O Vento na Natureza é como as Ideias na Alma e nas Vivências
António Justo
O estado de ânimo e o estado do tempo são duas manifestações de realidades
compartilhadas: o sol na natureza e o Espírito na pessoa. Sol e Espírito estão
em relação directa: chove em mim, chove na natureza! No bom tempo há sol,
alegria e ideias positivas, no mau tempo há chuva, tristeza e ideias negativas.
Fazemos parte duma realidade em reciprocidade mais ampla do que a do próprio
biótopo de que julgamos ser senhores.
Certamente que já lhe aconteceu, depois de ter passado um dia calmo e
sereno, com alguém da sua relação, de repente, ao dizer algo, desencadear-se
uma tempestade de sentimentos e relâmpagos de ideias cada vez mais
incendiárias. A atmosfera chega, por vezes, a carregar-se de tal modo que o
fogo do instante faz desaparecer o sol que antes brilhava em nós.
Na procura de relações de amizade experimentamos demasiado os extremos da
pressão e depressão climática e psicológica. Não fossemos nós também natureza!
Na procura de carinho, aceitação, reconhecimento e estabilidade não contamos
com as leis da nossa meteorologia interna a que está sujeita também a nossa
natureza humana. Em momentos de crise social, grassa mais, o temporal na
família e na sociedade política e civil. Nota-se a insegurança individual e
social para onde quer que se olhe! Daí, cada qual sentir a necessidade de se
refugiar numa trincheira comum com “amigos” que confirmem a própria opinião
aplainada num biótopo próprio, contra uma paisagem variada e diversa de altos e
baixos, contra o lá fora. Procura-se uma amizade de primavera que não suporta
as outras estações, quer em si quer nos outros. Escolhe-se viver numa estufa de
ideias e de sentimentos, fora da natureza, fora da realidade completa que
somos. Esquece-se que as ideias e em parte os sentimentos são apenas fenómenos
externos e, por vezes, se comportam como o tempo. Ignora-se que o biótopo
privado dos amigos e companheiros é um biótopo entre muitos outros, numa
natureza diversa e diferente que a todos mantém vivos no movimento.
As ideias tornam-se como fósforos a raspar na caixa do sentimento. As
ideias como o vento arrastam atrás delas a chuva e o sentimento. Quanto
mais fúria sopra do vento das ideias mais as ondas das emoções se levantam e
encrespam. Lá fora como cá dentro, há tempos de altas e baixas pressões.
A paisagem da nossa alma tem muito de comum com a paisagem da natureza lá
“fora”. Como nela, no nosso coração há chuva, abertas e sol. Os princípios e as
leis que as regulam são semelhantes e há algo de comum também. Quando há sol na
natureza, no nosso coração tudo se torna, dentro e fora, mais leve e o
horizonte revela-se mais largo. Se chove ou há nevoeiro na nossa alma, nem
notamos a beleza da paisagem por onde passamos.
Forças, que, por vezes, se revelam más em tempos de tempestade, se bem
vistas, podem tornar-se produtivas, como acontece no uso do vento para fins
energéticos se forem orientadas. O mesmo se diga em relação às ideias. Em cada
pessoa como na natureza há energias ciclónicas e anticiclónicas, marés-altas e
baixas, euforias e depressões.
No mar da vida, para se levar uma vida equilibrada, há que aproveitar o
vento propício para melhor se abordar à costa. Em tempo de nevoeiro torna-se
perigoso arribar. É preciso esperar o bom tempo das ideias, das ideias benignas
e da calmaria do coração para se abordar o outro e então resolver os problemas
com horizontes largos e duradouros. Em mim como no outro, nas ideologias como
nas sociedades, se notam os mesmos estados do tempo!
As rajadas do vento e das ideias, como a calmaria do estado do tempo lá
fora e o estado da atitude de espírito em nós, são situações naturais a
compreender para se aceitar a realidade própria e do outro. Depois da
tempestade avizinha-se o nevoeiro e normalmente é precisa a predisposição para
se olhar em redor na descoberta dum arco-íris anunciador de sol. Esta é uma
oportunidade para se descobrir a si no outro. E “depois da tempestade vem
sempre a bonança”, não fossemos nós natureza e não nos víssemos nós no espelho
dela. Como na natureza também na panorâmica humana há diferentes biótopos de
caracteres e mentalidades como se pode verificar da observação de discussões
acirradas entre optimistas e pessimistas, entre o comunista e o capitalista,
entre a reacção da pessoa em estado eufórico ou depressivo. O pessimista
naturalmente que preferirá dizer “depois da bonança vem a tempestade”. É sempre
uma questão de perspectiva. Se um olha na direcção do dia o outro olha na
direcção da noite! A natureza e nós, somos dia e noite! No fim, a intenção é
que vale e já antes os dois tinham razão, situando-se o problema apenas na
perspectiva de cada um! O problema não está na natureza mas na
rosa-dos-ventos!
Criar em nós uma instância do bom humor
Há pessoas muito sensíveis que reagem como micro climas. A boa ou má
disposição influencia a percepção dos outros e do que dizem. Na verdade, até o
tempo se torna cúmplice do nosso humor. Os mesmos temporais, as mesmas bonanças
do tempo, lutas e discussões da pessoa e da instituição; o mesmo acontece em
casa, na família como na polis e na disputa entre os partidos e na discussão de
opiniões; tudo isto se encontra submetido às mesmas forças e leis a descobrir.
Os problemas surgem principalmente do facto de cada indivíduo ou grupo ter uma
visão perspectiva da realidade quando esta é a-perspectiva. Tudo apenas um
problema do tempo lá “fora” e cá “dentro.“ Assim acontecem as ventanias e as
tempestades destruidoras na natureza, e as rajadas que devastam a sociedade, a
família, as amizades e as pessoas.
Como nas pessoas assim nas montanhas. Se na base há nevoeiro certamente que
lá em cima brilha o sol. Se nos encontramos na depressão, no vale, na comba da
tristeza, certamente que só veremos no outro o escuro do nevoeiro do sopé da
montanha e a própria escuridão nos atemoriza porque vemos fora o que está
dentro. Como me encontrava no sopé não podia ver a montanha toda no outro e em
mim. Hermann Hesse resumia um saber da psicologia nestas palavras: “Se você
odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não
faz parte de nós não nos perturba” Transmissão ou transferência é um fenómeno
psicológico muito comum e a que se deve prestar atenção, especialmente quando
alguém fala mal de outro!
Todos fazemos parte da mesma montanha. Se dum lado da encosta há chuva do
outro haverá sol. A paisagem que hoje sorri ao sol amanhã chora à chuva. Tudo
sofre e se alegra a seu tempo. À depressão (tristeza) do sentimento dum lado
corresponde a pressão (alegria) do outro lado.
Urge aceitar os sentimentos como se aceita o tempo para se evitar o
curto-circuito de ideias e a consequente trovoada dos sentimentos. Se me
encontro no fundo do vale, do lado da encosta sombria das ideias é melhor
esperar por uma aberta ou tentar subir a encosta até encontrarmos o sol e assim
nos podermos orientar melhor numa perspectiva para além do nevoeiro. No
nevoeiro e na tristeza certamente que pintaremos a vida e o outro com cores
escuras, não podendo deslumbrar nelas a beleza da realidade das cores do
arco-íris. Os problemas ocasionais passam com uma simples mudança de
perspectiva; os grandes permanecem tanto no sopé como na encosta da montanha.
Estes porém só devem ser resolvidos com eficiência na fase soalheira da vida.
Doutro modo formam-se opiniões e tomam-se decisões que criam maiores problemas
ainda, por falta de horizontes mais largos.
A questão será encontrar a balança numa vida consciente da tempestade e da
bonança. As diferentes estações manifestam diferentes riquezas em
interdependência em nós e nos outros, entre o cá dentro e o lá fora, que são
parte da mesma realidade.
A disposição, o bom ou o mau humor, determina a nossa vivência. Somos
mais que o mimetismo das nossas ideias e sentimentos. Para mudar a vivência
não chega mudar as circunstâncias exteriores porque também as nossas ideias e
sentimentos provocam, muitas vezes, a cor do ambiente, a cor das circunstâncias
exteriores.
À distância vê-se mais. A causa da nossa má relação está, muitas vezes, em
pensar nela. Não chega esperar pelo tempo que cura todas as feridas. Importante
é pôr-se o problema e esperar-se pela solução mais tarde. Para os problemas
ocasionais do dia-a-dia, muitas vezes, basta tirar o cobertor escuro das ideias
com que envolvemos o parceiro e nos envolvemos a nós. Na cama dos sentimentos é
preciso arredar os pijamas das nossas ideias e procurar tocar com a própria mão
no corpo nu do outro. Então, na nudez do outro descobrirei a própria nudez, e
sentirei nele o calor primaveril que me incendiará também a mim.
Se a ocasião não proporcionar tanta proximidade, basta um sorriso, um
louvor verdadeiro. O sorriso, o louvor é como o sol que derrete as roupagens
das neves mais resistentes.
Agradecer e louvar é um acto nobre que reconhece a realidade do dia e da
noite, do bom e do mau humor no todo e em cada um.
Se queres ser feliz, entra na tua vida, descalça as botas. Então, entrado
em ti, sentirás a felicidade, no encontro dos polos, de um estar com todos sem
se perder em ninguém. Então sentirás a harmonia do agora a fluir; na felicidade
o caminho une-se à meta. Felicidade é sentir a paz do mar profundo nas suas
ondas altas!
António da Cunha Duarte
Justo
Pedagogo e Teólogo
1 comentário:
Interessante digressão. Mostra de uma maneira bastante didática a simbiose que se passa entre o no nosso microcosmo e o mundo que nos rodeia .
Eduarda
In Diálogos Lusófonos
Enviar um comentário