sábado, 28 de março de 2009

PAPA EM ANGOLA

UMA GRANDE NAÇÃO EM CONSTRUÇÃO
António Justo
A visita do Papa a Angola levou a imprensa mundial a pôr em foco este país de grande porvir.
Angola é já o maior produtor de petróleo da África, sendo as suas reservas maiores do que as do Kuwait.

No tempo de Salazar dizia-se que as riquezas de Angola são incomensuráveis. Afirmava-se que quando Deus criou o mundo, não sabendo que fazer ao resto o deixou em Angola.

Apesar da tragédia da descolonização irresponsável dos marxistas do 25 de Abril, que trouxe muito sofrimento para o povo angolano e para os portugueses lá residentes, pouco a pouco, Angola vai-se afirmando e vai ganhando peso a nível internacional.

Eduardo dos Santos, membro da MPLA governa o país desde há trinta anos. O governo é que toca a música da nação. As pegadas da guerra civil ainda se encontram visíveis por todo o lado nos rebeldes. Felizmente os representantes, os de cima, reconciliaram-se.

A maioria dos angolanos, porém, vive na pobreza, com falta de trabalho. A reconciliação do povo está ainda por fazer.

Luanda teve um crescimento de 25% num ano. O aluguer das casas, em Luanda, é um dos mais caros do mundo.

Uma nação tão rica estaria vocacionada a tornar-se o eixo da África. Para isso o Governo teria de evitar o erro da política das nações ocidentais que levaram o povo a abandonar o interior, provocando a sua desertificação para o concentrarem em grandes metrópoles de vida artificial onde a marginalidade pulula. Angola precisa de grandes investimentos nas infra-estruturas. Em política de imigração estaria bem aconselhada se seguisse o exemplo do Luxemburgo, favorecendo a imigração de portugueses. Este é um povo que se identifica com os autóctones e depois da primeira geração já se encontra integrada, ao contrário doutras etnias.

O privilegiar a imigração de portugueses e de brasileiros tornar-se-ia uma medida altamente inteligente sócio-economicamente. (Cfr. O milagre da socialização brasileira em Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala”).

Uma outra medida benéfica para a estabilização social e nacional seria o fomento do cristianismo, como religião universalista e aberta também ao secularismo ela é garante de prosperidade e identidade nacional plural. Por todo o lado se revela como factor de progresso e de integração nacional das diferentes etnias, sem o perigo de apostar na hegemonia religiosa. O cristianismo revelou-se como a Mundivisão que leva ao progresso dado apostar na pessoa e não se encerrar em formas de vida arcaicas. Os governantes a sul do deserto do Saará, mesmo por meros interesses nacionais, deviam estar mais atentos a este fenómeno.

A Visita do Papa a Angola
Um povo paciente e bom acorreu, de todas as partes, para estar com o Papa. O povo e os pobres estiveram no centro do acontecimento e das preocupações da Igreja. Na recepção do pontífice, o governo manifestou-se à altura apresentando Angola como nação responsável.

Alguma imprensa internacional, sempre ávida na crítica ao Papa, lamentou o facto de ele não ter puxado as orelhas aos governantes. Esta, geralmente com má consciência ou desinteresse em relação a África e à Igreja apostou demasiado no moralismo ideológico querendo reduzir o problema africano à sexualidade. Certa informação internacional foi manipuladora tencionando conotar o Papa com extremismos a ele alheios. De facto ele mesmo já disse há anos atrás que a questão do preservativo é secundária e que “ mais importante é o processo de educação séria das pessoas”. É índice de má-intenção querer reduzir ou ligar a acção da Igreja à opinião contra contraceptivos. De facto é perverso menosprezar o empenho da igreja católica quando ela, se dedica tanto ao tratamento dos doentes com SIDA, estando ela com eles e entre eles, enquanto que os ideólogos só falam deles. De facto 27% das instituições no mundo que cuidam de doentes de SIDA são da Igreja. Os governos têm 8% de instituições, as ONG 18%, e a ONU tem 44%.



O Pe. Feytor Pinto, Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde, põe o dedo na chaga ao afirmar que “não é apenas através dos métodos de ponta final que se evita o contágio. Antes do preservativo há outros. Falta educação para a sexualidade, que é tão importante e continuamos sem a fazer. Falta abordar a redução de parceiros de risco, a diminuição drástica do número de parceiros, a monogamia… Quando as pessoas têm uma vida sexual correctamente assumida, não é usar o preservativo que é errado, mas sim ter comportamentos errados num sexo anárquico”.

Não chega, como querem progressistas da superficialidade, apostar apenas no momentâneo, num homem proletário sem história nem rasto. É importante estar com eles e não contentar-se apenas em ridicularizar os profetas enxovalhando os seus valores.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

sexta-feira, 27 de março de 2009

PAPA BENTO XVI EM ÁFRICA

O que o Papa verdadeiramente disse sobre o preservativo
António Justo
Um jornalismo ávido do escândalo conseguiu, torcer e retorcer as palavras do Papa para assim activar o espírito de indignação duma opinião pública ao sabor dos letreiros dúbios dos jornais.

Assim a mentira (1) dum jornalista entrevistador do Papa, ainda ele não tinha pisado terras africanas, conseguiu desviar as atenções da imprensa mundial. Como se o problema da África fosse a sexualidade, uma imprensa mais interessada no preconceito do que nos verdadeiros problemas de África pôde produzir muito ruído sem ter de se empenhar nem confrontar com a realidade do povo, a realidade que interessa ao pontífice. A imprensa internacional, à caça de sensacionalismos pouco ligou ao povo e à mensagem do Papa. Procurou, através de sensacionalismos fomentar a sua quota de venda ou de espectadores. Por outro lado, o oportunismo político e ideológico de Zapateiro de Espanha manifesta-se no envio dum contentor de preservativos. A arrogância europeia está mais uma vez documentada no gesto espanhol. Vivemos cada vez mais num estado de infantilismo democrático. Os Africanos são desta maneira ridicularizados e instrumentalizados ideologicamente em vez de serem ajudados de facto. Segundo investigações científicas da ONU a simples distribuição de preservativos, sem mais, piora o problema do S.I.D.A. porque diminui as cautelas a ter. O problema do S.I.D.A. não se resolve com preservativos nem com proibições! Da precocidade sexual e da poligamia ninguém fala.

Parece tornar-se normalidade um jornalismo de função parasitária cada vez mais interessado em desviar as atenções do essencial.

Entre cinismo e ingenuidade desconstrói-se, a pretexto de informação. As catástrofes da realidade não são entendidas nem decifradas, só interessam num sentido voyeurista ou numa descrição da realidade como se tratasse de visitas a teatro. Naturalmente que também há jornalismo sério, mas este exige mais tempo de observação.

A Igreja vê a questão dos preservativos no conjunto da educação sexual como uma questão apenas complementar. Pelo contrário ideologias proletárias que pouco mais têm que sexo para oferecer conseguem ganhar perfil e até ter razão na superficialidade reduzindo um povo a instinto.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com


(1) Texto completo da entrevista ao Papa Bento XVI: Repórter: “Santo Padre, um dos maiores flagelos de África é o problema da epidemia de S.I.D.A.. A posição da Igreja Católica na luta contra este mal tem sido frequentemente considerada irrealista e ineficaz.”
Bento XVI respondeu: “Eu diria o contrário. Estou convencido de que a presença mais efectiva na frente de batalha contra o HIV/S.I.D.A. são, precisamente, a Igreja Católica e as suas instituições. Penso por exemplo na Comunidade de Santo Egídio, que tanto faz e tão
visivelmente na luta contra o S.I.D.A; ou nas Camilianas, só para mencionar algumas das freiras que estão ao serviço dos doentes. Penso que este problema, a S.I.D.A., não pode ser vencido com slogans de propaganda. Se falta a alma, se os Africanos não se entreajudarem, o flagelo não pode ser resolvido com a distribuição do preservativo; pelo contrário, arriscamo-nos a piorar a situação. A solução só pode advir de um compromisso duplo: primeiro, na humanização da sexualidade ou, por outras palavras, num renovamento espiritual e humano que traga consigo uma nova forma de proceder uns para com os outros. E em segundo lugar, num amor autêntico para com os que sofrem, numa prontidão – mesmo à custa de sacrifício pessoal - para estar presente junto dos que padecem. São estes os factores que podem trazer o progresso, real e visível. Assim, eu diria que o nosso esforço deve ser o de renovar a pessoa humana por dentro, o de lhe dar força espiritual e humana para uma forma de comportamento justa para com o seu corpo e o corpo do outro; e ainda o de ajudá-la a ser capaz de sofrer com os que sofrem e de estar presente nas situações difíceis. Acredito que é esta a primeira resposta ao problema da S.I.D.A., que é esta a resposta da Igreja e que, deste modo, a sua contribuição é uma grande contribuição. E estamos gratos a todos os que assim contribuem.”

segunda-feira, 9 de março de 2009

Mulher Defraudada na sua Honra e Dignidade Social e Eclesiástica

Libertação ou Emancipação?
António Justo
Emancipação continua um problema não resolvido na época moderna. A história da mulher é, em muitas culturas e subculturas, enquadrada num ambiente de culpa e vergonha.

Nos últimos 150 anos tem havido, epidermicamente, a preocupação de se criar mais justiça no trato da mulher. A nova sociedade do trabalho precisava de mão-de-obra para satisfazer as suas necessidades. A mulher foi mobilizada também adquirindo assim, para lá da família, um lugar na sociedade. A emancipação da mulher tem-se processado numa forma de servir o trabalho.

A sociedade industrial capitalista e socialista equaciona o ser humano em termos de trabalho e de dinheiro, sem outros horizontes mitigantes possíveis.

Nesta sociedade de concorrência, também a mulher se vê obrigada a equacionar o seu sentido, a sua emancipação, em termos de trabalho, em perspectivas meramente funcionais. Assim também ela luta por um lugar, uma função na sociedade

Relegada, na grande maioria para trabalhos considerados “inferiores” sente que a feminidade é explorada pelo virilismo. Magoada no âmago do seu ser opõe-se a ser reduzida à função de servir e por isso luta pela igualdade de oportunidades.

No princípio “Deus criou o Homem como homem e mulher”, à sua “imagem e semelhança”. O ser do homem e do seu estar social ultrapassa a masculinidade e a feminidade. Encontrando-se embora mulher e homem numa relação polar não é legítimo reduzir a mulher a um papel social sexual ou laboral à medida duma forma de Estado criado à imagem do homem. Deus criou-os diferentes mas iguais; iguais também no serviço mútuo do matrimónio. A mulher não é só mulher nem o homem é só homem, os dois juntos são a imagem de Deus.

O seu ser pessoal, não suporta a redução a mero indivíduo em interdependência. Seria machismo reduzir a emancipação da mulher apenas a uma igualdade funcional de direitos. Um e outro têm a mesma dignidade humana sem qualquer prioridade de um sobre o outro, pelo que não pode haver reservados limitadores da acção feminina: também a exclusão da ordenação sacerdotal para mulheres não pode ser legitimada com pretextos do sexo, ou pretextos culturais, já que estes são premissas provenientes da sociedade masculina, premissas dum Estado regido pela masculinidade. Estados e religiões roubam algo à igualdade da mulher, defraudando-a na sua dignidade humana. A equivalência de homem e mulher na dignidade é estrutural não podendo esta ser reduzida a uma igualdade meramente funcional deduzida do carácter sexual, duma forma de estar do Homem. Daí que também a Igreja Católica se encontra a nível prático em contradição com a sua própria doutrina ao considerar a mulher apenas sob o carácter funcional ao não lhe permitir o acesso à ordem sacerdotal.

Na polaridade própria do ser terreno não se podem reduzir a vocação do Homem (Mulher e Homem) a uma profissão como se os dois tivessem apenas uma relação funcional.

Não seria hoje, uma das tarefas da mulher, o momento de repetir o gesto de Eva, chamando o homem à atenção de olhar para cima, para a árvore da liberdade? Acordar, de novo o companheiro para a vida. Se na cena bíblica a mulher o acordou da animalidade para a racionalidade, hoje ela terá de o acordar do seu viver em segunda mão, da sua cama da cultura, não permitindo que ele continue a ser cuco a pôr ovos em ninho alheio!

Emancipação não se reduz apenas ao querer participar na competição organizada pelo homem; nesse caso seria um mal-entendido da libertação.. Emancipação começaria por questionar a corrida e pretender investigar para onde vai a corrida. Doutro modo a mulher apenas fortalecerá o sistema masculino, um sistema de corrida em que todos ficam pelo caminho, estafados, sem saberem para onde corriam. Não chega fazer do caminho sentido. Isso é masculino. O especificamente feminino será preocupar-se com o produto, com o processo na perspectiva final do parto!...

A emancipação implica um processo de libertação das estruturas da violência, que se torne libertação também para o homem e libertação dos ídolos masculinos.

A emancipação pressupõe uma revisão da vida humana sob a perspectiva do olhar fecundo da mulher não interessada apenas numa satisfação ocasional sempre repetida, mas numa correcção de perspectiva de futuro, o que implicaria uma rectificação dos valores. Valores femininos, de que se sente a falta no modelo de sociedade em prática.

O homem parece continuamente precipitado na correria ao orgasmo, na realização do herói, do conquistador, numa correria de destruição, duma ventania que passa, num instinto de morte a fugir a si mesma. Enquanto o homem se esgota no acto, a mulher repousa na acção com a força da paciência da vida que na sua gestação, acção criadora, implica a paciência da gravidez que se realiza no viver. Naturalmente que a ventania masculina também é importante, mas, sem a persistência, sem a continuidade feminina, só realiza conquistas, devastações, utopias de embalar para não sentir o contínuo morrer. Se o homem traz nele o tanatos (a morte), a mulher traz nela a vida; um e outro são inseparáveis. Trata-se da união dos dois, na vivência consciente da tensão polar entre os dois na realização dum terceiro ser: o nós. O homem precisa de adquirir a paciência para sentir a vida a realizar-se nele e não se contentar com o sentimento da vida a passar. Uma actividade feminina mais presente unida a uma virilidade mais paciente poderiam parir um outro tipo de sociedade em que a humanidade, a complacência estivessem em casa.

Num primeiro momento a feminidade educaria a masculinidade conduzindo a sociedade para um novo caminho. Então a massa morta do povo passaria a levedar um novo estar, um novo ser. Não se trata do amolecimento do masculino, ou de se criar um homem maricas decadente, nem uma mulher macho, um virago. Trata-se de conseguir a união da privacidade íntima com o público representativo. O mundo tecnológico e partidário seriam mitigados por uma maior presença duma cultura de arte, literatura e ideias, passando da ortodoxia de que se apoderou o homem para uma ortopraxia. Não é suficiente que o homem continue a instrumentalizar o feminino, servindo-se do erótico da mulher para melhor expressar e transportar a sua masculinidade na cultura e sociedade.

Não se avistam modelos concretos de sociedade que tenham respeito pela feminidade e menos ainda que a integrem. Capitalismo, Comunismo, Socialismo materialista são os melhores exemplos duma cultura tipicamente masculina. Só uma mudança de valores, que não a de valores masculinos em voga, que são o resultado e o objectivo duma ordem masculina unilateral, garantirá libertação do homem e da mulher, em conjunto. A masculinidade foi separada da feminidade tal como a sociedade do trabalho separou a família da sociedade, em detrimento da sociabilidade e da privacidade.

O empreendimento duma sociedade humana implica esforços em todas as direcções: da filosofia para que esta dê mais relevo ao método indutivo, da religião para que esta dê mais relevo à feminidade divina, da economia para que esta dê mais relevo ao carácter humano e duma política menos partidária e mais solidária que reflicta o espírito das disciplinas anteriores. Isto pressupõe o projecto duma mulher autêntica e do homem autêntico, ambos em processo aberto, sem se deixarem instrumentalizar e funcionalizar.

Trata-se de ultrapassar o mesmo espírito que deu forma às sociedades dos escravos, dos senhores e à actual sociedade do trabalho para passarmos a uma infra-estrutura, baseada no Homem feminino e masculino, geradora duma sociedade humana. Passar duma sociedade dos serviços para uma sociedade do humano, duma sociedade que não se esgote no acto sexual mas se delicie também na gestação!... Uma sociedade já não do homem, mas do Homem, uma sociedade grávida de humanidade sem lugar para poleiros baseada na mística do galo e da galinha. A diferença é uma constante na natureza que apela à solidariedade. O que determina a essência ontológico do homem é a mulher e o que determina a essência ontológico da mulher é o homem, doutro modo seríamos reduzidos, uns e outros à esterilidade.

Já fomos, demasiado tempo, conquistadores e heróis, talvez se aproxime o tempo em que possamos ser todos peregrinos. Então Adão reconciliar-se-á com Eva deixando de se afirmar pela coacção e de viver do salário barato da obediência e da subjugação.

Que vale a descrença, que vale o cepticismo se se desfaz numa outra fé? Então seria mais oportuno voltar à fé primeira numa ortopraxia.Então será óbvia a libertação e não a emancipação. Aquela constrói, enquanto que esta é a táctica de domínio do homem: divide para reinar!...

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
antoniocunhajusto@googlemail.com

sábado, 7 de março de 2009

PODER RENOVADOR DA MULHER

Ventre da Mulher – Um Factor Político
António Justo
Nas culturas patriarcais a mulher era e é praticamente um apêndice do homem. Também as sociedades mais desenvolvidas, se encontram ainda muito distantes duma sociedade equilibrada construída na base da reciprocidade de feminidade e virilidade. Apesar dos esforços do conveniente movimento de libertação da mulher, temo-nos limitado ao nível de adaptação de imagens ao masculino sem interesse pelo ser da feminilidade e do ser mulher. O que tem interessado é a mulher industrializada como produtora, consumidora e cliente ao serviço da cultura, uma imagem dinâmica mas obediente à norma social masculina.

Uma mera adaptação da mulher aos parâmetros da nossa sociedade corresponderia apenas a uma masculinização da mulher, dado o modelo das sociedades contemporâneas ser também ele masculino. Na sua inconformidade com o status quo, a mulher conseguiu muito. A sua força criativa e reformadora ainda não encontraram plataforma. O objecto de combate não deve ser o homem mas sim as suas estruturas viris afirmadas à custa da feminidade reprimida.

A mulher tem sido, em parte, reduzida a um complemento do homem, da família, da sociedade com as correspondentes necessidades a serem saciadas e que determinam a imagem mais ou menos elevada e ocasionalmente propagada. Homem e mulher funcionalizados no sentido duma adaptação inconsciente a superstruturas que os prendem…

As ciências humanas reduzem, geralmente, a mulher ao seu carácter sociológico mais ou menos aferida ou contraposta à norma masculina. Assim se reduz a mulher ao seu carácter fisiológico ou a uma função sociológica enquadrada num projecto de homem entre a sua sombra e Vénus, um ser acessório de que se vai mudando a imagem conforme a conveniência cultural do tempo. Nas fotos das mulheres e nos cartazes, poderíamos ver materializado o espírito de cada época.

A insegurança do homem ocidental perante a mulher leva-o a considerá-la como um ser antagónico e o medo da sociedade muçulmana perante ela levam o homem a aprisioná-la debaixo da burca ou do lenço. Em sociedades em que o sexo ou o exótico não eram tão tabuizados a mulher tinha mais voto na vida do dia a dia. Pelo menos é o que se podia constatar na imagem da mulher da Índia dos tempos dos Vedas em que havia igualdade de direitos do homem e da mulher. A ocupação islâmica da Índia (1009-1526) transformou a sociedade fazendo da mulher uma escrava do homem. A poligamia é o sinal mais visível do poder do homem. Na Europa a imagem da mulher anda muito ligada ao sistema económico.

O homem e a mulher são seres em processo em continua mudança sócio-cultural. A mulher, porém, não é reduzível a um psicologismo, a um sociologismo nem a um economicismo. O mesmo se diga do homem; ao afirmarem-se na contradição negam o seu ser humano de seres em relação, o seu carácter trinitário. Ao reduzir-se a mulher reduz-se automaticamente o homem e consequentemente desequilibra-se a sociedade, desfuncionalizando-a do seu verdadeiro fim.

O homem não perdoou a Eva o facto de ser ela a primeira a atrever-se a dar o salto colectivo para o individual, o salto do anonimato animal e emocional para a racionalidade humana que adveio com a vontade de ser diferente e a liberdade de comer dos frutos da árvore da vida. A vergonha do homem leva este a projectar na mulher a culpa. Assim a fatalidade das virtudes ou defeitos da mulher continua a encontrar-se em relação à norma homem e aos seus medos perante o ser dela. Por um lado o amor cúltico por outro o desejo de a ver submissa como se observa hoje também na prática da procura do homem pela mulher distante: a brasileira, a russa e a polaca. Hoje como ontem procuram-se papéis de mulher que interpretem as necessidades do homem e da sociedade masculina do tempo e não a mulher em si. São reduzidas a ícones à disposição.

O destino da mulher não poderá ser condicionado ao seu rol, ao seu papel, nem tão pouca à redução do homem a cultura e da mulher a natura. Um e outro são de valor integral não podendo ser reduzido a um perspectivismo unilateral; cada um encontra-se bem em sua casa, sem ter necessidade de operar os ovários ou de se castrar. Socialmente tem havido uma aproximação nos papéis a executar socialmente. A emancipação da mulher não passa porém dum bluff se a sociedade em que se encontra não lhe possibilitar novas formas de vida para ela adquirir respeito. O empreendimento da mudança do tipo de sociedade máscula que somos terá de ser obra da mulher e do homem na descoberta do humano que não é masculino nem feminino.

A igualdade dos sexos deve trazer vantagens para os dois. As suas necessidades não se reduzem às necessidades biológicas de reciprocidade mas também a necessidades existenciais que possibilitem o realizar e experimentar do ser homem e do ser mulher na própria pessoa numa relação de tensão entre um eu e um tu. “Deus criou o Homem como homem e mulher” (Gen 1,27) e não apenas como homem ou como mulher, porque Ele mesmo é relação. O homem só o é perante a mulher e a mulher só o é perante o homem. Deste modo, mais que uma emancipação um do outro, será oportuna uma libertação em parceria. Tal como Deus partilha o seu ser com o Homem também a mulher partilha o seu ser com o homem, não só estando mas sendo com ele e vice-versa. O ser da pessoa é relação sendo o homem mais que ele e a mulher mais que ela. Para lá da sexualidade está a união transcendente, o laço “matrimonial” do Homem todo na entrega mútua.

Nas grandes revoluções do futuro a mulher terá de desempenhar um papel activo muito grande. Do seu acordar dependerá em grande parte o desenvolvimento das sociedades subdesenvolvidas, a humanização das sociedades desenvolvidas. Precisamos dum novo modelo de sociedade.

Nos Estados muçulmanos serão elas que terão de provocar o desenvolvimento das sociedades patriarcais. O sofrimento da mulher e a sua resignação interiorizada são fenómenos sociais que bradam aos céus. Encontram-se abandonadas a si mesmas. Pena é que as mulheres em processo de libertação se não solidarizem com as poucas que conseguem levantar a cabeça contra o patriarcado insuportável que as domina em culturas que usam a amordaça da vergonha fazendo delas pessoas envergonhadas. O mundo muçulmano precisa duma época do renascimento e do humanismo tal como a Europa teve há 500/600 anos e que provocou o seu grande desenvolvimento a nível material. Só uma revolução cultural aliada à mulher poderá quebrar as amarras do patriarcado aí vigente.

O grande trunfo do poder dos povos árabes está não só na sua capacidade de guerrilha mas especialmente na instrumentalização da mulher como geradora de muçulmanos. A imprensa relata que o presidente do governo Turco afirmou em relação à Europa que a barriga das mulheres realizará o que a política na consegue. De facto a comunidade turca na Alemanha manifesta-se resistente a qualquer integração, acontecendo que onde se radicam formam uma sociedade paralela. Em 1975 eram quinhentos mil na Alemanha, altura em que a Alemanha fechou as portas à emigração, hoje já são três milhões.

O problema crucial da „bomba demográfica“ é sentido de maneira especial em Israel. Vinte por cento da população israelita é de origem árabe. Israel fomenta a maternidade das israelitas. Cada mulher israelita dá à luz 2,7 crianças. Sentem-se responsáveis pela sobrevivência de Israel. Além disso ter filhos é uma bênção. “Uma mulher sem filhos é incompleta” pensa o povo. Toda a mulher israelita tem direito a fertilização gratuita in vitro, em clínicas de fertilidade. A religião, a economia e a sociedade fomentam a família e as crianças, também com infra-estruturas adequadas. A planificação familiar é muito importante em Israel atendendo à explosão de nascimentos muçulmanos, à necessidade de soldados e de cidadãos. A sua terra prometida é aquela, não tendo mais para onde ir como povo. A solidariedade familiar ajuda as mães a ter emprego e a ter filhos. Patrões também ajudam famílias a partir do quarto filho.

O ventre da mulher está ao serviço da política agressiva masculina, como se verifica, dum lado e do outro. Umas e outras são instrumentalizadas, fazendo-o porém na consciência de que são livres ou de que prestam um serviço à sociedade máscula.

No sentido da libertação da mulher seria importante ser feita uma hermenêutica, um estudo comparativo da mulher nas diferentes sociedades. Um compêndio tipo planta das consciências culturais e da auto-compreensão e posição da mulher.

Uma sociedade em mudança, com novas contornos, precisa de desenvolver novos valores sem medo de novos modelos de pensamento e de vida. Um dos papéis importantes da política será integrar a vida familiar na vida social e laboral.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

sexta-feira, 6 de março de 2009

Conflito Israelo-Árabe

O espantalho da divisão da Palestina em dois estados ainda se mantera´ por muitos anos. Por um lado a via da divisão da palestina em dois Estados obrigaria a grandes movimentos migratórios.
Por outro lado, a reunião de vários grupos sob um Estado comum favoreceria os árabes e conduziria`a irradiação de Israel.

Segundo a argumentação de juristas internacionalistas de direito das nações, os palestinianos não teriam direito a nenhum Estado por não preencherem os pressupostos, para isso, necessários. Um estado fundamenta-se numa história própria, numa cultura específica e numa língua própria. Nenhuma destas condições se aplica aos palestinianos. A PLO, a nível internacional, transmita a impressão, de ser uma organização que representa os interesses do “povo palestiniano” como se na realidade houvesse um povo.

Revela-se um conflito sem solução!

O que realmente há são interesses da Liga Árabe dum Lado e do Mundo Ocidental do outro.



Presidente do Sudão sob mandato de captura
Criminoso de Guerra em Den Haag: Omar al-Baschir
* O tribunal criminal internacional em Den Haag ordenou mandato de captura ao Presidente do Sudão. Um passo em frente a caminho duma justiça mais virada para o povo: também os grandes devem temer o castigo pelos seus crimes. Num mundo regido pela violência há fundamentos para se duvidar se princípios éticos também farão parte da filosofia pragmatista por que se têm regido os Estados. Esta prática é mais curta que aquela!...

O Presidente do Sudão é acusado de, na qualidade de comandante supremo das forças armadas, ter cometido crimes de guerra contra a humanidade, assassínios, tortura, violações e desalojamento.

O Tribunal Internacional assume competência sobre ele devido ao facto dos crimes cometidos não serem castigados pelos tribunais nacionais.

Rebeldes de tribos do sul insurgem-se desde 2003 contra o governo árabe-islâmico do Sudão que apoia a prepotência dos grupos árabes do norte contra os grupos africanos do sul.

Omar al-Baschir sente-se forte, mandando, como reacção, expulsar as organizações internacionais de assistência aos fugitivos das agressões das milícias árabes. Ele sabe que não será entregue pelo governo e sente-se coberto pela Liga árabe, interessada na islamização do sul do continente africano, pela China com interesses económicos e por alguns chefes de estado africanos que governam com métodos também eles passíveis de queixa em Den Haag.

O Novo Colonialismo – A Estratégia da Reprodução e da Religião

Cristãos em Perigo no Próximo Oriente
António Justo
O mundo muçulmano utiliza uma dupla estratégia de expansão: a nível interno, perseguição e discriminação de minorias que não pertençam ao Islão e a nível externo, através de emigração para guetos e procriação fecunda e correspondente estratégia de casamentos em torno da identidade religiosa, política esta, premiada também pelo maquiavelismo míope Ocidental, como se viu e vê nos conflitos dos Balcãs, etc.

Os ventos correm a favor da islamização. Dum lado os que apostam no Petróleo por interesses económicos, do outro, certas facções socialistas têm uma predilecção pelo sistema social muçulmano, sendo secundados pela indiferença branqueada sob o nome de tolerância. Dele se servem uma ideologia pragmatista e um fascismo de direita e de esquerda.

É um facto que no mundo, segundo dados da Organização para os Direitos Humanos, há, pelo menos 200 milhões de cristãos descriminados e perseguidos: no Iraque 600 mil, no Irão 250 mil, na Arábia Saudita um milhão, no Egipto 10-15 milhões, na China (60-80 milhões, no Paquistão um milhão, na Índia 60 milhões e na Turquia 100 mil.

A população cristã do Próximo Oriente diminui continuamente, queixa-se a Conferência dos bispos alemães. A Europa terá de abrir as portas também aos cristãos do Iraque.


No mundo islâmico, padres são assassinados, igrejas são incendiadas, o serviço litúrgico é proibido, a construção de igrejas também, sem que a imprensa internacional tome notícia do assunto, nem os muçulmanos que na Europa constroem uma mesquita atrás da outra se interessam, com o que acontece com os cristãos nos seus países. O argumento da reciprocidade não conta.

Na Europa a queixa muçulmana é contínua, parece só não se sentirem discriminados quando pertencerem à classe dominante. São mais jovens e usam a melhor estratégia para convencer, gente de ventre cheio preocupada apenas com digestivos para facilitar a sua má digestão material na falta de digestivos culturais espirituais. Muitos muçulmanos tornam-se membros de partidos da esquerda podendo assim melhor camuflar a sua luta pelo ideal islâmico. São raríssimos os que se empenham pela integração. O argumento da luta contra o imperialismo americano ajuda, também ele, a camuflar as intenções duma religião hegemónica.

“No Próximo Oriente a vida de cristãos corre perigo” constata Martin Lesenthin, porta-voz da Sociedade internacional para Direitos Humanos (IGFM). No Iraque são assassinados, raptados e expulsos. Nos últimos seis anos fugiram do Iraque 500.000 cristãos. Segundo a IGFM a proibição de orações a nível público, encerramento de Igrejas e ataques aos cristãos fazem parte da “ discriminação no dia a dia em muitos países islâmicos”. Na Arábia Saudita, que apoia a construção de mesquitas no mundo com imensas somas, e no Irão há a pena de morte para os convertidos e até é proibido aos cristãos rezar dentro da própria casa. No Egipto os cristãos coptas podem exercer a sua religião mas são tidos como cristãos de segunda classe sem acesso a posições de relevo, vendo-se confrontados com assaltos a igrejas e casas privadas, relata Martin Lesenthin. Já desde os anos 90, altas personalidades do mundo árabe seguem a estratégia de islamizar Estados seculares empregando para o efeito grandes somas de dinheiro. Conseguiram fazê-lo dentro de poucos anos, como mostra o caso da Nigéria, conseguindo até que lá fosse introduzida a lei islâmica da scharia, assistindo-se cada vez mais a um aumento de assassínios de cristãos. Muitos estados têm a sua polícia religiosa. Martin Lesenthin pergunta-se: “Para que é que se precisa duma polícia religiosa?” A Igreja não pode levantar a voz porque se o fizesse os cristãos ainda mais sofreriam. Enquanto os chefes dos países europeus não se interessarem, de facto, pela defesa dos direitos humanos, os estados, e em especial os estados islâmicos continuarão a perseguir os cristãos e outros que se atrevam a ser diferentes.

Por um lado os países islâmicos seguem uma estratégia de discriminação e de perseguição nos próprios países e instalam-se nos países “cristãos” em guetos cerrados, sempre ao ataque. Enquanto que os seus fiéis simples são pessoas de contacto agradável e afável, muitos dos seus académicos, ligados a mesquitas, acentuam a afirmação no ataque à cultura hospedeira e impedindo a abertura dos seus membros. O Islão não tolera ninguém ao seu lado, pelo menos, desde que se encontre na maioria. Isto é o que se pode constatar também na desenvolvida Turquia que, dentro dum século, vê a população cristã reduzida de 25% da população para um número insignificante e com tendência a diminuir, devido a perseguições e à descriminação contínua dum sistema que considera cristãos como suspeitos e inaptos para o serviço do Estado, identificando-os até com um número especial no Bilhete de Identidade. Na época nazi, na Alemanha, os judeus eram assinalados com uma estrela! A Turquia mantém o controlo das comunidades religiosas na Europa através do envio dos seus representantes (imam) para as mesquitas (para a Alemanha 600 num só ano) sem qualquer permissão em sentido inverso para pastores católicos ou protestantes. Apesar disso ainda há muito boa gente na Europa que defende a entrada da Turquia na Europa sem que ela arrede caminho da sua discriminação sistemática.

A antiga torre de Babilónia parece ser modelo para a União Europeia. O medo e o oportunismo são quem manda! Os Governos Europeus aguentam e aceitam a perseguição de Cristãos e promovem nos seus territórios os seus perseguidores. Ingenuamente, com as suas ideias de globalismo e de domínio económico, esquecem o factor cultural-religioso, o mais importante em questões de identificação de povos e de desenvolvimento civilizacional. A miopia dos nossos políticos reduz a questão ao problema religioso, optando por uma atitude masoquista em relação à própria cultura. Grandes povos não se constroem apenas com ideologias e com economias. Temos um bom exemplo recente na União Soviética. Os árabes, em questão de poder, são mais inteligentes e vêem mais longe. Parabéns para uns e boa noite para outros!...
Antonio da Cunha Duarte Justo

quarta-feira, 4 de março de 2009

Judaísmo e Cristianismo – Semana da Fraternidade

A Terra Prometida é a Realização da Promessa Bíblica
António Justo
Encontramo-nos na Semana da Fraternidade entre Cristãos e Judeus. Na Alemanha as comunidades cristãs e judaicas, especialmente durante esta semana, organizam muitas iniciativas em comum, no sentido da promoção do conhecimento e respeito mútuos.

A Bíblia é o documento base da existência do povo de Israel, constituindo como que a sua identidade normativa. Deus escolheu o povo judaico que se deixa formar e conduzir por Ele ao longo da história, surgindo assim uma relação singular do judaísmo na história. A Bíblia, um livro feito de livros, não encontra paralelo noutras civilizações. Gerações consecutivas foram co-autores escrevendo-a durante centenários. É uma literatura contínua que trata sempre da mesma relação de Deus para com o seu povo. A Tora (Pentateuco) complementada pela mischna (tradição oral da Tora) dá forma ao caminho de Israel e determina o ser judeu no presente e no futuro. O judeu vive na continuidade viva da tradição sempre actualizada. Ao Sábado os judeus juntam-se na sinagoga para recitar a Tora que deve ser toda lida durante o ano.

Já no primeiro livro da Bíblia, no Génesis o Deus de Israel é um Deus diferente dos outros Deuses; é mais que um Deus para um povo ou uma nação. Aí se declara a igualdade de todo o Homem. Mesmo mais tarde quando se estabelece a máxima do “olho por olho, dente por dente” isto significava que o escravo e o senhor não deviam ser julgado com diferentes medidas, além de estabelecer um limite ao exagero da vingança. Já no período arqueológico do judaísmo se determina a inviolabilidade da vida de todo o indivíduo.

A bíblia de Israel é também bíblia do cristianismo. Jesus esclareceu a questão dizendo “Eu não vim para destruir a Tora…”. Os Judeus cristãos dos inícios do cristianismo, com os seus autores do Novo Testamento (NT), não acentuavam a distinção entre novo e velho testamento. A partir do século segundo acentuam-se as diferenças atendendo também ao alargamento do cristianismo a muitos povos desconhecedores do povo de Israel. A necessidade de separação colocou aos cristãos a questão da validade do AT e do especificamente novo.

Então, tal como acontece na luta do adolescente pela auto-afirmação em relação aos pais, segue-se uma fase de concorrência entre cristãos e judeus. Marcion (que morreu no ano 170 d.C.), da comunidade grega, assume uma atitude agressiva, acusando a Igreja Católica de judaísta e contrapondo o Deus da lei antiga (AT) ao Deus do amor (NT) e vê em Paulo o autêntico discípulo de Cristo. Também no estudo hermenêutico dos diferentes evangelhos do NT se pode constatar vestígios das discussões e divergências mais ou menos judaizantes, em curso nas diferentes comunidades da Igreja. Marcion vê dum lado o Deus justiceiro (Deus da lei, AT) e do outro o Deus amoroso (NT) com o mandamento do amor ao próximo (ao estranho). Defende a sua ideia de cristianismo como uma religião totalmente nova e apresenta o Judaísmo como a religião do “vetus testamentum” a ser superada. A Igreja condenou Marcion como herege (mais tarde, pelo ano 400 dá-se a fusão dos seus seguidores com os maniqueus).

Para a Igreja AT e NT não se encontram em contradição mas complementam-se, reconhecendo as duas partes. Assim a Igreja manteve a bíblia completa integrando a Septuaginta que é uma tradução judaica. O segundo testamento só pode ser compreendido na perspectiva do primeiro e é compreendido pela Igreja como sua continuação. Naturalmente surge o problema da compreensão da relação das duas partes. A primeira é a base do judaísmo e na relação entre judaísmo e cristianismo há respostas insatisfatórias. Por isso cristãos e judeus juntam-se na procura de novas leituras da Bíblia.

As ideias de Marcion mostraram-se extremadas nas suas consequências, acusando os Judeus de se negarem a aceitar o Messias Jesus como seu Messias. A destruição do Templo do templo pelos romanos e a anatemização dos judeus passa a ser refinadamente usada por alguns para deslegitimar o direito daquele povo à existência mostrando-se fatal e duma injustiça monstruosa ainda hoje presente na negação ao direito de existência do estado de Israel.

O AT implica uma leitura própria e independente não podendo ser limitado à interpretação cristológica. A leitura e compreensão do AT deve partir duma posição fundamental de que os textos têm um carácter poético e literário que transcende a intenção dos seus autores, como defende o teólogo católico Erich Zenger.

Sob este ponto de vista a interpretação transmitida permite uma doutrina analógica orientada para a vida concreta de cada um. De facto Deus revela-se mas cada um pode fazer diferentes leituras do mesmo dito. Hermeneuticamente podem-se ler os textos a diversos níveis. Nós, cristãos compreendemos a Bíblia diferentemente dos judeus mas não melhor que eles. Estamos dependentes dos judeus. Cada um tem a sua teologia independente sem necessidade de se missionarem uns aos outros. Cristãos e judeus adoram o mesmo Deus que os une e age nos dois. João Paulo II falava do “povo da aliança”, ao referir-se aos judeus. A prática do diálogo pode diminuir assimetrias e ajudar Judeus a um enriquecimento mútuo. Com uma hermenêutica do respeito mútuo e com a deposição das armas da desconfiança e dos mal-entendidos, no reconhecimento bíblico de que “tu deves reconhecer o outro como outro”, constrói-se uma ortopraxia da paz. Rosenzweig dizia: também nós, judeus, estamos dependentes dos cristãos…”. Para os cristãos Deus revela-se como pai, filho e espírito santo. O Deus único trinitário pode abrir os horizontes para um diálogo também com o hinduísmo e com o budismo.

Judeus e cristãos lêem e interpretam cada um à sua maneira dentro da mesma tradição. Uma leitura não se pode reduzir à outra. Neste sentido, os cristãos lêem os textos reconhecendo os judeus como primeiros destinatários e irmãos mais velhos. O judeu lê a Bíblia como o agir de Deus na Bíblia e no seu povo e o cristão lê a Bíblia como o agir de Deus em Jesus Cristo e na comunhão dos cristãos com os judeus e os outros povos. Judeus e cristãos sentem-se ligados pelo sentimento da gratidão. Cristãos e judeus estão de tal maneira interrelacionados que o diálogo entre cristãos e judeus tem um carácter único e é mais relevante que o diálogo com qualquer outra religião, acentua Erich Zenger.

O povo de Israel e a Igreja trabalham na mesma missão de realizar a mensagem do Reino de Deus.
Para o povo israelita há três elementos constitutivos na sua existência: a eleição por Deus; a promessa do país (terra prometida) como espaço e base da vida. O regresso do povo de Deus à terra dos seus antepassados revela-se como concretização da fidelidade divina. Segundo a Tora, cada povo tem direito à sua terra (Deuteronómio 32). A discussão política em torno de Gaza não deve perturbar o diálogo cultural e religioso; muitas vezes as pessoas são mais exigentes para com os judeus do que para com os seus adversários!... Defende-se uma justiça com dois pesos e com duas medidas.

O problema é também pessoal atendendo a que todos vivemos atrasados em relação às exigências que colocamos aos outros.

Haverá sempre questões em relação às imagens de Deus. Se não houvesse diferentes compreensões de Deus não se justificaria a existência de Judeus e de cristãos. Não podemos passar com a rasoira da igualdade contra a diferença. Essencial é a relação de respeito mútuo.
Como exemplo de respeito para com o judaísmo passo a relatar o que se passou em 1978 comigo na qualidade de celebrante da eucaristia e com um aluno judeu que queria participar nela como acólito. Eu deixei-o acolitar mas chamando-o à atenção para que ele ao identificar-se comigo não deveria distanciar-se da sua religião. Passado algum tempo fui convidado pelos seus pais para a celebração da Bar Mizwa do filho, na sinagoga de Lisboa. O respeito pela diferença fomenta a relação e a paz.
António da cunha Duarte Justo
Teólogo

segunda-feira, 2 de março de 2009

A Corrupção é Solidária e desconhece a Honra

Mundo das Finanças: Um Romance Criminal com Sabor a Tragicomédia

António Justo
O romance teatral em curso é tão palpitante que nem deixa tempo para pausas, pausas para digerir as cobras e lagartos que somos obrigados a engolir de dia para dia.

Argumento da peça: Bancos com prejuízos gigantescos transformados em pedintes do Estado e os seus desavergonhados banqueiros com biliões de bónus; na plateia espectadores devotos à espera de Godot. Em todos os países o mesmo cenário: só gatunagem até onde a vista alcança. Um sistema de auto-serviço moderno que se regula a si mesmo. A política protesta mas encontra-se de mãos amarradas. O povo que pague as favas. Chegou o tempo das vacas magras! O rosário das calamidades não acaba e as elites parecem ter chegado ao fim do seu latim!

Por mais que se estiquem os olhos, no infinito da paisagem, só miragens pela frente! Não se avista nenhum Obama da economia!

O famigerado século das luzes parece atingir o fim do seu brilho racional. Os responsáveis pela doença do sistema económico e financeiro são os mesmos que o devem curar!... O paciente é o seu médico.

Aqueles que aniquilaram biliões e levaram a economia à ruína providenciam-se com indemnizações mastodônticas e com bónus de milhões. Isto observa-se por todo o lado, sem excepção. Aos políticos, como ao povo só lhes resta acreditar no altar do capital.

Trata-se de salvar necessidades à custa da cultura e da moral; à política segue-se a economia, num tango de capitalistas e socialistas. No fulgor da dança, todos metem a mão, sem escrúpulos.

A irresponsabilidade foi anonimizada, democratizada! O capital também! A avidez insaciável de alguns vive da miséria dos outros. Os trabalhadores são despedidos ou vêem o seu trabalho reduzido e o cliente é castigado enquanto que os chefes da banca, ilesos, lavam as mãos nas águas da inocência.

O Estado sobe o seu crédito, é a sua hora! Naturalmente que onde entra dinheiro do Estado, este quer governar e onde há governo lá se encontram os partidos e com eles os seus melhores, os barões!... Por outro lado um capitalismo de estado teria como consequência um retrocesso aos nacionalismos cerrados e a prepotência política.

No tempo em que a palavra valia, havia pessoas honradas, porque se sentiam responsáveis.
No tempo dos novos-ricos não se conhece a honra. Interessados não na honra mas no crédito das moedas, perdem o crédito, porque não conhecem a honra. Vivem no Olímpico, e, no trono da sua cobiça, sabem-se intocáveis. E a corrupção é solidária. Criam-se superstruturas económico-políticas em que os manda-chuvas, com o sol sempre do seu lado, podem continuar a manipular o sistema social.

O sistema em que os riscos pertencem aos trabalhadores e as chances aos Magnates parece estar a desperdiçar a oportunidade para controlar a corrupção. Naturalmente que a tarefa não é fácil e mais complexa do que parece.
António da Cunha Duarte Justo