O Papa falou à
Consciência dos Deputados do Parlamento Europeu
do Poder”
António Justo
A Europa
encontra-se à disposição de um capitalismo feroz e de ideologias que não
respeitam a dignidade humana nem as nações. Neste contexto, Francisco I veio
falar à ágora da Europa onde não faltam os vendilhões.
Ontem (25.11.2014), o Papa falou
em Bruxelas aos 751 deputados do parlamento europeu que representam mais de 500
milhões de cidadãos.
Referiu-se, indirectamente, ao perigo
dos acordos (TTIP) que estão a ser preparados entre a EU e os USA; estes
constituem um atropelo aos países membros que passarão a ser economicamente
controlados por poderes económicos e burocráticos internacionais sem que o
Estado possa intervir. Seria fatal uma dupla moral que traz na boca a
solidariedade europeia mas cede às multinacionais privilégios e direitos que
deveriam ser inalienáveis do povo. De facto, as democracias encontram-se
ameaçadas pela “pressão de interesses multinacionais não universais, que as
enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao
serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a
história.”
A dignidade humana encontra-se
ameaçada pela discriminação e por interesses económicos desmedidos. “Que
dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da
força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder?” Apelou à solidariedade
e subsidiariedade.
Uma Europa que obriga os jovens a
prepararem-se para o trabalho até aos 18 – 25 anos e deita ao abandono 6
milhões de jovens desempregados, perde o crédito, ao deixá-los à porta da
sociedade e da vida, sem trabalho nem perspectiva. Daí, para o Papa, a urgência
de se “promover as políticas de emprego” e a necessidade de “ devolver
dignidade ao trabalho” pois «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto
mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária».
Francisco verifica que a Europa
se tornou um continente cansado e envelhecido: “De vários lados se colhe uma
impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é
fecunda nem vivaz”. A EU tem vindo a ceder os seus ideais ao “tecnicismo
burocrático das instituições”, tem criado estilos de vida caracterizados pela
“opulência indiferente ao mundo circunstante”. “O ser humano corre o risco
de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem
de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente,
com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é
descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos
abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.”
A Europa está velha porque
alberga muitos Junckers, Sócrates e oligarcas sem alma europeia.
Francisco I sofre com o desmoronamento duma Europa que, com uma política que
endurece na elaboração de regras, não se preocupa seriamente com o futuro,
perdendo os seus ideais em favor da burocracia e do mercado. Criticou o pensar
consumista e egoísta que se espalha como um nevoeiro pela Europa.
Admoestou os
países ricos, criticando o curso de poupança da Troica que castiga
especialmente os países do sul, tendo o problema surgido do fomento da
flexibilização de um mercado liberal que “não respeita a estabilidade nem a
segurança das perspectivas de trabalho”.
Solicitou mais solidariedade com
os refugiados. É um escândalo ver-se o
Mediterrâneo transformado num cemitério para muitos que procuram refugio. O
problema da migração tem de ser resolvido em conjunto questionando assim as
Directrizes de Dublin.
“Uma das doenças
que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado
de vínculos”. “Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes
abandonados à sua sorte”, bem como nos “jovens privados de pontos de referência
e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as
nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à
procura de um futuro melhor”. Os deputados também devem: “cuidar da fragilidade
dos povos e das pessoas” e estarem atentos à «cultura do descarte» e do
«consumismo exacerbado».
Falou também do abandono a que
a política deitou as “minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias
partes do mundo. Comunidades e pessoas estão a ser objecto de bárbaras
violências: expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas,
decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e
cúmplice de muitos.”
Apelou para a importância da defesa
da ecologia e da natureza de que somos “Guardiões, mas não senhores. Por
isso, devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos frequentemente
levados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração”; a
par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita do respeito
pela pessoa.
Resumiu o ideal europeu
recorrendo à seguinte imagem: “Um dos mais famosos frescos de Rafael que se
encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão
Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo
das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente,
para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que
descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu
e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde
sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade
prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.” Recordou que o
que gera a violência não é a glorificação de Deus, mas o seu esquecimento».
Deus preserva-nos do domínio das modas e dos poderes do momento.
Recordou também um autor anónimo
do século II que escrevia: «os cristãos são no mundo o que a alma é para o
corpo».
Chegou a hora de construirmos
juntos a Europa que deve girar, não em torno da economia, mas da sacralidade da
pessoa humana e dos valores inalienáveis. Concretizando: precisamos de uma
nova geração de políticos e de executivos que não se tornem pastores dos lobos
mas que defendam as ovelhas dos lobos!
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo
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