ANIVERSÁRIOS DAS COMUNIDADES MOTIVO PARA MONUMENTOS DA MEMÓRIA
Cinquentenário dos Portugueses na Alemanha
António Justo
Emigrar é passar a um outro
estado, transpor limites, tornar-se acrobata anónimo, a dançar a vida, na linha
das fronteiras.
Uma data, um acontecimento pode
ser uma ocasião para repensar e unir povos ligados pela emigração. A
comemoração dos 50 anos dos Portugueses na Alemanha poderia tornar-se num ensejo para reforçar laços e fomentar
padrões da memória migrante por toda a parte: França, Suíça, Canadá, USA,
Alemanha, etc.. Os emigrantes estão de parabéns pelo que fizeram e fazem por
Portugal e pelos países de acolhimento! Porque não deixar maior testemunho
desta grande força e obra aos nossos vindouros? Emigrantes são obreiros de
futuro, pessoas de vida na mala (http://antonio-justo.eu/?p=2570).
Emigrantes não têm lugar no panteão
nacional mas deviam tê-lo no santuário da memória colectiva de um povo. Se o
povo migrante não toma iniciativa e o não faz, menos poderá esperar que o façam
os que beneficiam do nosso trabalho.
A celebração do cinquentenário dos portugueses na Alemanha, ou noutro país,
poderia dar oportunidade de se criar uma iniciativa que, com o apoio de
patrocinadores, construísse, em Portugal e ou na Alemanha, um monumento
dedicado aos emigrantes portugueses. Não seria difícil encontrar alguma terra
em Portugal e ou na Alemanha onde as autoridades locais não se mostrassem
dispostas a apoiar tal iniciativa. Uma tal iniciativa poderia partir
da Comissão organizadora do cinquentenário, das associações, de uma força
política, de um Banco, das missões católicas ou de qualquer outra organização e
certamente tornar-se-ia um exemplo para as comunidades portuguesas da diáspora
em todo o mundo.
Novos Padrões da Portugalidade
Imaginem os portugueses que todas as comunidades espalhadas pelo mundo
concretizavam tal iniciativa! Portugal e o mundo encher-se-iam de Padrões da mais
genuína portugalidade. Sim porque aos padrões dos
descobrimentos seguir-se-iam os “padrões” da emigração. Estes ficariam por todo
o mundo a erguer a voz daquela parte do povo que fica, sem se ver, debaixo da
terra, a fazer de alicerce a grandes construções.
Trata-se-ia de criar áreas da
sensibilidade e de sensibilização de um espaço migrante onde se materializam
sensações, aspirações e questionações, de trajectos e projectos de vida, de sentido
e não sentido, do Portugal migrante. Nos monumentos aparecemos, recordamos,
representamos e comunicamos algo para aqueles que os rodeiam hoje e amanhã.
É hora de se criar monumentos
quentes fora das estatísticas frias e das conversas burocráticas, monumentos
que mostrem vidas, vividas e não vividas, na procura do caminho.
Precisamos de monumentos que
testemunhem a ausência e a saudade de vida e humanidade. Aquela ausência muitas vezes recolhida no canto da saudade, que se
refugia na mala da recordação onde há cartas embrulhadas por lágrimas que as
abrem de novo. Nelas o mundo passa ao longe e acena; depois a saudade vai à
igreja onde muitas vezes ajoelha para ganhar força e se juntar numa alegria que
paira no ar das festas da associação e onde se associa e junta uma voz
longínqua de timbre a gaivota que voa no mar de saudade.
Celebração da Aventura do Trabalho e da Honradez
Mais que casas da memória dos
emigrantes portugueses querem-se “padrões” da recordação, sinais, vestígios,
monumentos da aventura, do trabalho e honradez, espalhados entre as cidades e
as nações; querem-se bastiões anti-preconceito
e manifestações de vida compartilhada, de
solidão e ilusão, gerados na vontade de testemunhar reconciliação. Aquela presença,
por onde passamos, quer monumentos pequenos à laia de marcas que sem cair
resistam ao tempo, e fiquem como destaques do povo baixo que mantem a
lusitanidade e a humanidade universal num contexto popular, já não agressivo de
poder. Portugal humilde emigrante, fragmentado
nos monumentos quer ver testemunhada a viagem de um povo na procura de si e de alguém
que o complete.
De nós não fica nada se não
deixarmos a dor na pedra gravada como marcos de referência contra o esquecimento
de um testemunho diferente em que a arte mantenha a tenção entre o real e a
representação. Precisamos de criar corredores de monumentos que se tornem em
veículos da lembrança e da humanidade.
Não se trata de perpetuar a nostalgia do glorioso passado mas a história de
heroísmos vencidos, de pessoas heróicas, sem presente nem passado, num futuro
presente. Queremos as ruinas do presente a testemunhar o futuro do passado
presente. São monumentos também da dor num vazio presente a lembrar a nossa
ausência, a voz do perto, gravada na pedra da distância: o longe da presença
ausente na sociedade de origem e de acolhimento. Muitos dos monumentos
poderiam ser padrões expressão de gente sem rosto, de gente a passar como a
brisa, a lutar contra a entropia e a testemunhar a entropia vigente.
O monumento é, como a palavra o diz: um desejo legítimo de quer manter na
mente colectiva um fenómeno humano que
os vindouros interpretarão. Estes seriam sinais de uma nova mentalidade, monumentos
sem segundas intenções a perpetuar a lembrança do destino de povo em benefício
de povo e não de ideologia ou de desvarios de poder. Seriam sinais do não poder, sinais da esperança que vive nas sombras do
poder. O seu valor legítimo histórico radica não só num período mas também num
fenómeno sociológico verídico que se mantem a querer expressar uma história a
lembrar valores de povo.
Evoco aqui a ideia de padrões
porque lembram o granito daquele norte e de vontades fortes e não de poderes
estatais ou de pretensões; seriam padrões sem armas nem bandeiras, sem símbolos
de poder mas simples recordação de presença na voz da impotência a construir
honradez e humanidade.
PS. Seria óbvio, e no interesse de uma política da cultura e da memória do
Estado português, que órgãos da emigração e repartições da cultura e do MNE
considerassem projectos como estes.
António da Cunha Duarte Justo
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