Introdução: Um Precedente Perigoso
A recente decisão da União Europeia de manter imobilizados os ativos do Banco
Central da Rússia, baseada numa cláusula de “emergência económica”, consolida
um padrão preocupante porque arbitrário. Este mecanismo, justificado como
excecional, permite contornar a regra da unanimidade
entre Estados-Membros, princípio fundador que garante equilíbrio e soberania
dentro do bloco. A prática, já testada durante a pandemia de COVID-19, revela
como a classificação de uma situação como “emergência” serve frequentemente de pretexto para decisões
políticas rápidas, pouco escrutinadas e potencialmente arbitrárias.
O Equilíbrio Perdido: Segurança contra Soberania
Este caso vai além do juízo sobre a Rússia e coloca uma questão fundamental: qual é o equilíbrio adequado entre medidas de
segurança económica ou estratégica e os princípios de propriedade privada e
soberania financeira? E, sobretudo, quem decide esse
equilíbrio, e com que mandato? O que hoje se aplica a ativos
russos pode, amanhã, justificar o bloqueio de contas de qualquer cidadão ou
Estado sob nova “emergência”. A arrogância do poder, a pretexto do COVID e da
Guerra, está a corroer as garantias legais e a tornar-se insuportável para
cidadãos conscientes.
Geopolítica na UE: A Lei do Mais Forte
A guerra na Ucrânia evidenciou, de forma crua, as divisões geopolíticas na
Europa. Em vez de uma resposta verdadeiramente coletiva, assistiu-se ao oportunismo de uma Europa
dividida, onde os
interesses das grandes potências, notadamente o núcleo da E-3 (Alemanha, França e,
outrora, o Reino Unido), frequentemente se sobrepõem aos dos
demais Estados-membros. Para impor os seus interesses, estas potências
recorreram ao estratagema da “emergência”, suspendendo o compromisso da
unanimidade e, com ele, o principal mecanismo de proteção das soberanias
nacionais mais pequenas.
Os Pequenos Estados: Campo de Batalha das Potências
Esta dinâmica segue a lógica da “lei do mais forte”, que só é contida por um poder
equivalente. Na sua ausência, os países menores tornam-se o campo de batalha onde as potências disputam influência, vendo-se obrigados a “pôr-se em bicos
de pés” para se alinharem com os grandes. Essa posição é instável e leva à abdicação dos seus próprios interesses
nacionais, como se
observa no isolamento imposto a países como a Hungria quando ousam divergir. O
fraco é instrumentalizado, e a solidariedade europeia revela-se seletiva.
Consequências: Erosão da Confiança e Danos Colaterais
O congelamento prolongado de ativos soberanos, agora normalizado como procedimento
automático, fragiliza a confiança no sistema financeiro internacional e levanta
sérias dúvidas sobre a proporcionalidade e a transparência das instituições da UE. Além disso, o recurso crescente a
sanções económicas como instrumento político raramente atinge apenas as elites;
os danos espalham-se maleficamente por sociedades inteiras, afetando cidadãos
comuns tanto do lado sancionado como do lado sancionador. A história mostra que
os conflitos são muitas vezes alimentados por elites, mas os custos são invariavelmente
distribuídos pelos povos.
Conclusão: O Imperativo da Vigilância Cívica
Num momento em que decisões cruciais são tomadas em nome da Europa, é
fundamental que os cidadãos mantenham um
espírito
crítico aguçado e
exijam transparência absoluta. É urgente recordar aos representantes que a
democracia não pode degenerar num governo tecnocrático, autoritário
e opaco, desligado
do bem comum. A vigilância cívica
é o último garante contra a corrosão da democracia, das liberdades e o abuso de
poder. Não podemos permitir que “emergência” se torne sinónimo de arbitrariedade
institucionalizada.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10486
