António Justo
Majam Mahmud, que antes preferia
ser rapaz porque como mulher não via futuro digno, está orgulhosa do seu género.
É uma rapper egípcia de 18 anos e de lenço na cabeça que não tem papas na
língua quando fala. Não lhe interessa a política mas a discriminação. Na sua
música lematiza temas tabu de uma sociedade medieval. Chama as coisas pelo nome
sem os rodeios do oportuno. Enfrenta os problemas
da nação; fala sem medo da discriminação da mulher e do assédio sexual na
sociedade egípcia. O Ocidente mais interessado na guerra económica do que
na justiça individual e social fecha os olhos da guerra dos homens contra as
mulheres especialmente nas sociedades da Índia e da África.
Para quando a revolução da Mulher?
Segundo uma pesquisa das Nações Unidas 99,3% das mulheres egípcias indicam
terem sido sexualmente molestadas.
Para Majam Mahmud o problema da
discriminação sexual no Egipto é intocável porque é declarado tabu e como tal
não precisa de leis que condenem o assédio sexual. Quem sofre as consequências
cometidas pelos agressores não são os infratores mas as mulheres que depois têm
de assumir o desprezo social. Os homens
querem que as mulheres sejam graciosas e atractivas mas sem chamar a atenção. A
solidariedade masculina não quer ser questionada, nem quer sofrer a concorrência
entre homens e por isso a mulher terá de ser a eterna vítima, a culpada do desejo
masculino. Este é lei e por isso não se pode questionar a si mesmo. Neste
contexto, ser mulher livre é uma provocação. As mulheres calam-se e nas sombras
do seu silêncio continua a fermentar a arrogância e a violência masculina. O
problema é que o sistema não se muda, quem se muda são as pessoas e só quando
estas se mudam, só então se muda o sistema.
Numa altura em que ideias
revolucionárias já germinam debaixo de cabeças com lenço, há mais motivos de
esperança do que qualquer pretensa primavera árabe na sociedade norte-africana.
Majam Mahmud pergunta numa
entrevista com o Speigel: “Que se pode esperar de uma sociedade onde o maior
objectivo para uma mulher é casar?” Logo a seguir desabafa “Eu realmente acredito que a próxima revolução será uma revolução da
mulher.” O problema da sociedade muçulmana mais que um problema religioso é
um problema de homens e de cultura árabe cimentada no Corão e na sharia.
A verdadeira revolução está na
transformação do espírito. O mundo árabe cairá um dia num caos se não se mudar,
mas a mudança só as mulheres a podem fazer através de uma revolução doce ou também
agressiva, à maneira de homem. Majam Mahmud é um exemplo muito necessário, uma
luz a brilhar e mais que um grito de emancipação é uma voz modelo que grita por
libertação do chauvinismo masculino com a sua consequente violação. A música é um dos melhores instrumentos
para se transmitir uma revolução.
Deveria haver direito a asilo mais
liberal para as mulheres perseguidas por razões de cultura ou religião. Se
observamos as mulheres vítimas do exílio político observa-se, porém, que
trazendo os homens consigo não há possibilidade de libertação individual.
É um facto sociológico que, de
uma maneira geral, os homens não querem mudar-se preferindo continuar a viver
ao abrigo das leis naturais que perpetuam o domínio do mais forte. A cultura
árabe, fruto de uma geografia agreste, continua na elaborar as suas leis
positivas com base na cópia da lei natural. (De não descurar que a cultura
ocidental tem outras formas de discriminação, muito embora mais suave).
Aqui temos a ver com uma cultura misógina
bárbara onde, sob a capa do islão, se dá continuidade à discriminação das
antigas sociedades de clãs primitivos. (Temos porém que estar atentos na avaliação
porque muito do que acontece sob a capa das religiões são costumes ancestrais
nómadas da cultura árabe.)
Se se pretende um desenvolvimento
são e sadio a discussão terá de ser feita em termos de sociologia e de
antropologia. De facto a velha cultura egípcia tem elementos muito mais
desenvolvidos do que lhes foi posteriormente imposto com a hegemonia da cultura
bérbere árabe. Uma discussão fora destes moldes corre perigo de, sem notar,
levar a água ao próprio moinho! O que está aqui em causa é a relação e a integração
da feminilidade e da masculinidade na pessoa independentemente do ser homem ou
mulher!
Há quem critique Majam Mahmud por
trazer lenço na cabeça, um símbolo da repressão; estes esquecem porém que ela pode
assim alcançar melhor um público conservador de mulheres que de outro modo não
atingiria. Também há que estar-se atento na luta da emancipação para se não cair
em movimentos emancipatórios baseados em princípios masculinos, como por vezes
acontece no ocidente.
Uma sociedade patriarcalista que
segue unilateralmente os vestígios de Abraão só poderá ser mudada com a mutação
progressiva da mulher e só esta poderá constituir a base de uma verdadeira revolução.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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