FÉ É A ENERGIA DO ENCONTRO
António Justo
O céu da noite, tão ordenado e tão brilhante, tão profundo e tão
convincente, não deixa dúvidas acerca da dona de casa tão esmerada.
Bate-se à porta. Ninguém responde, apenas um rasto de luz na fechadura da
razão. Não se trata de encontrar nem de explicar a existência da Dona mas de
permitir a dúvida que possibilita o salto no mistério. Sem a fé religiosa nem a
teoria científica continuaríamos a viver na idade da pedra. Fé e teoria
possibilitam o salto para o Outro, para o diferente, para o próximo.
O facto de se querer explicar tudo, não significa que tudo seja explicável.
A auto-organização da natureza e da sociedade incluiu nelas a fé. A fé humana
tal como a fé “física” da natureza proporcionam a ordem e a evolução.
A ordem divina não conhece a submissão, Deus mostra-se supérfluo, tal como
a força que tudo puxa no sentido da evolução. Tudo se encontra na mesma sombra
à procura da Luz que o sustenta. A natureza, a fé, a ciência não fazem mais que
seguir a chamada do Outro que escusa os olhos porque só feitos para distinguir
a diferença entre as sombras.
Crenças, teorias e saberes correspondem ao tecto que os olhos possibilitam
ao olharmos para o céu. A direcção determina a vista. Lembra o embrião na
procura da luz, ou a criança a correr para os braços da mãe.
A alternativa Deus ou o Nada é um problema existencial porque ao decidir-me
por Deus afirmo a ordem, ao afirmar o Nada resta o caos niilista. Dietrich Bonhoefer: „Einen Gott, den es gibt, gibt es
nicht" = „um Deus que existe, não há“. Bonhoefer tem razão porque um
Deus a existir seria reduzido à vertente do criado, a uma lógica causal que nem
sequer satisfaria a razão que é a mãe das lógicas; Deus é mais que a
existência, é acontecer na relação experiencial, é o encontro a brilhar no
canto da fé. Aqui, Deus é encontro de Terra e Céu como revela a sua síntese em
Jesus Cristo.
Deus não se prova, para o provar precisaria de uma inteligência igual ou
superior ao que se pretende reconhecer, pressuporia uma inteligência divina,
uma inteligência que apesar de grande o reduziria ao conhecível, ao visível
pela nossa fita métrica da razão como se Ele se pudesse tornar quantificável.
Como poderia o saber desconhecer que não pode saber senão o que pode
aprender? Como poderia a bilha do oleiro falar do ser do oleiro, quando é
apenas um seu vestígio?
Na minha praia batem ondas de praias desconhecidos que me dizem baixinho
que o que me resta é descobrir-me e que sem o abismo do mar e o marejar de
outras costas nunca olharia para cima, para as nuvens no céu, para o cume das
montanhas, para o seu cimo em mim.
Na desilusão e na vingança do nada tornamo-nos consumidores de nadas que o
dinheiro arrasta. No reconhecimento do cristianismo pode esconder-se o eurocentrismo
mas a realidade é que a natureza se organiza em sistemas como o sol que tudo
une e ordena.
As crenças possibilitam ordens sociais; só a análise e estudo comparativo
das ordens sociais poderia dizer algo objectivo sobre o seu Deus e o seu texto
nas religiões. Mahatma Gandhi
constatava: “Cristo é a maior fonte
de força espiritual que a humanidade conheceu“.
No universo ouvem-se as dores do parto cósmico e o ser humano sofre-as
nele. A singularidade divina reflecte-se na estranheza do mundo que ecoa no
fundo do nosso ser.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
6 comentários:
Pode-se viver sem fé? Mesmo os agnoticistas ateístas que não acreditam na existência de Deus, deuses ou divindades, tem também uma espécie de fé!
Recentemente a televisão pública portuguesa realizou um debate, muito oportuno e complexo, que podemos acompanhar na net: RTP1 ,programa “Prós e Contras” , com a presença de representantes de várias igrejas e um membro de um movimento de ateus.
Os tópicos discutidos foram os seguintes:
“Deus tem futuro?
Quando a ciência procura e encontra cada vez mais respostas.
Quando em nome da religião se geram conflitos e violam direitos humanos.
Será que a ideia de Deus se mantém no coração do homem?
Que relação têm as religiões entre si?
E o que pensam os ateus?
Cientistas, ateus e homens de Deuses diferentes, todos juntos no maior debate da televisão portuguesa.
Deus tem futuro?
(este programa~, Deus tem futuro? | 08 Dez, 2014 | Episódio 29 , pode ser ouvido ,
1ª parte, no Prós e Contras (XII) – Episódio 29 – RTP Play – RTP
http://www.rtp.pt/play/p1627/e175057/pros-e-contras-xii
Sobre este debate, destaco apenas um comentário de um correspondente, do blog (dererummundi.blogspot.pt/2014/12/deus-tem-futuro-na-rtp1.html), porque se identificou e tem dois blogues: Ideias-Novas Em nome da Ciência, blog que aconselho e que se propõe ser ponto de encontro para discutir o outro lado da vida, abordando, com toda a abertura de espírito, a sempre polémica dicotomia: Razão e Ciência versus Religião e Fé.
e por isso partilho: »» Francisco sobre o debate televisivo argumenta com as razões ou não para a fé. Como ficamos: com fé ou sem fé?
Francisco Domingues9 de dezembro de 2014 às 19:01
Assisti. O padre foi mais confuso que o rabi, o iman mais simplista que todos, defendendo o indefensável islão. O ateu não tinha à mão os versículos satânicos que mandam fazer a jihiade e que mandam bater na mulher dizendo que ela é um ser inferior (“coisa” que a Igreja católica também fez, na Idade Média e com a Inquisição!). O cientista, creio que não defendeu suficientemente o primado da Ciência sobre a Crença. O artista defendeu o Homem como o criador de todos os conceitos, sem haver revelação divina alguma, sendo o que me pareceu mais lógico. Voltaria a citar, de cor, Carl Sagan: “Nenhum fenómeno dito paranormal (sobrenatural, transcendente, espiritual) resiste à aplicação do método científico da experimentação. É que, como dizia o ateu, os teístas têm que provar que Deus existe, com provas credíveis, obviamente. E não podem argumentar, como fez o padre, que os ateus também têm de provar que Ele não existe. Uma falácia! Eu continuo a acreditar no Deus de Espinoza e Einstein, o Deus que é a HARMONIA UNIVERSAL, O TODO QUE É TUDO, onde nós “somos”, antes, durante e depois de o nosso tempo chegar, inexoravelmente, ao fim. E essa é a nossa eternidade. A única real e, certamente, a única possível. O resto continua a ser… fantasia, sonho, desejo!
in Diálogos Lusófonos 27.12.2014
A impostação da questão “Como ficamos: com fé ou sem fé?” implicaria a verdade de uma alternativa encurtada, o que, no caso, não passaria de um silogismo conceptual de uma determinada lógica exclusiva!
Ficamos com fé e com razão, dado a realidade não se reduzir a uma dialética nem a um sistema monopolar! (Como apresentei em “Sem a Fé nem a Teoria o Mundo viveria às Escuras - FÉ É A ENERGIA DO ENCONTRO”)
Um debate de TV é sempre imensamente limitado e carece de rigor das diferentes disciplinas científicas. Os lugares mais propícios para uma discussão rigorosa são as universidades numa relação interdisciplinar e estas têm-no feito na física, bilogia, teologia, filosofia, etc..
Todo o mundo faz afirmações dentro de um sistema conceptual humano; o busílis da questão situa-se logo à partida na génese do conceito e na sua relação com a pretendida realidade.
Da discussão vão surgindo luzes mas, por mais luz que produzamos, não passaremos da penumbra. Quanto mais reconhecermos que não sabemos mais perto nos encontraremos da luz da razão, como inspirava já Sócrates. A luz da razão tal como a luz do Sol não passam de sombras da luz que se esconde por trás do mistério da vida e dos universos. A opinião é legítima mas é sempre circunstanciada. A dicotomia razão e fé são postulados que mais que contradição implicam a complementação. O ser humano como “criador dos conceitos” está consciente da precaridade dos mesmos quando se trata de abordar e definir a realidade. A falácia vem do facto de se querer ter razão quando a própria lógica não atinge os seus limites dentro dos limites mais largos da razão. A ilusão da chamada realidade pode ser tão perigosa como outras ilusões que poderão não passar de versus de um pluriverso a induzir certezas onde elas não podem estar. De facto só podemos descrever os fenómenos que a nossa percepção condicionada atinge, mas tentar identificar o objecto descrito com a sua discrição seria uma auto-engano e um atestado de incapacidade para distinguir entre fenómeno e a sua abstracção ou ideia. A razão não é “virgem” e os filhos que produz são muitas vezes meros filhos (lógicas) de pais incógnitos. Importante é reconhecer-se a diversidade de seres, ideias e fantasias, todas elas com um sentido nos diversos sentidos. Imagine-se que o nosso jardim para ser certo e nosso só teria rosas e a beleza destas excluísse a das outras flores! A existência das outras flores é que possibilita a beleza característica das rosas. Querer um jardim só nosso contradiz a natureza do ser e das coisas.
O mais importante é o Homem; só depois vem a religião, a ciência, a ideologia, a opinião; estes ajudam-no a formar-se. Para cada pé a sua chinela, para cada flor, a sua forma e a sua cor!
(continua a seguir)
“Errare humanum est”! Também a ciência não é santa nem certa; o sistema geocêntrico de Ptolomeu baseado no sistema de mundo de Aristóteles dominou a visão da ciência durante muitos séculos; em nome da ciência também o sistema nazi procurou aplicar as teorias científicas do darwinismo social, também hoje em nome da ciência se criam inúmeras vítimas de animais cobaias e se criam tecnologias que ameaçam o Homem. Não é por isso que se irá depreciar o seu valor; errar é humano e o erro revela-se muitas vezes como factor de desenvolvimento! Como se vê tudo erra, tudo é “pecador” mas vale a pena experimentar e tentar para avançar porque só assim nos mantemos em processo de desenvolvimento; mais erra ainda, quem se petrifica na sua razão. A razão é fluída como a água mas quando gela não permite a vida (aquela a que estamos habituados). O problema não está na fé, na razão ou na teoria, o problema está na crença petrificada na certeza que se pode arremessar contra os outros. É legítimo que todo o mundo queira ter razão, o que não seria nobre era querer fazer da própria razão a verdade toda e, da dos outros, engano. Todos nós somos como planetas girando à volta de um Sol, de uma verdade, mas, quanto mais perto dele se chega, mais problemas para a vida, pelo menos aparentemente. Toda a tentativa de definição de Deus é legítima porque definidora de identidades mas não passa de uma traição, porque a definição determina o fim do que é ilimitado. A definição provisória ajuda porque é elemento de identidade e factor de desenvolvimento transitório; não é sem razão que o Homem se define pela linguagem.
A afirmação de Carl Sagan: "Nenhum fenómeno dito paranormal (sobrenatural, transcendente, espiritual) resiste à aplicação do método científico da experimentação” é um truísmo, uma verdade de la Palice, um abuso de argumento, se apresentado como postulado redutor da realidade ao pretender definir e limitar o objecto de observação ou conjecturado à técnica e método do observador. Como cientista sério nunca poderia chegar à negação do sobrenatural, nem a frase citada permite tal conclusão. Quando convém confundem-se alhos com bugalhos!
Ciência e fé evoluem estando circunstanciadas também pelo tempo e cada época sucumbe à tentação de arrogar-se o direito de julgar e colocar o seu estado de consciência como definitivo.… O Homem como ser integral não pode ser dividido e deste modo não é honesto que a ciência ultrapasse a competência do seu domínio e do seu instrumentário, tal como não seria honesto a religião querer determinar conclusões da ciência dentro do seu ramo (como fez ao adoptar o sistema científico de Ptolomeu, como o certo). Também a ciência evolui e se tornou mais cautelosa deixando de ser dogmática como era no tempo da física clássica. É moda colocar-se o postulado “Razão e Ciência versus Religião e Fé” o que implica um falso axioma e como tal uma falsa resposta, porque parte da incompatibilidade de duas potencialidades humanas e reduz o acesso à realidade ao instrumento da razão, passando assim à margem do cristianismo que pretendeu unir fé e razão, ciência e religião. Uma tal atitude da Ciência repetiria, a seu modo, o erro que parte da Igreja fez no caso Galileu.
Cada um defende o seu credo com unhas e dentes como se fosse dono da verdade com posições como “A única real e, certamente, a única possível”; não passam de afirmações dogmáticas e também compreensíveis porque próprias do tempo, tal como outras do género existentes em idades passadas. Cada época tem a sua mundivisão como cada indivíduo a sua opinião, doutro modo seriam indefiníveis. Importante é o salto no mistério e numa realidade humana em que o Homem se afirme na solidariedade e complementação e não na contradição adolescente. O mistério fomenta a curiosidade e esta cria as asas que nos possibilitam voar. Deus tem futuro e o seu futuro está ligado ao destino humano.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
Excelente texto.
Concordo com a visão do sr. Antonio Justo, em especial no que se refere ao ser humano. De fato, entre os elementos ali elencados, o mais importante é o homem. Cada um é em sí um mistério divino. Pouco sabemos a respeito de nós mesmo. Esta é a raiz do mal maior que hoje reina, a falta de respeito , de amor, de compreensão ao próximo. Se não há um bom entendimento a respeito da natureza humana, como um sujeito pode dar valor a outro. Assim, tudo neste mundo está naturalmente colocado para fazer o homem entender sua natureza. E tudo que dele deriva (religiões, ciências, crenças, etc.) deve refletir seu interesse em conhecer a sí próprio. Somente este conhecimento, adquirido e vivido, é capaz de dar-lhe sentido, integração com todos e com tudo.
Saudações a todos os participantes,
Vilson
in Diálogos Lusófonos
Obrigado senhor Vilson e boas festas para todos!
Para Einstein “a ciência sem religião é aleijada e a religião sem ciência é cega!”. De facto, não chega a razão do dia nem da noite, é preciso de premeio o sonho que distingue e ultrapassa dia e noite, quando o exterior determina a paisagem do conhecimento.
Importante é o encontro de todos na ubiquidade da continuidade onde o destino de caminhos diferentes possibilita a aventura humana, uma aventura de paz.
Com o auxílio de todos os instrumentos do saber teremos de romper com os saberes terminais. No redemoinho dos saberes não pode haver recusa, temos é que passar ao reino da prática, a medida que ajuda a distinguir o humano do desumano.
Saudações e votos de um óptimo ano 2015
António Justo
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