o mal embora aparentemente pareça o contrário.
A dor duma pessoa centrada no ego
(em si mesma) é mais forte porque não tem sentido. Só o tempo a apaga. O que se encontra nas
esferas do espírito ultrapassa o tempo, conduz a uma maior consciência, uma
compreensão integral dum todo complementar; nela se experimenta o sentido
profundo da vida que não se pode confundir com o sentido dos remos que a
empurram.
A dor pode purificar o ego egoísta no sentido duma identidade superior. O
ego identifica-se no acontecimento e perde-se na percepção do mesmo. As
vivências e experiências são oportunidades para dominarmos os acontecimentos
sem nos tornarmos vítimas deles. Para isso, é necessário andar de braço dado
com a vida no bem e no mal, para ir mais além.
Se desejas mudança em ti terás de mudar o teu ambiente, se desejas a
mudança do outro tens de te mudar a ti primeiro. Sem mudança não há futuro e o
presente não passa de recordação! A decisão é tua.
Quanto às feridas que uma pessoa tem é necessário deixá-las cicatrizar, doutro
modo, quanto mais se arranha nelas mais elas sangram e se apoderam de ti. Se se
torna difícil colocar os vestidos no cavide, por outro lado, também a nudez não
é inocente…
Se queres ser tu, tenta pensar e agir a partir do nós! Nele fomos criados e
a ele voltamos! De resto, “ama e faz o que queres” (como dizia já Santo
Agostinho)!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
2 comentários:
Excelente!!!!
Jorge Rodrigues
Boa Tarde !
Estimado António :
… o texto foi um bálsamo nesta tarde fria de Outono ! … como me fez bem recordar o que já sabia … mas que nem sempre consigo por em prática ! … longe do meu/ nosso País pareço às vezes perdido diante de interlocutores que não sabem o que dizem … É na oração e numa conversa mais intima com Ele que procuro significado para as diferentes etapas da Vida. O “outro” colocado diante de mim é sempre o contraponto que estimula a mudança… mas que, às vezes, o “ ego “ recalcado não deixa concretizar !!
Votos de um resto de dia cheio de Luz !
RJM
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