O Homem e a Natureza a Caminho com o Espírito (Paráclito)
Bom é o que
ajuda, conserva e fomenta a Vida
Por António Justo
Em épocas passadas, em que a
terra não se encontrava tão povoada, a natureza ainda era apercebida como
ameaçadora do Homem, como algo a ser dominado por ele; hoje inverteram-se os
termos, pois o ser humano, ao apoderar-se da terra sem respeito por ela, tornou-se
consequentemente numa ameaça a ela.
Se ontem o Homem se encontrava
numa fase de luta pela própria sobrevivência, acentuando, consequentemente,
para seu desenvolvimento uma teologia antropocêntrica, hoje, que se torna
urgente a luta pela sobrevivência da vida no planeta, é óbvio o desenvolvimento
de uma teologia da ecologia (1) mais ecocêntrica, dando mais relevo ao
fundamento teológico num trabalho interdisciplinar mais comprometido com a
“nossa Casa comum”, “a nossa irmã Terra” que se sente ferida e ameaçada, como
adverte Francisco I na Encíclica ecológica “Louvado Sejas”. As ciências, a
tecnologia e a teologia devem estar para o homem e não o homem para elas.
Pressupõe-se que as ciências
naturais terão de abandonar a ideia mecanicista/materialista do mundo e a
ciência teológica e filosófica terá de mitigar o seu antropocentrismo para
aprofundar a ética de respeito pela natureza e suas criaturas como pregava e
praticava Francisco de Assis e por uma bioética de respeito pela vida e seu
desenvolvimento, como defendia e praticava Albert Schweitzer. Este, que era
médico teólogo e filósofo, no livro “Cultura e ética, Ética do Respeito à
vida”, reconhece, nos animais e nas plantas, a qualidade de nossos
semelhantes, “pelo facto de aspirarem como nós à felicidade e conhecerem o medo
e o sofrimento, sentindo pavor do aniquilamento como nós”. A compaixão que
sente pelos pobres sente-a também em relação aos seres vivos: “bom é o que
ajuda, conserva e fomenta a vida”.
Albert Schweitzer queria ver o
espírito do Evangelho aplicado a toda a criatura como verificava no ideário
jainista da Ahimsa (a não violência para com todo o tipo de ser vivo). A nossa
compreensão deve implicar a consciência de “sou vida que quer viver rodeada
pela vida que quer viver”.
Consequentemente, a ética não
deve ser apenas antropocêntrica ou sociométrica mas sim uma ética universal que
tem como objecto todos os seres vivos e que surge do contacto com o universo e
da vontade nele manifesta.
De uma Teologia acentuadamente monoteísta para uma Teologia panenteísta
(trinitária)
A
ecologia é o “estudo da casa”, estuda a natureza e as inter-relacionações dos
diferentes seres nos ecossistemas e a teologia estuda (o espírito da casa) o
seu tecto metafísico e o espírito divino presente nas pessoas, nas coisas e nos
diferentes socio-sistemas.
Deus é pai e mãe, é céu e
terra, em Jesus é nosso irmão; Deus é relação, é a matriz de todas as relações
não se extinguindo em formas antropomórficas, em formas gramaticais, em leis
naturais, nem tão-pouco nos princípios da feminilidade (com a maternidade) e da
masculinidade (com a paternidade). É porém bem verdade que, devido à
predominante acentuação do princípio masculino na sociedade, se torna hoje bem
necessário dar maior relevo ao princípio da feminilidade (maternidade) de forma
a haver um equilíbrio mais divino entre o ser humano e a natureza, entre o dar
e o receber. Para conseguirmos paradigmas de mudança e de sustentabilidade
em relação à modelação da natureza e da sociedade torna-se absolutamente
necessária uma visão mais feminina (feminina e não feminista máscula!) a nível
de pensamento, antropologia, sociologia e teologia.
A abordagem teológica da
ecologia está implícita na trilogia cristã e mais especificamente na
pneumatologia. Os prementes problemas da ecologia tornam mais óbvia uma
elaboração teológica de cristianismo integral e consequentemente uma abordagem
mais centrada no mistério da Trindade que integra a criação resumida em Jesus
Cristo, o protótipo da vida como caminho de Deus, do Homem e da natureza,
também no espaço e no tempo.
O ser humano não foi chamado
para explorar e dominar (Gn 1,28) a natureza numa perspectiva antropocêntrica
cartesiana e newtoniana, mas para cuidar e cultivar (Gn 2,15) o planeta,
assumindo um papel de responsabilidade e de respeito pelo mundo. Mestre Eckhart
avisa: “Se a alma pudesse conhecer a Deus sem o mundo, o mundo jamais teria
sido criado”.
Para Teilhard de Chardin, que
defendia o Panenteísmo cósmico (tudo em Deus), a Terra é composta de
várias camadas esféricas: Barisfera ou núcleo metálico terrestre; Litosfera ou
camada de rochas; Hidrosfera ou camada de água; Atmosfera ou camada de ar;
Biosfera ou esfera da vida; Noosfera ou esfera do pensamento ou espírito
humano: Cristosfera ou âmbito de Cristo. (2)
Numa
perspectiva de revelação e de fé cristã tudo está relacionado numa interacção
ambiental social, mental e espiritual.… De facto, Cristo (divino) e
Jesus (criatura) encontram-se em comunhão e na união das três pessoas da
Trindade.
A fórmula trinitária de Deus não
conduz ao panteísmo (tudo é deus), pelo contrário, a trindade e a incarnação
implicam uma teologia panenteista (uma teologia do tudo em Deus): o corpo de
Cristo é o universo como interpreta Teilhard de Chardin. Francisco de Assis
via como próximo também o irmão sol, a irmã lua, a irmã natureza e os irmãos
animais. O mundo atinge a sua maior complexidade da natureza no ser humano,
a floração da imagem de Deus.
A teologia vai-se renovando e
reagindo aos diferentes padrões de sociedade segundo a percepção humana: em
eras passadas para expressar a relação Deus-homem, Deus-sociedade insistia na
metáfora de pai e de rei e de filho de Deus, enquanto hoje, numa era em que se
precisa de uma consciência mais comprometida com a ecologia, a teologia precisa
de uma acentuação da fórmula da Trindade na explicação da relação Deus-nundo:
natureza onde o gene divino germina e filiação divina do Homem. Esta
consciência complementar, mais abrangente, leva a melhor sentir o que a
liturgia da missa expressa ao celebrar o mundo como corpo de Cristo, o pão como
presença divina.
O Papa Bento XVI, em 2009 na
Festa da Santíssima Trindade, apontava para a teologia de Teilhard de Chardin
ao afirmar: "Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido,
o "nome" da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas
partículas, é ser em relação, e deste modo se transluz o Deus-relação;
transluz-se, em última instância, o Amor criador… Utilizando uma analogia
sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano tem no próprio "genoma"
um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor… que a liturgia não seja
algo ao lado da realidade do mundo, mas que o próprio mundo se torne hóstia
viva, se torne liturgia. É a grande visão que depois teve também Teilhard de
Chardin: no final teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos se
torne hóstia viva."
A cristologia contém a Kenosis
– o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7). Através da incarnação Jesus Cristo
deixa na sombra os atributos divinos continuando, muito embora, a ser parte da
Trindade passando a tornar-se dependente do Espírito Santo, tal como
acontece com toda a outra criatura (a criação). A divindade não tem forma
mas através da kenosis adquire forma em Jesus. O processo trinitário pressupõe
em contrapartida que o ser humano se esvazie (kenosis) do mundo para atingir a
dimensão do “ informe” numa ética de corresponsabilidade entre os seres e com o
Paráclito.
O teólogo Leonardo Boff em
Teologia e Ecologia ( http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13163/13163_4.PDF) acentua também ele a fórmula
trinitária panenteista dizendo: “Tudo não é Deus. Mas Deus está em tudo e
tudo está em Deus, por causa da criação, pela qual Deus deixa sua marca
registrada e garante sua presença permanente na criatura (Providência).”
Já por volta de 1.500 a.C. a
sabedoria indiana pressentia a realidade Jesus Cristo, como protótipo de toda a
realidade e como ponto de encontro, ao qual os diferentes caminhos das culturas
vão dar, explicando: “O criador dorme na pedra, respira na planta, sonha no
animal e acorda no Homem” (Outra formulação: “O Espírito dorme na pedra,
sonha na flor, acorda no animal e sabe que está acordado no ser humano”). No
credo cristão formula-se a omnipresença do Espírito em toda a criação no
seguinte acto de fé: “Creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de vida”.
Dizer
criação é mais que dizer natureza porque implica a consciência da caminhada
conjunta do todo e de cada ser no respeito mútuo irmanado pela presença de
Deus. A encíclica ecológica “Louvado sejas” aponta o caminho e a meta: „A
criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação
com o próprio Criador... O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente
presente no coração do universo, animando e suscitando novos caminhos.” E
continua: Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem
social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para
ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.
O pensamento e os princípios
são como sementes que produzem diferentes frutos, daí a necessidade de se
organizarem sistemas de pensamento e praxis complementares ao serviço da
humanidade e da natureza (3). No Apocalipse (3,20) a mensagem é clara: "Eis
que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu
entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo".
António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=3359
Teólogo
(1)
Ecologia é a parte da Biologia que estuda as relações dos seres vivos
entre si e destes com o meio.
(2)
Cf. O teólogo e geopaleontólogo Teilhard de Chardin, em “O Fenómeno
Humano”
(3)
Um Dia Santo para a Natureza, Animais e Plantas http://antonio-justo.eu/?p=1945;
Ecologia e Família: http://a-justo.blogspot.de/2008/05/ecologia-e-famlia.html;
Agricultura transgénica: http://antonio-justo.eu/?p=3167;
O Papa verde: http://antonio-justo.eu/?p=3183;
Encíclica sobre Ecologia: http://antonio-justo.eu/?p=3191
6 comentários:
Boa tarde caros participantes, muito obrigado, caro Vilson, pela ideia apresentada!
Todos os escritos podem actuar como sopros com mais ou menos oxigénio, com mais ou menos dióxido de carbono numa realidade que, por muito perfeita que pretenda ser, não pode prescindir do carbono! Tudo são tentativas, de identificação mais ou menos aberta, em que o diálogo pode ajudar a tirar elementos do caos para uma ordem mais ou menos iluminada que dependerá também da luz dos meandros do nosso espírito e do espírito do emissor e do receptor… Penso que não há um caminho único como não existe uma pedagogia única (o que há são fósforos que ajudam a acender um ou outro sector do nosso espírito); o tentar reconhecer, nas várias pedagogias e ordens de vida e de pensamento, tentativas válidas para fazer surgir em si e no sujeito dialogante a percepção da Verdade, torna-se numa iniciativa nobre e nobilitante para todos.
Obrigado pela resposta sr. Antonio.
Concordo, o carbono é necessário. De fato, a GRB traz toda uma nova visão, pedagogia, teologia, cosmologia, cosmogonia, ciência, liturgia, para os mesmos princípios regentes da evolução humana contidos nas demais religiões, só que adaptado para uma religião voltada a nós, lusófonos. Esclareço que ela foi viabilizada por centenas de portugueses, brasileiros, africanos, asiáticos, indígenas, ligados a Portugal e reintegrados às Escolas Naturais, em espirito. Quanto a verdade, tenho certeza de que com naturalidade todos chegam a ela, desde que queiram ( e quem não quer?).
Saudações fraternas,
Vilson
Concordando com o amigo António Justo quando nos ajuda a refletir com sua ponderação: "Penso que não há um caminho único como não existe uma pedagogia única! O que há são fósforos que ajudam a acender um ou outro sector do nosso espírito!" , aproveito para partilhar a notícia de que em Lisboa surge o primeiro templo dos Mórmons. Mais um fósforo para acender no nosso espírito? Lembro-me, também, que quando os Mórmons apareceram no Brasil, há mais de 30 anos(???), correram reações e problemas, mas não recordo o porquê?! Alguém pode acrescentar o que se passou?
Saudações dialogantes , Margarida Castro
in Diálogos Lusófonos
MÓRMONS
Sim, caríssima Margarida! O “Espírito sopra onde quer” ( spiritus ubi vult spirat), pode-se ler já em João (Jo. 3,8); ele é um fogo que tudo transforma e sopra em cada um (desde que mantenha a sua casa - o seu Ego - de portas e janelas abertas) e na comunidade onde se mantém uma lareira mais ou menos acesa; muita gente procura encontrar para si uma caixa de fósforos adequada. Quanto a mim, prefiro a caixa de fósforos original – o cristianismo católico – porque nele posso encontrar fósforos para as mais diferentes lareiras que em mim vão surgindo.
Os Mórmons, com os seus diversos grupos, (e muitos outros) constituem uma aculturação do cristianismo a um certo meio dos USA num fluxo de forças cosmopolitas e forças etnocêntricas.
Creio que um certo socialismo religioso e a poligamia propagados, inicialmente pelos mórmons, poderiam ter-se tornado em pedras de tropeço/escândalo.
Saudações solidárias
António Justo
No Brasil eles prestam um grande serviço, vão às Paróquias que cedem os antigos livros de registros de pessoas e os digitalizam.
DiaLU
REGISTO DIGITAL
O serviço de registo digital das pessoas registadas nos arquivos paróquias/freguesias, seriam mais ligados ao bem-comum se feitos por serviços independentes do Estado . Esta é uma tarefa do Estado. Doutra maneira abrem-se as portas para o negócio ou abusos!
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