segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

BOM ANO 2013

Amiga, Amigo, Desejo-te a ti, familiares e amigos, uma boa passagem de ano e auguro-vos um ano 2013 muito feliz com muito entusiasmo e optimismo. Que as dificuldades que porventura apareçam se tornem em motivo de maior criatividade. Grande abraço António Justo António da Cunha Duarte Justo www.antonio-justo.eu www.quinta-portugal.de www.arcadia-portugal.com

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O FIM DO MUNDO É HOJE

A Vingança dos Bons só chega no Fim dos Tempos António Justo 2012 tem sido um tempo grávido de pessimistas e moralistas. A terra tem sido pródiga em catástrofes sísmicas, atómicas, económicas e políticas. O seu rosto macabro produz sismos de medos com reacções em cadeia em almas hipersensíveis. A crise social, a insegurança existencial, numa palavra, o medo do futuro é o melhor húmus para a fertilização de cenários apocalípticos. O medo revela-se como o odor dos cadáveres; logo que surge rondam em torno dele as gralhas do oportuno. Alegadamente, o calendário Maia prevê para hoje 21 de Dezembro o fim duma era (isto é o seu calendário acaba ali). Na constelação social actual, para admiradores do exótico, nada viria mais a preceito que a história dum povo devastado que prevê o próprio fim. Um clima insuportável fomenta crenças obscuras. Um efeito colateral do medo do apocalipse é branquear os problemas do clima, meio ambiente, matérias-primas, corrupção estatal, etc. Ao adiar-se a solução dos problemas aceita-se, implicitamente, ser vítima deles. A impotência e o desamparo humano tende a diferir as soluções dos problemas do dia-a-dia dando oportunidade às moscas do sofrimento alheio. O negócio com o esoterismo revela-se, hoje, como o milagre económico para as editoras e outras indústrias afins. Geralmente, a vingança dos bons e dos sofredores/oprimidos chega atrasada; dá-se só no fim dos tempos. Muitos livros, em vez de esclarecerem os necessitados, servem-se dos seus problemas para os embrulhar, por momentos, na lã fofa e quentinha do sentimento. Até o estado joga nesta lotaria: o ministro russo da defesa civil chega mesmo a afirmar que tinha “informações inequívocas” (HNA, 21.12.2012) segundo as quais o fim do mundo não se daria no dia 21. As mitologias das religiões falam dum “fim do mundo” que prevê, depois da catástrofe, a felicidade. O cristianismo fala dum “Apocalipse” (revelação divina, tirar o véu), num tempo depois do tempo e do qual surgirá um novo céu e uma nova terra! Um modo simbólico de metanoia humana. A mitologia nórdica prevê, o fim do mundo, no “destino dos deuses” que depois de três anos de luta entre eles e de três anos glaciares daria lugar à luta das forças destrutoras da natureza em que os monstros lutam contra os deuses; por fim o mundo arde e Ódin, o supremo deus germânico, cria, de novo, a terra. Nostradamus publicou em verso as suas profecias que chegariam até ao ano 2242. Segundo ele, dar-se-á uma catástrofe cósmica e uma catástrofe climática depois das quais o mundo surgirá de novo. Em 1910 também cientistas tinham previsto o fim do mundo devido à aproximação da terra pelo cometa Halley. Já outros fins do mundo tinham sido profetizados para 1981, 1999, 2000 e os próximos previstos pelos especialistas do fim estão já agendados no calendário para acontecer em 2060 e 2076. A “vingança” dos bons revelar-se-á produtiva quando não se refugiar nas ideias e se desculpar no que há-de acontecer. Somos o acontecimento onde o princípio e o fim se encontram. António da Cunha Duarte Justo antoniocunhajusto@gmail.com www.antonio-justo.eu

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ADVENTO DO NATAL






António Justo
Chegou o Advento vem o Natal. Aquele tempo em que optimistas celebram e pessimistas lamentam, produzindo a harmonia das notas do Universo. Uns cantam em bemol, outros em allegretto (sustenido). Para todos é Natal em cada dia: uns na alegria do gerar outros nas dores do parto.

Se não fosse a referência de Lucas no seu evangelho de que Jesus nasceu num curral de pastores com os anjos a cantar e os reis magos a visitá-lo, certamente que a ideia do presépio não se teria vulgarizado e o mundo seria mais frio. Independentemente da exactidão histórica do relato, imaginem como seria frio e sombrio o mês de Dezembro, sem a festa de Natal. Lucas quer com a sua narração dizer que do seu presépio surgirá o amigo dos pobres (dos pastores que eram então a classe mais baixa da sociedade). Das baixezas dum curral surge a luz da justiça a preparar a paz. A fé nesta mensagem é o contraponto da fé nas acções da bolsa e da fé dos milhões que levarão a paz apenas aos mercados financeiros.

No Natal a vida reúne-se em festa. A natureza unida toca-nos porque lá no íntimo do presépio, de cada um, flagra uma chama, sorri uma criança. Quem ama não está sozinho, encontra-se à lareira do presépio onde se encontram pessoas, animais, pastores e reis sob o mesmo calor. No presépio do mundo, somos todos reis a seguir uma estrela, a luz do horizonte.

No Natal, independente do credo, celebra-se a humanidade, por isso Natal é a festa de todos, a festa mais humana de todas as festas. Nela o mundo muda, nós mudamos; é natal, a vida a jorrar em tudo: Deus a tornar-se homem para podermos ser criança.

Lá fora na praça a sede dum tempo novo passa. No chão as leis, enlameadas, tornam a praça escorregadia. No ar sombrio dum tempo árido, se ergue, nas nuvens da amargura, o gralhar da dor de doentes, desempregados, desiludidos e não amados. As sombras invertidas. Ruinas de vida, no chão, estendidas. Esboços no chão, à espera do presente da vida.

Neste dia em que nada acontecia marquei um encontro comigo. A consoada estava demorada; em casa, sozinho, descanso das compras. No recolhimento, ouço alguém que bate à porta. - Quem é? - É um Jesus fugitivo, que precisa de pausa, para descansar do estresse do dia. - A minha porta está aberta mas a minha casa desarrumada. - Não importa, o que conta é a porta aberta para poder entrar e comigo a paz. Muitos têm a porta fechada, com os meus presentes amontoados à porta... - Como vês só tenho aqui umas rabanadas, uns bolos e o resto por acabar de fazer. Que desejas? – Quero amor, aquela parte de mim, que tu és. -Eu amo e tu és a resposta.

António da Cunha Duarte Justo

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Natal - A Compreensão cósmica de Deus, Homem e Mundo





O Cosmos evolui no Sentido da Natureza de Cristo


António Justo
Aproxima-se mais um Natal no tempo. Um escândalo! Deus torna-se mundo e Homem depois duma grande gestação que se seguiu à Palavra de Deus inicial que produziu o “Big Bang” do universo e se foi tornando, cada vez mais, visível, atingindo o apogeu no Filho do Homem. Em Jesus Cristo une-se a divindade e a criação (poder e vulnerabilidade); os opostos tornam-se parte duma realidade maior que ultrapassa a visão dialética e bipolar habitual. O JC torna-se a interpretação de Deus e do mundo: é não só a sua metáfora mas também a sua realidade; ele reúne e resume a corporeidade, a matéria no Jesus homem e a divindade no Cristo. O divino apresenta-se aqui numa dimensão física visível e numa dimensão espiritual invisível: é mundo e transcendência ao mesmo tempo.

Com as dores da evolução, o espírito expressa-se no espaço e no tempo (cosmos) à semelhança do desenvolvimento do ser humano no ventre da mãe durante a gravidez. JC é o “início” e  “o primogénito de toda a criação” (cf. Paulo aos Colossenses); com Ele e nEle a divindade incarna já antes de toda a criação. A divindade torna-se pai/mãe no Filho, gera e cria por amor permanecendo na união do criar e dar à luz (revelar) parte de si mesmo (a sua dimensão cósmica). JC já resumia nele a divindade e a criação antes do pecado original. Daqui ser óbvio não se acentuar demasiado a espiritualidade do pecado original como fundamento da incarnação divina (como advertem teólogos). Para João Duns Escoto o pecado assume uma realidade secundária em relação ao amor. A religião do cristão é o amor e o amor expressa-se na bondade.

O universo é o alfabeto e a sintaxe da Palavra inicial (No princípio era o Logos, a Palavra, a Informação) donde tudo surgiu e se manifesta. JC é a revelação de Deus nas suas dimensões material e imaterial. “No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no princípio, com Deus; tudo começou a existir por meio d’Ele, e sem Ele nada foi criado” (Jo 1, 1-3).

A criação traz, assim, em si o gene divino e o germe da evolução tendo chegado à maturidade física que comporta o seu florescer no espírito, na natureza do Cristo. Em JC temos a ideia e o acontecer duma Realidade ao mesmo tempo visível e invisível. É aquilo que a liturgia realiza na eucaristia, antecipando nela a realidade final, a transubstanciação da matéria no espírito, num processo de Alfa e Omega, como JC já antecipou.

Teilhard de Chardin compreende o cosmos inteiro como Cristocêntrico numa espécie de consagração transubstancial da realidade. Bento XVI fala do sinal da " Eucaristia, comunhão com Cristo e entre nós" e Joao Paulo II acrescenta: “A liturgia cristã deve ter uma orientação cósmica. Tem que, por assim dizer, orquestrar o mistério de Cristo, de facto, com todas as vozes que estão à disposição da criação” (Ecclesia de Eucaristia). Com isto, chama a atenção não só duma espiritualidade transcendente mas também duma espiritualidade imanente (inerente ao cosmos). Esta será a dimensão a aprofundar numa fase mais mística do cristianismo e que virá dar resposta aos novos tempos.

Deus torna-se mundo e Homem em Jesus Cristo (processo evolutivo do Alfa para o Omega); JC ao resumir em si o mundo e a divindade espelha nEle a pessoa e o universo no seu processo de divinização. Deus dá hoje continuidade ao processo de incarnação que tinha iniciado e realizado em Jesus Cristo ao iniciar a criação. Os movimentos cíclicos e lineares convergem em cenários de uma mesma realidade que se expressa nas espiritualidades natalícia, pascal e pentecostal. O ciclo da natureza e o ciclo litúrgico tornam-se metáforas duma mesma realidade em via.

No processo evolutivo, à hominização segue-se a natureza de Cristo. O Natal (incarnação) provoca uma verdadeira revolução do pensar racionalista e sentimentalista, abrindo horizontes para panoramas impensáveis. Não podemos acentuar demasiado o aspecto pedagógico-didático da liturgia natalícia em detrimento da realidade essencial teológica e mística que se resume no mistério da Trindade e no processo de incarnar e ressuscitar.

O Natal, embora incorporado no negócio do consumo, na concorrência e no sentimentalismo, é, no tempo, aquela parte do tempo que aponta para a justiça e para paz. O calendário litúrgico, tal como as estações do ano, expressa metaforicamente a realidade da vida, e consequentes diferentes nuances.

Urge uma actual compreensão e vivência do mundo, do homem e de Deus. A desmitologização do mundo expressa no cristianismo pressupõe a desmitologização do espiritual, para se poder compreender a realidade integral que é Jesus Cristo. Urge dar-se a desmitologização de Deus, do homem e do mundo para se sentir o fluir do divino no humano numa interligação de Pai no Filho, de Filho no universo na unidade do Paráclito.

A incarnação é um mistério que pode ter várias abordagens também no sentido de dar resposta aos problemas actuais apresentados pelas novas impostações teológicas e pelas ciências físico-naturais. Uma das impostações será a de que Deus não encarnou em JC porque Deus estava ofendido com os pecados do mundo mas também porque, por amor, na sua relação trinitária, ao tornar-se mundo e homem se submete à evolução, à cruz do mundo a caminho do Cristo. Deus ao revelar-se em Jesus Cristo revelou o ser do Homem e do mundo também.
Estamos chamados a realizar o JC.

Com este Deus que se declara por nós e em nós, há que renascer para realizar o Natal.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

POVO INSOLVENTE

Os pássaros já não voam
E a terra engole os sonhos

Os judas andam à solta
São Galantes da opinião
Sugam e malham as gentes
Os esponjas da evolução

Traficantes da injustiça
A viver da podridão
Eis a sociedade mórbida
Onde reina a servidão
Já só vingam os vilões
Nos jardins da nação
  O Povo não vive nem morre
É erva de fado no chão
A paisagem é dos iníquos
Dos impunes a civilização

Por entre a rama opulenta
Homúnculos do dia-a-dia
Espreitam a luz já coada
Nas faixas da fantasia

Os pássaros já não voam
E a terra come os sonhos

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Vida desafia-te no Outro



O que é que a Vida faz de ti e que queres fazer da tua Vida?

António Justo
Há meses encontrei um par de amigos embebidos um do outro: Ele esbelto e nobre, todo leão, ela jeitosa e distinta, fazia lembrar uma gata persa. Viveram alguns meses primaveris mas já se nota neles o desgaste rotineiro, com o nevoeiro outonal a apontar para um inverno já sem folhas e com poucos vislumbres de nova primavera. Os dois são personalidades nobres e extraordinárias, jovens ainda! Como todos, sofrem porque não notam que o que querem mudar e combatem no outro é a própria parte (polo) ainda oculta que cada um de nós traz em si, sem se aperceber dela. Homem e mulher são dois polos duma mesma realidade: o Homem integral, a humanidade!

Por vezes, perdem-se no jogo das escondidas, num tactear temeroso de interpretação recíproca de gestos e intenções. É certo que o gato, quando quer o carinho de alguém, não se vem logo pôr no colo da pessoa. Primeiro começa por encostar-se às coisas que se encontram em redor dele, para se fazer notar, à espera que se lhe passe a mão, para, poder então, prostrar-se a seus pés. Neste rodeio esconde o seu orgulho e satisfaz a necessidade de maneira formal.

Depois das intimidades primaveris estão a acentuar a parte superficial (fenomenológica) do ser (o ego), num jogo fatal de distanciamento e aproximação no tapete do pensamento. Ela ama-o profundamente mas tem medo de ser desiludida duma imagem de homem distante; ele ama-a também mas tem medo da desilusão duma imagem de mulher distante. Chego a ter a impressão que os dois se vingam, um no outro, da mãe (da mulher e do homem) em reparação duma infância inocente perdida. Adoram a mãe em actos de feminidade e masculinidade distorcidas. Nos intervalos lambem as feridas. Enquanto o cordão umbilical subsistir, maior será o desejo de liberdade e maiores serão as estratégias inconscientes para se não libertar da mãe (da fixação num só polo). O corte do cordão umbilical levará à construção dum eu não dependente, dum eu que integra o outro nele mesmo. Doutro modo este será sempre um obstáculo a uma união que se tornaria, inconscientemente, num obstáculo à simbiose primeira e que se quer manter à custa duma autonomia simulada. Na relação, nuns acentua-se mais a necessidade de se definirem pela demarcação, noutros pela simbiose.

Os dois sofrem de dores que por mim passaram e passam: as dores que geram a diferença das estações e deixam a voz do vento (tempo) nos corações. Ele sofre porque a queria mas nota que ela resiste a ser à maneira como ele a gera: à sua imagem e semelhança ou pior ainda à imagem e semelhança de suas ideias e ideais. No seu sofrer, ele refugia-se nas alturas intelectuais da águia, cada vez mais distante da natureza e mais queimado pelo sol da razão, não se apercebendo dele próprio, devido a tanto ver.

Ela, hipersensível, sofre praticamente da mesma razão. Só que desce ao profundo dos sentimentos e, encharcada de tanta emoção, por vezes, pouco vê além dela, devido ao nevoeiro emocional que a envolve.

Se não fosse o problema comum, realizariam neles o paraíso terreal antes da queda de Adão! Um problema conhecido de cada um, numa vida de espreita atrás do tempo à espera do próprio momento. Os dois sofrem como cães de orelhas pendentes e de desejos castigados, e fingem coragem e soberania de um perante o outro: aquela soberania construída que os impede de se encontrarem porque ainda não descobriram os opostos a descobrir, neles mesmos. Concebem a vida e o outro como dia com sol sem amanhecer nem anoitecer. Não seria oportuno adiar a vida numa concepção. Também não chega viver um dia de cada vez! De facto, o nosso futuro pode ser atropelado pelo presente, muralhado na cisma de porquês e de soluções!

Na ressonância da vivência quero descer à cave da vida e, contigo homem contigo mulher, fazer uma caminhada que é vossa e minha. Quando falo de ti, és tu e ele, ela e tu, e eu também! Em nós se juntam os polos opostos dum acontecer mais abrangente mas que persistimos em esquecer! Esquecemos a lei da complementaridade duma realidade maior  e de que somos uma parte!

Para possibilitares o verdadeiro encontro com ele/ela, terás de te concentrar no teu âmago e deixar de viver na e da distracção para te poderes reconhecer no todo e consequentemente nela/nele também. Ao encontrares-te no todo já “tens” o outro que então descobres em ti. Ele deixa de ser objecto, desejo ou projecção. Aí no encontro descobres a humanidade, a tua plenitude, passando a sentir o prazer da ressonância da feminidade e da masculinidade (do eu e do tu no nós), tudo em ti mesmo: os polos que pareciam antagónicos ao serem reconhecidos como parte essencial de ti mesmo geram novas energias e uma criatividade de auto-realização. A mesmidade ilimitada que surge da vivência da essência de si, de Deus e mundo no próprio centro, o eu-nós espiritual, entra na ressonância da relação pessoal e tudo compreende e supera. Então torna-se natural reconhecer a própria vulnerabilidade e nudez e deixar-se envolver e entregar ao outro; então torna-se natural perdoar e pedir perdão, desculpar e pedir desculpa; o perdão limpa e purifica o nosso espírito e fomenta a maturidade e a metanoia. As feridas causadas pelo querer ter razão revelam-se então como sombras que encobrem o outro e não passavam, muitas vezes, de formas de autopunição. Urge pedir perdão também a nós mesmos para podermos reconciliar os opostos e assim viver em paz connosco e com os outros. Torna-se importante pensar e questionar o próprio pensamento, para o poder então sentir. Torna-se importante ordenar a hipersensibilidade para se poder integrar a racionalidade do outro. Como se vê, somos todos muito iguais e muito diferentes; somos constelações onde acontece e se cruzam o eu, o tu e o nós.

Contas com o soalheiro da vida alegre mas não com o escuro da dor. A dor, porém, é a brisa que te leva para lá do tu e do eu, o lugar onde o tempo descansa e se perscruta a eternidade. Quando chegas a esse lugar, o passado e o futuro descansam para dar lugar ao brilho da luz imortal a cintilar no teu interior. Quando a chuva cai e o vento norte zune no teu ser, procura descer as escadas da meditação até ao teu interior. Uma vez lá, sentes o calor da energia divina a subir em ti. Então os nevoeiros do medo, da agressão começam a evaporar-se como o orvalho em manhã risonha. A paz e a alegria penetram em ti e tu emerges num agora eterno. Então as preocupações, desejos e receios não passarão dum bater distante de ondas à superfície dum mar profundo. Nesse oceano a minha alma ganha asas, chora, fala e canta e leva-me com ela ao cimo da montanha donde avisto o meu corpo, o meu ego, e sinto uma força maior que o puxa.

Na dificuldade, reservo alguns momentos para mim e começo por inalar a força positiva, a graça divina, que sinto a soprar em mim. Então o meu eu profundo e superior (ipseidade) – a minha permanência e a subsistência do mundo em mim - ilumina as dificuldades. Passo do pensamento e das sensações para o estado da intuição. Aí na cave do meu ser surge a fonte do bem e a energia da afirmação que transforma a disposição negativa em humor positivo fazendo reconhecer e sentir o aroma e o colorido da vida. Aí inspiro o bem, o belo e o amor num exercício de autossugestão que me leva a sentir o amor universal. Passadas as camadas do ego entro no meu âmago que participa do ser divino, o meu eu espiritual. Neste estado da minha ipseidade brota a vida eterna, a sabedoria e a força – a vida divina envolta no meu ser terreno.

Para embarcar e me compadecer com o outro com Deus e com o universo, não chega a introspecção, o discernimento; também é necessária a fé: a força positiva ascendente. No fluxo dos acontecimentos também o JC (Jesus) desceu aos infernos onde se encontram os indefesos e desamparados para os levar ao bem. Também eu, também tu descemos com ele para nele erguer a vida.  A experiência da paciência revela que tudo passa e que a graça, a benevolência, tudo sustenta. O desânimo leva-nos a olhar para o chão, prendendo-nos a ele. Fomos, porém, feitos para andarmos direitos e quando caímos nos levantar. Se, por vezes, nos encontramos encerrados na caverna, ao interiorizarmos a paciência do silêncio, notaremos o sol que nela entra e nos puxa para o alto.

O desapego das ideias e das coisas, como ensinavam os padres da igreja, ajuda a suportar a bagagem dos medos, desejos e preocupações que a vida traz consigo. Ao descermos ao interior da natureza entramos em sintonia com o universo reconhecendo nela e em nós o sol e a sombra dele num jogo alegre com o destino. Se as sombras da frustração desanimam, o perdão dá consolação e paz. A água da vida com as suas ondas, que à primeira vista nos parece avassalar e empurrar para a margem, também nos suporta se tentarmos mergulhar no seu interior.

O sol brilha para todos. Quanto mais abrirmos as folhas do nosso ego (autoestima exagerada), dominando-o, mais o sol penetra e dá cor à folhagem da nossa vida fazendo aquecer e pulsar o nosso coração. Então os estames brotam do nosso gineceu, o pólen voa e a seiva corre. A sombra das ideias negativas, as preocupações materiais e espirituais afrontam-nos e muitas vezes nem notamos que o que traz o dia é o Sol.

Em tempos escuros, entro no silêncio do templo e, aí, aceito as dores do corpo e das emoções e, ao orar, esses laços se desfazem passando a sentir uma realidade nobre. Então as tempestades das ideias observadas do interior perdem as forças das suas ondas e o intelecto transforma-se num mar calmo. Aí já não guio a vida mas a vida guia-me em mim. No meu interior abre-se uma porta que dá para o jardim do silêncio onde vive a sabedoria. Dele surge a força que arreda a dor. Chamaria a esse lugar, o jardim da Trindade onde o material e o espiritual, a tristeza e a alegria se encontram em acção inspirada e não na reacção. Uma vez chegado ao átrio do silêncio notas todas as forças em oração e sentes os entretons e riqueza de bemóis e sustenidos para lá das vozes do ego. Aí no teu interior sentes o “Reino de Deus”, a verdade em ti. Então, sentado à margem da ipseidade já longe das lutas do ego ouves o rumor do mar e do tempo a dar consolação. A natureza levanta-se e anda e seu coração brilha e pulsa no Sol que chama toda a flora a erguer-se e a segui-lo. Então Deus fala, tu e ela, ela e tu, nós, com Deus, participamos do mistério. Deus beija a terra no Sol e beija o Homem na inteligência. Então no encontro com a natureza, Deus reza em nós, para lá do nosso estádio de deserto, savana ou floresta virgem.

A dor e as dificuldades são a nossa escola. Quando à noite me envolvo no universo, apagam-se as luzes do meu orgulho e a nuvem da humildade cobre o deserto do meu ego. Na fraqueza sinto o surgir da força universal que me suporta e traz ao colo. Sinto então a energia das ondas em mim, o outro lado da calma. As ondas e o movimento não deixam que a água do meu oceano apodreça. Sim, o sal da vida é doloroso e o desenvolvimento é esforço, mas imagina a água do mar sem sal nem movimento... O azedo faz parte da vida; ele é o sal que a tempera e lhe proporciona duração.

Tenho de procurar a verdade tal como o botão procura o sol no verde para poder brilhar no colorido das pétalas. O que muitas vezes espero do outro é simplesmente a satisfação do meu ego, aquilo que o rebaixa a ele e me opia a mim. Tal como o verde das folhas se perde para ressuscitar nas cores da flor assim deve morrer o meu ego para poder ressuscitar na realidade do novo Adão (o meu eu profundo e nobre). Uma vez transformado o ego, encontro-me no chão da divindade onde se encontram as pessoas da trindade: ela, tu e eu, no nós abrangente do Paráclito. Aí a dor passa a ser o tempero e o movimento a relação entre incarnação e ressurreição. (Para mim, a Trindade é a fórmula da realidade toda numa). À desilusão na vida emocional e à dor na vida corporal segue o louvor (agradecimento) na vida espiritual. A cruz apenas me acorda da matéria para o espírito. É necessidade inerente à vida onde o sol brilha e Deus nos sustém. Quanto mais alto fica o monte do calvário mais se avista da vida. A felicidade não se encontra ao nível do pensamento porque este é alérgico à dor e esta encontra-se no seio da natureza tal como o sangue no nosso corpo.

A vida é feita de dor e alegria, como o dia contem a noite. Dor e alegria são mais que experiência; são condição vital. A fuga à dor é uma força instintiva do ego; é prisão à concupiscência sem compreender a necessidade da prisão do ter pena de si mesmo. Por trás dos acontecimentos há energias. Muitos ideais religiosos pretendem uma reacção positiva a diferentes situações. Autonomia e autoestima são valores de inter-relacionamento numa realidade do nós em que floresce o tu e o eu.

As bofetadas do destino estão em relação com o ego, a zona inferior do ser. A chave para se apagar as dores exteriores encontra-se no interior do coração. A força e a vontade exercitam-se resistindo à fraqueza.

Não reajas ao primeiro estímulo ou à primeira ideia; espera um pouco, conta até dez, não resignes. Se sentes ódio, imagina o sol do perdão que abre o horizonte. Sofre com o outro a dor que ele talvez ainda não sente. Tem compaixão – essa qualidade de sofrer e se alegrar com a natureza no outro. Se te queres superar, ora; na oração - também na oração secular – encontras a ressonância do todo no louvor e no perdão.

Há dias, uma pessoa amiga de 35 anos, em S. João da Madeira, pedalava numa bicicleta, quando seu coração deixou de bater. Caiu para o lado, deixando dois filhos, de três e cinco anos, uma mulher e uma grande casa. A dor subiu às casas deixando, banhadas em lágrimas, a família e amigos. O meu amigo Toninha “desceu aos infernos” banhado em lágrimas para depois “subir aos céus” e nos poder receber com um sorriso, a nós que lamentávamos a morte do seu filho.

A dor extrema leva-nos ao conhecimento último sobre a realidade da vida. No centro do eu profundo, o instinto e o ego são iluminados. Nestes momentos nem a religião apresenta solução para o mistério da vida, apenas ajuda a recuperar energias para novas etapas num processo de contínua mudança que pressupõe um contínuo repensar e metanoia. Em momentos trágicos, só o espírito pode mover as energias latentes em nós. Humildade e paciência são o plinto para se superar a frustração, o medo e a dúvida. As ventanias do destino obrigam-nos a agarrar-nos ou a deitar-nos ao chão para depois nos erguermos. É a lei da vida. Também as rajadas do Outono tiram as folhas velhas das árvores para darem lugar a novas.

 Resta-nos a generosidade e a compaixão. Faz bem a quem te faz mal. Ao perdoar, domestico o próprio ego. Na compaixão lavam-se as feridas da lembrança e regeneram-se as lágrimas engolidas. “Perdoai, como nós perdoamos”, diz o mestre da Galileia. Endurecimento é lei da matéria mas não do espírito. É preciso mudar a configuração da vida para poder mudar-nos a nós e mudar a sociedade.

Como a natureza segue o sol também nós temos de formar a vontade, uma vontade superior com uma meta teleológica a atingir. Para isso teremos de começar por nos perguntar o que queremos fazer da vida e o que a vida tem feito de nós. Para seguires a vontade superior teremos de depor as armas do ego, que são as armas da convicção e do querer ter razão numa realidade descontextuada. Teremos de entrar na ressonância universal. Para isso, além de procurar o bem é necessário entrar no relaxe corporal e espiritual, exercitando a fé integral. A resistência encontra-se em nós procurando fazer passar toda a energia da vida pelo pequeno fio de resistência que é o nosso ego (eu inferior). O ego serve-se das muletas do pensamento e do sentimento filtrando tudo à sua medida, encrustando a dor. Debaixo das ondas da dor descansa imperceptível a vida interior.

É preciso penetrar para lá das crustas físicas, mágicas ou mentais que constituem as órbitas do ego, para poder entrar em esferas superiores na ressonância da compaixão com o universo e com Deus que constitui o centro da ipseidade (eu nobre e profundo). Através do caminho da introspecção que conduz à vivência interior, o corpo e o espírito entram em sintonia começando tudo a fluir no amor.

Para facilitares o acesso aos reflexos da graça e à paz interior coloca-te numa posição agradável, inspira profundamente (respiração ventral) o sol e o amor e deita para fora a treva, expira os cuidados que tens em ti. Mergulha na energia divina, ela está em ti, está em tudo e cura tudo. Corpo e espírito mesclam-se um no outro. O corpo é expressão do espírito tal como a natureza é expressão do espírito universal. Tudo surge do espírito e se encontra a caminho dele. O universo vive em contínuo dar à luz, tu e eu, nele, também. A Terra regista no seu ser as diferentes regiões naturais/climáticas e também os ventos com as suas altas e baixas pressões que contribuem para um equilíbrio de afirmação e repouso a caminho de nova fase. Também as pessoas variam entre o entusiasmo e a depressão registando nelas as diferentes mudanças. Constatado este fenómeno comum à natureza e ao estado de alma das pessoas, há que intervir agindo para se não deixar ir na enxurrada de apenas reagir.

Amiga, amigo, desce à cave, despe-te da roupagem do ego que te não deixa sentir o calor e a maciez da pele do outro. Confia e confessa-lhe teus entusiasmos e mágoas. Desnudado e paciente transformarás os ferimentos do outro, modificarás aquelas dores que te fazem sofrer a ti e ao outro; elas transformar-se-ão em alegria para ti no outro. Em baixo, no chão da vida, nu experimentas a energia universal. Então sentes a energia do movimento de rotação e translação a convergir em ti e te descobrirás, com o outro, a caminho do ponto Omega de Teilhard de Chardin. Aí se junta a energia masculina e a energia feminina num só ser, o ser adulto. Então as ideias negativas, que são o veneno do sentimento e do pensamento criam novos espaços novas atitudes, salvando-vos um ao outro. Então os géneros não se juntarão para se afastarem. Um não quererá mudar o outro; não será mais professor um do outro, mas sim aluno um do outro. Um é a oportunidade existencial do outro para se poder desenvolver.

Desce à cave mas descobre, ajoelhado (a), em oração, na nudez assumida, a causa da resistência dum ao outro que impede a mudança para uma nova acção. Pela nudez passa e corre a água salutar que em vós jorra.

Enquanto o ego for movido apenas pelas forças centrípetas da inteligência e da emoção o eu adulto e o outro serão desvirtuados. Então seríamos meteoritos, que embora brilhantes, se encontram em queda livre, à margem das forças ordenadas nas órbitras da criação, faltando-lhe a ligação ao espírito do todo que tudo sustém (trindade!).

O Filho do Homem veio em Jesus e no Cristo e nós realizamo-lo também. Nele e em nós se reúne a deidade à criatura. Esta é a perspectiva: agir, ser senhor/a, e não apenas reagir como faz o escravo/a. Até a Terra reconhece que não é autónoma, reconhece e dá lugar ao Sol no seu ser. Fazemos parte duma ordem universal e do mistério para o qual importa orientar o nosso saber e sentir. Se entrares em ti, no âmago do ser, o espírito te guiará e não o ego. Não te tornes dependente; tens a gene do divino. Aceita a ordem universal a que pertences, não te tornes satélite e menos ainda meteorito. Não te sobrecarregues nem sobrecarregues o outro. Cada dia traz, para cada qual, a sua carga e esta já é suficiente.

O fatalismo tal como a liberdade da vontade são verdades condicionadas. Não podemos andar sem meta. Como o dia, trazemos em nós o sol e a noite, a alegria e a dor, a transitoriedade e a eternidade. Nós somos o sentido do ser!

Antes de tentares mudar alguém ou criticar uma situação ou nega-la pergunta-te primeiro qual é o ensinamento que ela te quer dar. Admite as leis da vida. Não fujas nem fiques na câmara escura do teu ser. Reconhece a luz. Se te orientares pelo espírito as mazelas perdem o brilho que o ego lhes empresta. O bem vence sobre o mal embora aparentemente pareça o contrário.

A dor duma pessoa centrada no ego (em si mesma) é mais forte porque não tem sentido. Só o tempo a apaga. O que se encontra nas esferas do espírito ultrapassa o tempo, conduz a uma maior consciência, uma compreensão integral dum todo complementar; nela se experimenta o sentido profundo da vida que não se pode confundir com o sentido dos remos que a empurram.

A dor pode purificar o ego egoísta no sentido duma identidade superior. O ego identifica-se no acontecimento e perde-se na percepção do mesmo. As vivências e experiências são oportunidades para dominarmos os acontecimentos sem nos tornarmos vítimas deles. Para isso, é necessário andar de braço dado com a vida no bem e no mal, para ir mais além.

Se desejas mudança em ti terás de mudar o teu ambiente, se desejas a mudança do outro tens de te mudar a ti primeiro. Sem mudança não há futuro e o presente não passa de recordação! A decisão é tua.

Quanto às feridas que uma pessoa tem é necessário deixá-las cicatrizar, doutro modo, quanto mais se arranha nelas mais elas sangram e se apoderam de ti. Se se torna difícil colocar os vestidos no cavide, por outro lado, também a nudez não é inocente…

Se queres ser tu, tenta pensar e agir a partir do nós! Nele fomos criados e a ele voltamos! De resto, “ama e faz o que queres” (como dizia já Santo Agostinho)!

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu