Portugal minha Nau Catrineta no alvorar de uma Terra já sem Ninhos
António Justo
O emigrante continua a ser
um estranho de um outro planeta; é estranho onde entra e é estranho quando
volta; passa a vida a viver na meia-luz de um sonho que não acorda. De
essência enjeitada, seu lar é caminho, de passarinho sem-abrigo, a fazer ninho
à borda da vida.
Há motivos para fugir, há razões pra se ir embora, há vontade pra bater a porta, e…, seguir a ânsia do sair do nada. Há sempre um momento e um repente pra fazer da esperança uma vela onde o presente se aquece e alumia, na tentativa, de dar à luz um futuro não humano mas digno. Este futuro, filho do sofrimento, embora gerado na mágoa da saudade, é afagado por mãos parteiras do sonho, mãos singelas e puras, de familiares e amigos que segredam promessas onde ecoa a voz da terra. Esta voz do coração, este zumbido no ouvido, não se cala e mais se sente, a celebrar, em cada emigrante, o desassossego das águas do Cabo na luta por transpor o Bojador, de uma vida, toda mar.
Corri mundo a ver as suas
luzes e nelas mais não vi que as sombras do velho Portugal! Agora que vivo, na
penumbra de Portugal, onde o cheiro a povo não faz mal, sinto vontade de voltar
pra dizer: acorda povo, volta ao arraial, liga tu as luzes e faz a festa…
De volta à terra, nos pátios
e caminhos, as crianças já não brincam; neles só sentimentos desfraldam ao
vento; meus desejos, com o pó se vão, levados em nuvens de pensamentos; no longe
da terra, vejo ainda, bandos de passarinhos negros, voando a mágoa de um
caminho errado e de uma terra já sem ninhos.
Dançarino, agora, na linha
do horizonte, feito de enganos já sem filhos, tornei-me acrobata da insónia a acenar
para a vida de desejos grávidos, a voar ainda no sol das asas, mas já sem terra
onde poisar.
Na bagagem da recordação
saltitam sonhos meninos de uma vida retalhada a brincar com a vontade. A
vontade de ir e vir sem poisar!
Sou povo a voar, nas asas de
Portugal, a subir e a descer, as nuvens do sentimento, no Natal e em Agosto. Portugal,
dentro e fora, anda a dias, a regar a europa seca com lágrimas atlânticas.
Aquela parte do Portugal
povo, não renegado, padece a outra parte que segue as pegadas duma europa rica,
mas de futuro aleijado. Meu povo, o nevoeiro vai passar, ainda não
é tarde para voltares à fonte e reencontrares o sentido do caminho que é nosso:
as sendas de Portugal. Estás grávido de bem e de humanidade; aguenta um pouco
as dores, para dares à luz o novo Portugal.
Portugal, és a nau Catrineta
que ainda tem tanto que contar! O teu destino tem andado, sem timoneiro, nas
mãos de gajeiros iluministas que profanaram a nau para viverem do nevoeiro de
fora e do vermelho dos bordéis dos camarotes, sem saudade nem desejo de avistar
praias de Portugal.
Em Portugal transborda o mundo. Daí o caracter migrante de um povo não humilde
mas modesto, onde germina a esperança que o faz andar, a teimar a vida, dentro
e fora, num ânsia de arar Portugal pra gerar fartura, para todos, regada com a
chuva fértil do transcendente.
Portugal é a Nau Catrineta que vai arribar numa Terra bendita! Não te
esqueças da tua missão; foi ela que te fez; a tua nau é pequena mas, como a
gruta de Belém, tem a modéstia do viver e o fogo do amor, a aquecer todos os
povos.
António da Cunha Duarte Justo
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