sábado, 31 de maio de 2008

SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL ABUSA DO REGIME DEMOCRÁTICO

Conjura dos Especuladores Globais provoca a Crise Financeira Mundial

A necessidade dum sistema financeiro global, o falhanço da alternativa socialista, a fraqueza dos sistemas políticos, interesses políticos e económicos interlaçados e nas mãos de sistemas comuns, são os ingredientes mais relevantes da crise económica em curso.

O povo cada vez arqueja mais com a carga de trabalhos mal pagos e de impostos; sente-se não tomado a sério pela elite. O capitalismo desculpa-se com a falta de formação das pessoas para possíveis empregos e tem o descaramento de afirmar que a injustiça é mais uma questão de sentimento. Por outro lado, embora em conivência com a política, a Economia desculpa-se com os políticos apontando-os, em voz baixa, como responsáveis na intenção de os usar como ópio para iludir o povo. Esperam do político que este crie uma atmosfera de optimismo crente que deve ver na moral um impedimento do desenvolvimento. Relegam a moral para a Igreja ou para a religião e mesmo aqui só na função de meio anestesiante.

A distribuição da riqueza e do bem-estar nacional bem como a possibilidade de acesso a elas, cada vez se tornam mais injustas. Não pode haver confiança numa ordem económica que não é justa no reconhecimento do trabalhador e que despreza mesmo um mínimo de ética social. O dinheiro, a proveniência social e a pertença a uma classe social, como na sociedade arcaica, determinam cada vez mais o currículo das pessoas.

O trabalho deixa de ser valorizado em favor da especulação. Não vale a pena trabalhar, não se reconhecem os talentos e a diferença do que recebe quem trabalha e quem não trabalha não motiva ao trabalho. O sistema tem bons mecanismos de defesa. A revolta impede-se financiando-se muitos milhões de desempregados e casos sociais com esmolas humilhantes. Numa sociedade cada vez mais virtual, os talentos só são reconhecidos nos centros da grande especulação.

Os ganhos são privatizados e as perdas socializadas

A ordem social presente é boa para os mais fortes. Quando o Presidente da Alemanha, Horst Köhler, um economista de grande relevo, se vê obrigado a afirmar que os mercados financeiros internacionais se tornaram monstros, a situação tem de ser mesmo caótica. Foi sintomático o facto da alta finança e dos bancos engoliram isto em seco e se calarem. Embora o governo alemão os tenha subvencionado com biliões de euros, para impedir a sua bancarrota e a perda de confiança no sistema bancário, os banqueiros não se dignaram pedir desculpa ao povo pelos erros cometidos.

A crise financeira com a cumplicidade dos bancos está a ser paga pelos contribuintes e não por aqueles que a causaram. Políticos e banqueiros arranjam-se entre eles e depressa, para que o povo não note o que realmente acontece. Aqui a solidariedade de baixo para cima funciona, tendo os pequenos de pagar as bolhas de ar dos bancos. Impede-se que bancos vão à falência e que milionários percam o dinheiro da própria especulação. Depois falta o dinheiro ao Estado noutros lugares. Os lucros da prosperidade são distribuídos injustamente.

Os operadores que investem globalmente e especialmente na índia e na China precisam dum sistema financeiro global. O mundo financeiro impera, à custa da disciplinacão do bem-estar do proletariado europeu e da calasse média. Esta é que suporta os riscos. Trata-se duma socialização do desenvolvimento, agora à custa dos mais carenciados em todo o mundo, atendendo a que, por toda a parte, quem sofre é a classe desfavorecida.

O valor do dinheiro é artificial, dependendo da procura especulativa sem um valor correspondente real de depósito em ouro como era outrora. Agora o ouro dos bancos são os cidadãos que funcionam como fiadores através dos impostos que entregam ao Estado. Os banqueiros que provocaram a crise são licenciados com indemnizações de milhões ou com reformas de sonho. Também os grandes accionistas não são castigados porque o Estado cobre a sua ganância e encobre as suas falhas. O Estado que só está interessado em impostos ajoelha-se perante a praga dos gafanhotos, os accionistas especuladores que, por sua vez só se interessam com lucros desmedidos. Um Estado no Estado. Nas inspecções e conselhos fiscais têm assento os políticos que são bem servidos. Nesta crise deixaram o rabo de fora mas pouco se mudará até nova crise financeira. Não se preocupam com a institucionalização de sistemas de alarme preventivo porque o povo é o fiador e os responsáveis entretanto safaram-se.

Um sistema que tão bem vive do sistema democrático não deveria humilhar a democracia nem os cidadãos a ponto destes se virem obrigados a compreender o terrorismo anónimo como única forma de reagir ao anonimato duma economia desumana.

Este sistema financeiro não se torna mais justo apesar de incluir nele também os especuladores árabes e asiáticos. De facto, a generalização do bem-estar pretendida pela globalização, a nível mundial e que deveria ir em benefício também da população simples, está a ser aproveitada por especuladores sem escrúpulos das oligarquias internacionais. O mundo preciso é de reduzir o número de pobres e não de aumentar desproporcionalmente os exploradores desalmados dos Estados.

A criatividade e a inovação têm de se orientar para o bem comum do povo. Seria falso se este sistema económico incontrolado viesse a justificar um socialismo barato administrador da miséria. A arrogância dum capitalismo exagerado fundamenta-se na constatação de que os agrupamentos ideológicos que lhes poderiam fazer frente não têm autoridade nem cabedal ideológico capaz pelo facto de continuarem presos nas ideias materialistas dualistas do século XIX já ultrapassadas pela realidade e pela ciência.

Urge interromper nas sociedades o automatismo da pobreza. Um sistema económico e social em que todos trabalham no duro e apesar disso só proporcione à maior parte da humanidade a dureza da vida do dia a dia não se pode legitimar a si mesmo nem dar resposta a pessoas com um estado mais desenvolvido da consciência. O capitalismo tem que recuperar o seu rosto humano que perdeu a partir da reunificação da Alemanha.

António da Cunha Duarte Justo

terça-feira, 20 de maio de 2008

O Problema da Democracia é o Problema de Deus

Secularização e Religião, duas Faces da mesma Moeda

António Justo

O sistema democrático bem como a sociedade liberal não crê, quer apenas administrar as crenças. Falta-lhe um tecto metafísico.

Tal como o capitalismo dos países nórdicos precisou dum protestantismo que lhe desse conexão e projecção, assim a nova sociedade democrática precisará dum cristianismo místico, capaz de dar resposta às novas exigências no respeito dos diferentes biótopos, de que se torne o tecto. Um povo sem transcendência perde a sua consistência e a perspectiva do futuro. Enquanto a democracia não recriar Deus verá aumentar os seus problemas sociais e humanos. Não chega um sistema económico ou cultural para lhe dar estabilidade e perspectiva. Também não chega fundamentar a ética no pragmatismo oportuno do dia a dia. Para darmos perspectiva à sociedade e seus sistemas terá de se operar uma colaboração interdisciplinar, infraestrutural a nível de toda a sociedade à semelhança do que acontece no reino vegetal e biológica, numa solidariedade orgânica. O leme do futuro para todos os sectores da realidade e da sociedade será: cooperação em vez de confrontação, num processo de transformação aberta mas coerente.

A crise metafísica da sociedade ocidental é semelhante à crise dos deuses da sociedade romana, que com Constantino, num acto de inteligência previdente, conseguiu adiar dando a liberdade ao cristianismo, condicionando-o embora. Naturalmente que o problema estará em saber que Deus poderá dar resposta satisfatória às necessidades individuais, sociais e globais dos problemas humanos e da sociedade. O problema do politeísmo democrático poderá ser solucionado, no mundo ocidental de carácter global, com a redescoberta do monoteísmo trinitário. Aqui terão que se empenhar teólogos e outros intelectuais para revitalizarem o carácter místico do cristianismo (anterior à reforma constantiniana). O cristianismo, na devida altura, deu forma a uma sociedade europeia em expansão baseando-se numa teologia petrina (dialéctica) e numa estratégia paulina de comunicação. Agora, que o Ocidente deixa o seu carácter expansivo para entrar na fase da consolidação e globalização, a sociedade já se encontra mais madura para poder compreender a necessidade de implementação da teologia joanina (mística) numa pragmática da realidade trinitária. Uma visão perspectiva (dualista) da realidade terá que ir dando lugar a uma visão e a uma estratégia aperspectiva (integral) de acesso e interpretação da existência.

Só na distância se reconhece o horizonte do lirismo e da metafísica, o significado da vida individual e colectiva. A sombra da omnipotência dá à realidade o brilho do seu significado. Para uma vida social significativa e com sentido não chega a luz da razão; também o coração conhece razões que a razão não conhece, recordava-nos Pascal. O espírito é silencioso, não dá nas vistas, mas é a essência da vida. Já se ouviu alguma árvore a crescer? A configuração da banalidade factual limita-se demasiado ao ouvir e ao ver! Se quisermos salvar a democracia temos de descobrir uma nova metafísica, ou melhor, temos de a desenterrar das catacumbas da religião. A política e a religião (cultura), para dar resposta aos grandes problemas do futuro terão de se preocupar com o problema metafísico a nível de Estados, de povos e de pessoas…Não chega a expansão oportunista dum capitalismo globalizado com os governos como acólitos. A física mecanicista e a filosofia materialista já foram ultrapassadas, teoricamente, nos fins do século XIX e princípios do séc. XX. Urge aferir o ideário.

A democracia para evitar o problema da “verdade absoluta” e o Deus concorrente, espalha o relativismo moral e o pragmatismo como doutrina oficial reduzindo para isso o papel da filosofia ao cepticismo. Na sua prática é politeísta. O politeísmo porém não consegue ser global nem dar consistência a um sistema orgânico global. A ausência de parâmetros e de fundamento estável questiona, assim, a legitimação de todos os sistemas, também do democrático. A vida dum povo e duma pessoa não pode ser reduzida a uma filosofia que se fundada apenas no banal factual ou em necessidades imediatas. Tal como o universo tem um fio condutor teleológico, também ao desenvolvimento dos povos e da pessoa está inerente uma força teleológica. Tudo se subordina à lei da ressonância e da harmonia.

O contrário conduz à cedência ao pragmatismo que implica uma entropia da sociedade que leva o Estado a colaborar com estruturas meramente dualistas de domínio não integradas no conjunto. A afirmação da dissonância em vigor faz lembrar as pragas do Egipto. Os grandes expropriam os pequenos não só das suas riquezas materiais como até dos bens espirituais. A radicalidade de uns condiciona a dos outros e o que é pior ainda parece dar razão àqueles que dividem o mundo entre os dominadores da cultura e os dominadores da economia. Parece que poder religioso e poder económico se necessitam como concorrentes num equilíbrio de forças. Enquanto as religiões se não preocuparem seriamente com a espiritualização dos fiéis, a luta duns pelo domínio dos bens espirituais e dos outros pelos bens materiais continuará nos moldes conhecidos polarizando e produzindo uma maioria vítima inconsciente. Os vencedores encontram-se do lado do poder, o resto continua massa.

O equilíbrio na conexão da realidade da vida social e individual, material e espiritual parece estar numa relação de necessidade tal como a relação dos corpos celestes que se encontram numa correspondência de equilíbrio de massa e forças. A nível superficial, se não fosse a interligação da massa e as forças centrífugas e centrípetas que mantêm os corpos, estes desconjugar-se-iam. A sociedade moderna e post-moderna não se preocuparam com o factor teleológico. Vergou-se ao predomínio social e político de elites irreflectidas que possibilitando embora um desenvolvimento epidérmico abdicaram do seu papel condutor para cederem à mediocridade instalada nas instituições sociais e do Estado. Os intelectuais, a universidade, a escola, a igreja, os políticos, os jornalistas e a economia abdicam do seu papel num Estado cada vez mais anónimo e repressivo que fomenta a destruição da classe média e deste modo a consciência cívica.

Um materialismo e um espiritualismo excessivos criam problemas em vez de soluções. São modelos dualistas que se excluem mutuamente. Também no universo religioso se encontram respostas mais ou menos problemáticas porque imbuídas do espírito dualista que reduz tudo à exclusividade. Se o Islão apresenta uma resposta cultural fechada, o cristianismo, que já satisfez a sua missão dos dois primeiros milénios, terá de se esforçar por encontrar uma resposta civilizacional universal aberta para este e para os restantes milénios. Se o islao implica a construção duma identidade fechada o cristianismo implica, na sua essência, uma identidade aberta. Para isso será necessária uma nova reflexão do religioso, aberta à mística em que secularistas e as várias religiões colaborem no encontro de respostas integrais. O Ocidente terá que redescobrir o cristianismo e purificá-lo de cargas culturais históricas para que a nova sociedade se torne compatível, à luz da fórmula trinitária, possibilitadora da interferência dialogal de materialismo e espiritualismo, tal como se realizou em Jesus Cristo. A alma do Ocidente, quer queiramos quer não é o Cristianismo. Esta alma purificada do domínio e da lei é a alma do mundo! A sociedade aberta será a consequência da verdadeira sociedade cristã, chamada a implantar e construir a relação nobre e nobilitante. Na fórmula trinitária não há discriminação nem a afirmação pela negação. Domina a relação da ressonância e da harmonia. A matéria Jesus não se rebela contra o espírito Cristo.

Toda a sociedade, toda a nação que reduza o religioso a um mero assunto privado desconhece a realidade e a complexidade da pessoa humana, não podendo estar à altura de lhe dar resposta aferida. A religião por seu lado precisa duma força secular que a impeça da tendência do abuso do poder ou da tentação hegemónica. A instituição religiosa é necessária também como correctivo do poder político que tende, por natureza, a instrumentalizar o cidadão. O problema tanto do chefe político como do orientador religioso é ambos cheirarem a próximo passando a política e a religião pela sua fraqueza individual e epocal.

Trata-se portanto de impedir fundamentalismos quer de carácter secular quer de tipo religioso e redescobrir, através dum esforço comum empenhado, os tesouros cristãos que se encontram entulhados debaixo da nossa civilização e que são património de toda a humanidade.

António da Cunha Duarte Justo

Mestre em Teologia

segunda-feira, 19 de maio de 2008

FUNDAMENTALISMO SECULAR E RELIGIOSO

Problemas de Legitimação da Democracia

António Justo

Todo o fanatismo esconde o seu rosto por detrás do véu duma crença. Mas toda a nação precisa do espírito tal como a vela, para o ser, precisa da luz. Um povo sem perspectiva metafísica definha e morre, tal como acontece com a planta sem sol.

A derrocada dos sistemas ideológicos e a ferocidade dum liberalismo, que nada respeita, criam na sociedade uma forma de vida desesperada. Para complicar a situação, Estados sem uma filosofia humana coesa que os sustente, deixam-se levar por um pragmatismo relativista na base duma sociedade mercantil desenraizada. A preocupação do Estado reduz-se na cobrança dos impostos e em fazer cumprir leis. O Estado liberal não conhece a comunidade, a pessoa, Deus; para ele tudo é relativo e o único absoluto, o único abstracto é o dinheiro. Daqui provém a gravidade da crise.

O espírito pessoal e a consciência de povo não aguentam ser reduzidos, a longo prazo, à soma das necessidades fundamentais materiais. Toda a ideologia sem metafísica se desqualifica como forma de vida satisfatória. A prova constata-se no surto do religioso que se observa na Rússia, na China e nos países mais desenvolvidos. Vive-se na contradição de exigência e realidade. Por todo o lado se observa uma fuga generalizada em metafísicas do mais variado género. O povo não admite que se lhe roube o seu único trunfo de subsistência, aquilo que nenhum Estado lhe deve roubar. O mundo islâmico constata que o avanço do Ocidente, sem um tecto metafísico que o una, conduz à decadência. Em contraposição aquele afirma-se apostando na lei natural, na metafísica e na procriação. Um fenómeno semelhante ao dos primeiros séculos do cristianismo no império romano. A sua fé revela-se mais forte do que o poder do nosso dinheiro, da nossa economia e tecnologia; têm porém um grande contra que é a sua falta de disciplina e a incapacidade de dar felicidade às pessoas já na terra.

O fundamentalismo é a consequência lógica da nossa sociedade, é um sintoma duma doença profunda da alma humana e da sociedade que a integra. Na Idade Média a religião informava toda a realidade social; então Deus ocupava todo o espaço humano. Hoje no mundo ocidental, a ideologia relativista/pragmatista passou a ocupar todo o espaço humano. Isto provoca reacções exacerbadas.

O fundamentalismo árabe dá-se conta disto declarando-se anti-modernista e reage contra um racionalismo, um pragmatismo e liberalismo que não deixa lugar para a pessoa humana, para o espírito. Está consciente da ideologia ocidental como caótica reconhecendo-a como extremamente perigosa para estruturas de poder estabelecidas. Por isso vê no secularismo ocidental o Diabo em pessoa.

É o medo de ser invadido por uma ideologia secularista sem lugar para a emoção profunda e para a religiosidade. De facto assiste-se a um absolutismo ideológico dum lado e a um absolutismo religioso do outro. As respostas duns são incompatíveis com as práticas dos outros. O mundo ocidental intelectual, numa fase já post-ideológica, reage com compreensão para este fenómeno, que com o tempo encontrará maior correspondência no seu meio, se não diagnosticarmos a tempo a nossa doença e não iniciarmos já uma terapia integral. Cada vez se reconhece mais que a realidade factual impossibilita um crer integrado para melhor se afirmar através da superstição, do preconceito. A política não é capaz de integrar os deserdados da terra nem as aspirações transcendentais destes. O capitalismo permanece porque consegue ajustar as necessidades do homem em contínua adaptação cultural. A imagem de Deus, como a imagem do homem é diferente de cultura para cultura e de época para época. Este facto leva muitos democratas a tirarem uma conclusão errada: fomentação duma democracia politeísta.

Se as pessoas, política e religiosamente, se tornassem mais espirituais e menos supersticiosas o fundamentalismo diminuiria. Se a espiritualidade aumentasse os problemas abrandariam e os políticos e chefes tornar-se-iam verdadeiros servidores (ministros) do povo. A pessoa espiritual é criativa reconhecendo o espírito que une todas as coisas. Para isso é necessária uma metanóia na nossa mentalidade a nível individual, político e eclesiástico. Não chega qualquer espiritualidade, é preciso um tecto metafísico que tudo cubra sem asfixiar ninguém. (Continua no próximo artigo com o título: “O problema da democracia é o problema de Deus”)

António da Cunha Duarte Justo

Mestre em Teologia

sexta-feira, 16 de maio de 2008

FÁTIMA – O ALTAR DE PORTUGAL DÁ MAU EXEMPLO

A Desgraça das Velas Electrónicas

Em Fátima na Basílica da Santíssima Trindade encontra-se um sistema de velas electrónicas em que os fiéis podem acender uma vela mediante a introdução duma moeda de 10 cêntimos. Na base desta modernice de mau gosto estão certamente argumentos racionalistas meramente tecnológicos e ecológicos. Uma necessidade exagerada de segurança à custa da vida e do espírito religioso mais genuíno já não poupa até a própria igreja. Esta prática testemunha uma mentalidade sem sensibilidade religiosa e sem respeito pela simbologia teológica nem pelo significado profundo da vela de cera. Esta ao ser substituída pela vela electrónica perde o seu significado espiritual e desvia o seu sentido.

Fátima, que recebe visitas de todo o mundo dá assim mau exemplo e fere a sensibilidade de pessoas com sensibilidade mais acurada e com conhecimento da simbologia cristã.

A primeira impressão surgida ao constatar tal fenómeno das velas electrónicas foi pensar que os responsáveis pensaram em satisfazer desejos de pessoas da aldeia sem grande formação religiosa ou que algum padre mais assistente social que teólogo se terá deixado levar por argumentos de carácter prático, como limpeza e ecologia, ligando o sentido da vela apenas a um pedido, uma oração ou meditação de carácter meramente racional. A constatação porém de que pessoas da província, em Portugal, não estão de acordo com esta aberração, mostra um espírito popular mais próximo da linguagem figurativa e do espírito religioso do que teólogos que pervertem assim praxes religiosas em mecanicismos materialistas. Na igreja espera-se encontrar a proximidade com a vida. A pessoa crente não se pode identificar com ideias iconoclastas numa igreja em que a artificialidade e automatismo técnico da máquina se afirma contra o autêntico e vivo. Este é um escândalo atendendo a que a autoridade religiosa impõe ao povo uma praxe de que não percebeu o seu alcance. Fomentam inconscientemente a banalização da religião.

Num lugar em que a perversão da própria fé, manifesta por pessoas simples através de práticas sangrentas que dão a impressão dum Deus desejoso de sangue, não deveria a hierarquia eclesiástica permitir que se pervertam práticas como as das velas electrónicas. Que o povo imponha a sua maneira de expressão religiosa ainda se pode compreender; o que é inaceitável é que responsáveis eclesiásticos, por falta de sensibilidade religiosa e de conhecimento do valor teológico e espiritual dos símbolos da fé fomentem hábitos atraiçoadores da própria espiritualidade. Fátima deve preservar o espírito simples e a mística profunda que lhe deu origem.

O ponto de vista prático é muitas vezes contra o belo e contra a vida. Uma contradição atrevida: Por um lado o Papa a pregar contra o pragmatismo relativista moderno e por outro os clérigos a instalar o relativismo pragmatista, atrevidamente, nas igrejas. Num país com fiéis exigentes e conscientes como a Alemanha, tal prática seria inconcebível. A pobreza cultural, porém, não pode constituir argumento para legitimar tudo.

Senhores chefes do Santuário, senhores párocos, desinstalem as máquinas de velas eléctricas; estas fazem lembrar uma máquina de fazer dinheiro ao serviço das companhias de electricidade que não se preocupam nada com a ecologia. Ou será que teremos de passar a reciclar o ser humano? A vela de cera é um símbolo da vida religiosa. Ela é símbolo da alma e da vida que se consome e assim irradia no mundo dando algo da própria vida.

Simbologia e significado das velas de cera

A vela é o símbolo da luz e da fé, é o símbolo por excelência da alma individual. É uma parábola da vida e do ser. Ela expressa de maneira especial a relação íntima de espírito e matéria. A vela acesa és tu, sou eu, somos nós, a mecha do mundo a arder.

Na chama se expressa a força extraordinária do bem e o poder destrutivo. A torcida a arder leva a cera a derreter-se participando assim a cera no fogo que simboliza espírito e matéria, a união de Deus e alma, de corpo e matéria.

A vela é conhecida desde a antiguidade no culto dos templos. No culto cristão, as velas, as abluções (lavagens), incenso, a música e as procissões têm um sentido e um valor que lhes advém do contexto litúrgico. Tem um valor simbólico de união entre o céu e a terra e que a finalidade de tudo é o espírito. A vela na campa dum morto recorda a chama como símbolo da claridade do paraíso. Na noite pascal é o símbolo de Cristo, a luz do mundo, e da ressurreição. Na Idade Média havia o costume de se dar como penitência normal estar de pé à porta da igreja vestido com uma camisa e uma bela acesa.

A vela foi sempre um símbolo da fé como luz viva que ilumina as trevas. A luz purifica, renova e fecunda. A vela como símbolo da nossa alma manifesta a nossa consciência de ser diferente, a nossa maneira diferente de estar no mundo. O espírito surge do nosso mais íntimo e se manifesta na luz. Tal como na trindade se pode ver na relação da matéria e do espírito o surgir do amor, a luz. A alma é como que a mecha que no corpo da cera se transforma no espírito, sendo assim símbolo da própria vida, revelando como alegoria o próprio ser do crente.

Ao colocar a vela no pedestal situo-me no centro do espaço tornando o meu corpo límpido em luz e calor irradiante. Romano Guardini, referindo-se ao significado da vela, dizia:”Não sentes perante ela algo totalmente nobre a despertar? Olha como ela está em pé, sem vacilar no seu lugar, levantada, pura e nobre. Sente, como tudo nela fala: estou pronta! Nada nela foge, nada nela se afasta. Tudo é clara prontidão. Assim ela se consome na sua determinação, irresistível, em luz e em ardor”. Na vela se expressa a nossa alma, a nossa atitude, o mistério que brilha em nós. Nela derretemos para a luz da verdade e do amor em Deus e no universo. À sua luz, todo o mundo se consome e ganha novo brilho. Deus olha-nos nos olhos e nós olhamos o mundo nos olhos transformando-nos com ele.

A luz da vela transforma o ambiente e mesmo as pessoas. Senão experimenta, sempre que recebes amigos e quando a penumbra desce, acender uma vela ou algumas velas. A sala, a mesa, as pessoas e a própria comida recebem um brilho mais quente, mais humano. Cria-se uma atmosfera de intimidade. O rosto dos comensais adquire um brilho diferente. O nosso corpo, através da luz das velas, reflecte melhor o brilho e o calor da alma. A luz torna-se o centro, tudo penetrando e nós sentimo-nos mais comunidade trespassados pelo mesmo espírito. Este bom hábito das velas cada vez mais espalhado no mundo “profano” abona a favor deste.

António da Cunha Duarte Justo

quinta-feira, 15 de maio de 2008

GOVERNO NÃO LEVA A SÉRIO OS ELEITOS PELA EMIGRAÇÃO - PORQUÊ? TUDO BATOTA?

Conselho das Comunidades Portuguesas – Resultado das Eleições 2008

Acabaram de se realizar as eleições para o CCP efectuadas por todos os países onde se encontram portugueses. Estas eleições ainda conseguem ter menor percentagem de votantes do que a eleição para deputados. Numa população de cerca de 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo apenas 12 mil portugueses concorreram às urnas para votarem os conselheiros. O CCP é um órgão consultivo do Governo.

Na Alemanha, com 132.092 emigrantes portugueses recenseados, votaram 655 pessoas. A lista A do círculo de Dusseldorf, Frankfurt e Estugarda venceu ficando com três conselheiros votados por 514 pessoas; a lista do círculo de Berlim e Hamburgo obteve um conselheiro que conseguiu reunir 63 votos.

Como explicar tal desastre na participação?

As instituições de carácter político na emigração, dum modo geral não são sérias; funcionam apenas para inglês ver, são instituições ao serviço da instituição e não do povo.

O CCP funciona para os governos de Lisboa como um álibi.

A emigração nunca interessou ao país, é um destino nacional. Tomar a sério os emigrantes implicaria ter de se ocupar seriamente consigo mesmo, e pensar não é nenhuma virtude portuguesa e para os governantes parece constituir blasfémia.

Por outro lado a inveja em relação aos emigrantes estende-se até às camadas mais relevantes do país e em especial aos partidos. Dos emigrantes há que esperar e não que dar!... De fora é que chovem as patacas.

O arrojo dos emigrantes mete medo a muitos portugueses para quem o lema e a súmula da vida é “vai-se andando”, “uma pessoa arranja-se como pode”. Os portugueses emigrantes, devido ao esforço sobre-humano de adaptação, adoptam também eles as características portuguesas de povo exausto passando a arranjar-se como podem, “Maria vai com as outras”. Os que se organizam fazem-no por amor à causa; destes porém não reza a história: em Portugal a história só se interessa com os espertos, os amigos da onça. Outros, para não se “sujarem” preferem viver no alto das suas torres e finalmente os outros, os tais representantes, esses fazem-no por amor à camisola do partido sem uma perspectiva de Estado nem de Povo. O povo resto, esse aprendeu dos seus “superiores”, que a Nação desde 1580 está de férias e que ele é tapete. O povo, com um instinto apurado, perdeu o respeito pelos que sistematicamente durante séculos o desrespeitam; prefere viver abandonado a si mesmo, com todos os perigos que isso implica e que constituem o vício português. Assim falta uma sociedade civil activa. Porque tomar a sério os eleitos se estes nunca tomaram a sério os eleitores?!...Também na emigração a ligação entre o trabalhador e os representantes políticos é uma relação de desconfiança. Este problema verifica-se de maneira mais acentuada na eleição de deputados e de conselheiros. Falta de sentido e de eficiência das instituições. Dá-se uma batota dupla. E os eleitos, na sua arrogância cega ainda têm o desplante de se queixarem dum povo que não participa e dum governo que não reconhece a sua importância!

Os eleitos não tomam a sério o povo e este paga-lhes com a mesma moeda. Os pretendentes a cargos só se lembram dos votantes em períodos de eleições. Joga-se o jogo do rato e do gato.

Falta a responsabilidade partidária e mais ainda o comprometimento político, os programas são mais pretextos que outra coisa. Na Alemanha, país que conheço bem, só a esquerda consegue apresentar algumas pessoas com uma certa capacidade de mobilização. Esta carga partidária foi a votada. De facto os outros ou não se interessam ou vivem encostados àqueles. Confia-se na ingenuidade de algum votante distraído.

A esquerda como a direita não se mostra interessada na defesa do que interessa ao emigrante. Em geral, metem-se em batalhas que têm a ver com postos nos consulados ou em embaixadas. Depois ainda se queixam que os governos não lhes ligam.

De facto não têm representatividade nem uma inserção na comunidade que lhes possa dar crédito. Além disso a sua fidelidade partidária impede-os de organizar medidas eficazes capazes de mover os governos. Gastam o seu latim em guerras secundárias ou vão passeando a sua importância de reunião em reunião. São pobres até no pedir e como também eles vivem da inveja, procuram aproveitar-se de tudo e de todos para engordarem a sua presença (falo da Alemanha que conheço, mas a avaliar pela participação nos outros países, não deve ser diferente, pelo menos na Europa).

São contudo muito boas pessoas e bem intencionadas; os vícios que têm são o vício português: uma população de indivíduos sem povo. Os conselheiros são os melhores servidores da imprensa, que assim facilmente adquire pessoas de contacto. Aqui está a relevância do seu sentido de ser. O resto é de esquecer. A qualidade, porém, da sua informação depende da base que os legitima. Assuntos como o cumprimento da Directiva Europeia reguladora da importação de carros e que é um assunto de grande importância para os emigrantes, nunca interessam a deputados nem a conselheiros.

O Governo encontra consequentemente a sua melhor desobriga em tais representantes cujas exigências não passarão de impertinências. Quanto aos sindicatos, a não ser o das representações consulares e diplomáticas, falta-lhes qualquer capacidade, legitimação e interesse. Os sindicatos estão divididos entre os interesses da sua clientela em Portugal e os interesses da clientela fora de Portugal que são contraditórios e naturalmente que milhares de representantes portugueses não poderão ceder a meia dúzia de representantes de fora (Fui organizador do SPE da FENPROF e membro de outro sindicato e tive de abdicar de todas as boas intenções; contra a força e contra o hábito não há resistência possível). Também os representantes sindicais têm um significado de pessoas de contacto para a imprensa, mas sem qualquer peso a nível de decisões.

O governo só reagirá a manifestações como as que a FAPA organizou em Estugarda e em Frankfurt, onde se manifestaram, no dia seis de Abril passado, cerca de 700 pessoas pela defesa do ensino de português e pela estabilidade na colocação de professores. Embora esta iniciativa fosse bem sucedida os socialistas não quiseram reconhecer o mérito da esquerda concorrente organizadora. A discussão entre os socialistas e os comunistas na Alemanha é sintomática da miopia partidária reinante. Os socialistas estão um pouco invejosos pelo facto dos comunistas se empenharem tanto nas manifestações de Estugarda e de Frankfurt. Facto é que a esquerda mais radical ainda é aquela facção disposta a tomar medidas mais eficientes e adequadas na defesa de determinados interesses. Quem quer sucesso, à portuguesa, que se infiltre nas instituições usando-as depois para se legitimarem e afirmarem…

Por tudo isto, CCP, Sindicatos e outros representantes não serão levados a sério por ninguém, atendendo à sua precariedade de legitimação e a um espírito português mesquinho, do “salve-se quem puder” ainda presente em muitas organizações.

O eleito interessa-se pelas suas coisas mas não pelas do povo. O povo interessa-se pelo dia a dia mas não pelas do eleito. Cada um anda preocupado consigo mesmo, com a família ou com o partido. Não há uma sociedade civil consciente; por isso Portugal se encontra em contínua derrapagem. Na precariedade não há tempo para o óbvio. Somos um povo ausente. O que vale é que o português se safa pela sua qualidade mística. Disto vivem todos!

António da Cunha Duarte Justo

sexta-feira, 9 de maio de 2008

REVOLUÇÃO PERMANENTE – A CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL E SOCIAL

S. PAULO – UMA VIDA NA LUTA PELA PESSOA LIVRE

Tarsus, onde nasceu o apóstolo S. Paulo, fica em território que hoje pertence à Turquia, junto à Síria. Lá se encontra ainda a Igreja de S. Paulo. Saulo/Paulo, conhecedor da filosofia grega, estudou também em Jerusalém junto do rabino Gamaliel, tornando-se depois membro do grupo dos fariseus (os fieis à lei). No ano 36, a caminho de Damasco, num encontro místico com Cristo, Saulo, que perseguia os cristãos, converte-se, passando a chamar-se Paulo. Conhecedor da dialéctica grega e da mística judeo-cristã dedica-se à consciencialização da pessoa humana como detentora da natureza de Jesus Cristo em si mesma. Quer que todos se libertem da lei e façam a mesma experiência mística que ele fez: “já não sou eu que vivo, é Deus que vive em mim”. A identidade constrói-se já não a partir do que separa mas a partir do todo que une e dá sentido até ao non sens.

Com o novo sistema moral e da salvação pessoal questionou o mundo moral grego e romano fundamentado no “divide et impera”. Escreveu pelo menos 7 de 13 cartas, sendo a primeira dirigida aos Tessalonicenses no ano 50 depois de Cristo. Percorreu mais de 16 000 km nas suas viagens apostólicas.

Num mundo romano da exploração extrema dos indefesos, ele procura aplainar os caminhos dos escravos e de todos os que sofrem anunciando-lhes a nova consciência. Para Cristo eles são filhos de Deus, não menos dignos do que o “divino” imperador. A sua mensagem transmite uma nova consciência à plebe e aos escravos. Também eles pertencem à casta divina num mundo de irmãos em que não há escravo nem senhor, grego nem romano, homem nem mulher. A definição do homem/mulher vem dele mesmo e não da lei ou poder exterior.

Em Antioquia (Anakya), Turquia, terceira cidade do império romano, viveu desde o ano 36 até 48 d.C. Aqui os seguidores de Cristo receberam pela primeira vez o nome de cristãos.

No ano 48 houve um concílio de Apóstolos e Anciãos em Jerusalém com a presença dos apóstolos Pedro, João, Tiago, irmão de Jesus, Paulo e Barnabé, para resolver as divergências entre as comunidades a respeito da observância dos preceitos rituais mosaicos nas novas colectividades. Alguns judeo – cristãos conservadores, queriam voltar à escravidão da lei e rejudaizar os costumes das comunidades nascentes com a observância dos preceitos culinários bem como com a proibição de sexo com cristãos provenientes de etnias pagãs. Paulo, com Barnabé, defende a liberdade dos pagãos convertidos e não obedece às orientações de Jerusalém, declarando a circuncisão supérflua. O plano de salvação iniciada por Cristo é universal e irreversível, argumenta Paulo. A revolução de libertação iniciada por Cristo não pode ser interrompida e encarcerada numa Igreja em que as suas leis se tornem em algemas substituintes das antigas.

No ano 49 Paulo deixa Tarsus para pregar na Ásia Menor e na Europa. O Historiador romano Sueton refere que já no ano 49 os cristãos provocavam “agitação”. A ordem social duma sociedade esclavagista é contestada nos seus fundamentos, pelos seguidores de Cristo. A divindade do imperador era contrariada pela dignidade dos filhos de Deus, dignidade comum a toda a pessoa. Deus é socializado passando a ser povo. A lei natural do mais forte é contrariada pela relação amorosa que tudo dignifica. O próprio decálogo é reduzido ao mandamento do amor. Isto é de tal modo explosivo e provocador que o poder estabelecido para poder subsistir declara a nova doutrina como ateia e contra a ordem moral do Estado.

Também Nietzsche constatava: “ O veneno da doutrina – direitos iguais para todos – foi semeado com maior radicalidade pelo cristianismo”. Paulo, pelas sinagogas onde passava, consequentemente, deixava a divisão como aconteceu na cidade de Filipe, em Tessalonica, em Corinto (cidade da prostituição onde ficou ano e meio), na Galácia, em Atenas, em Éfeso (onde foi preso ficando aí vários anos), etc. Finalmente em Jerusalém provocou a discussão entre os vários partidos dos judeus. Ameaçado de morte, apela para Roma onde tinha direito a ser julgado, na qualidade de cidadão romano. A divisão entre os judeus ortodoxos do templo e os judeus cristãos aumenta a ponto de João falar de “Sinagoga de Sátão” e os judeus tradicionais rezarem: “E que os nazarenos e os hereges feneçam instantaneamente e sejam exterminados do livro da vida”.

A acção e a visão de Paulo foram decisivas para a expansão do cristianismo. Os cristãos negavam-se a sacrificar vinho e incenso à imagem do imperador. O poder Romano mantinha a sua hegemonia a poder da espada. 90% da população vivia na miséria.

Paulo deixa a trás de si as pegadas de Jesus que pregara a resistência contra a opressão social e colonial. Também Cristo se insurgira contra a exploração dos lavradores da Galileia e contra o imposto do templo que ia até 21%. O imposto a pagar a Roma era de 14%. Mais que a religião no templo interessara-lhe a revolução dos corações, tomando posição contra as leis empedernidas e opressoras das instituições.

Jesus, ao contrário de João Baptista, afirmava a vida integral, vivendo com o povo, entrando na casa de ricos e de pobres, de bem comportados e de malcomportados e comendo com eles. A sua Boa Nova era muito humana tendo compreensão pelas pessoas e pelas suas situações. A nova fé ensinava uma verdade totalmente inovadora: já não era preciso ir ao templo para rezar dado cada pessoa ser templo vivo de Deus. A comunidade realiza-se onde dois ou três se encontrarem em nome de Deus. A nova mensagem contraria todas as doutrinas porque não é doutrina mas uma maneira de ser e de estar em si mesmo e no mundo. É a mais elevada experiência humana que se procura socializar espalhando-se a todo o ser humano. Esta consciência tem os seus limites numa sociedade que persiste em ser massa e entregue à comodidade do hábito e da banalidade factual. Mesmo assim, cada vez há mais pessoas a terem a consciência da “natureza de Cristo”.

O sucesso da nova “doutrina” é também explicável, segundo descobertas modernas em Jerusalém, em Nag Hammadi junto ao Nilo e nas catacumbas. Judeus – cristãos espalham a boa nova por todo o lado, servindo-se, a princípio, das sinagogas dos judeus da diáspora. Uma população sem direitos vê-se reabilitada pela nova doutrina; as mulheres sentem-se reconhecidas nela, porque o cristianismo propaga a igualdade de homem e mulher, o que não agradava nada aos romanos que consideravam a mulher inferior (meninas a partir dos 12 anos eram forçadas ao casamento, e, muitas vezes, também eram mortas logo ao nascer). Os pagãos propagavam o aborto e a morte de bebés (afogamento de meninas e de meninos fracos) enquanto que para o cristão a vida era inviolável. Os cristãos reprovavam o divórcio e o abandono das viúvas, criando para elas uma rede de assistência.

Nas cidades pululavam as prostitutas e os transvestidos. No meio dos extremos não havia lugar para a mensagem do amor. Paulo vê no corpo a sede do desejo. A mensagem do “amor ao próximo” e a fé dos cristãos era para os poderosos, como testemunha o historiador Tácito em 112, uma” superstição”.

Paulo andou por toda a parte. É também provável que tenha estado na Hispânia tendo revelado a intenção de lá ir na epístola aos Romanos. Uma tradição peninsular antiga fala em sete varões apostólicos enviados por S. Pedro às Hispânias.

De 64 a 67 Nero ordenou a primeira grande perseguição (christianos esse non licet) na qual Pedro foi crucificado de cabeça para baixo (ano 67). Paulo foi também martirizado (foi decepado em Roma com uma espada e não crucificado - por ser cidadão romano), provavelmente, no ano 67, em consequência da perseguição de Nero. Os cristãos reuniam-se de noite nas Catacumbas (só os corredores da Catacumba Domitilla tem 15 km.) tendo em consequência disso o imperador Trajano decretado um édito que proibia assembleias nocturnas. Especialmente no século 3° e 4° organizam-se massacres sistemáticos contra a Igreja. As perseguições terão provocado milhões de mártires.

Até ao édito de Constantino as comunidades cristãs reuniam-se em casas privadas onde celebravam a eucaristia e repartiam o pão, “remédio da imortalidade”.

Em 312 com o Edito de Milão terminam as perseguições. Constantino com o seu édito de tolerância religiosa dá liberdade aos cristãos e manda depois construir a igreja de Santa Sofia em Constantinopla (Istambul) e manda também publicar 50 bíblias de peles de cabra (700) com letras de ouro.

Com esta medida o cristianismo consegue uma grande expansão a nível de povos e no âmbito institucional afirmando-se o poder em desfavor da revolução. Este caminho foi porém necessário para se chegar a uma sociedade aberta possibilitadora duma nova consciência individual e social.

António da Cunha Duarte Justo

sexta-feira, 2 de maio de 2008

TAMBÉM A DEMOCRACIA JÁ VAI NUA

O socialismo derrubou o Estado Novo e o capitalismo vence sobre a democracia.

As revoluções liberais começam-se com a oferta de liberdade, igualdade, fraternidade e justiça. O povo, que não reflecte sobre as lições da história, vai na fita e acomoda-se. Entretanto os libertadores ocupam os postos dos depostos, dando continuidade à opressão e ao suborno, registando-se naturalmente um progresso quantitativo que não qualitativo.

No regime democrático iniciado com o 25 de Abril, tal como na primeira democracia portuguesa, faltam os pressupostos democráticos aos iniciadores da revolução.Numa e noutra não domina a razão nem tão-pouco a voz do cidadão adulto mas sim a força e a corrupção cimentada por uma mentalidade autoritária.

Assim, transformam a nação numa coutada partidária, ainda antes do povo entender o que era democracia e o que significa liberdade.

Sem uma consciência de povo nem de nação, tratava-se de sanear pessoas de postos e ocupá-los por outras. Pessoas espertas, depois de terem calcado a bandeira portuguesa no estrangeiro, importam, também agora, daí ideias a que se encostam. Não parece haver a consciência do que se é nem do que se quer. Não são personalidades que fazem a história mas a história que lhes atribui personalidade!

Mesmo hoje, depois de 30 anos de exercício, até no parlamento, não há o mínimo de respeito pelos colegas parlamentares. Causa náuseas, por vezes, observar o sorriso sarcástico e as respostas de carácter pessoais que um PM dá aos intervenientes de partidos concorrentes. Um povo simples habituado às reacções dos chefes dos seus clubes de futebol não exigem mais dos seus governantes e até pensam que a resposta ad hominem dada pelo PM é bem dada. Portugal cada vez se degrada mais para um país de adeptos e de adaptados. A realidade passa a ser projecção e a inteligência esperteza. Enfim, um povo plateia, com políticos que não estão, sequer, à altura do profissionalismo dos seus jogadores de futebol. Apenas os superam na conversa; comungam da corrupção. Consequentemente, um povo, de memória curta, já sem força para levantar a voz nem o rabo, lá se vai arrastando para as urnas do voto, na cumplicidade de jogo pelo jogo. Cada vez o faz menos convicto. Talvez o desencanto do adro político!

Fazem leis que dizem legitimadas em nome dum povo que desprezam e teimam continuar a desconhecer. Já não conta o problema da legitimação. Naturalmente que a democracia não soluciona o problema, por vezes contraditório, da decisão legitimada democraticamente e da decisão legitimada pela razão. Na ditadura a legitimação assenta no poder do ditador. Na democracia no poder do grupo mais forte, mas também não na razão. Apesar de tudo isto a democracia é um bem superior a defender-se. Os políticos esbanjam-no e maltrata-no. Deslegitimam-no atendendo à arbitrariedade da força normativa em que se baseiam. Do autoritarismo duma economia de plano passou-se para o autoritarismo da economia liberal. Antes decidia um sistema hoje o outro; ontem um de carácter pessoal, hoje um, sem carácter, anónimo.

Não se trata de colocar o problema da ditadura ou da democracia mas de ver como o Estado trata os cidadãos e como trata espacialmente os mais carenciados. Certos investimento em campos de futebol e em objectos de prestígio à custa do investimento na produção, desrespeita o povo. Investe-se na capital o que se rouba à província. Estes são, muitas vezes, investimentos para inglês ver!

Temos uma democracia que devemos defender. O que nos falta na classe dirigente são homens democratas da craveira dum Salazar dos bons tempos mas naturalmente modernizado. Faltam-nos homens que sejam capazes de cometer erros mas que se afirmem na defesa da nação e do povo. Não se trata de exorcizar o presente nem de nega-lo, mas de se não deixar ir na enxurrada.

Os políticos encostam-se à liberdade e a economia à liberdade de consumo. Chegou-se porém a um ponto em que o crescimento do consumo já não satisfaz nem é comprável por grande parte da população. Passa-se a um consumo à custa da liberdade e da dignidade. Isto porque a política se sujeitou à economia.

Os vendilhões do templo da Democracia

A democracia não parece já interessar-se pelos cidadãos que são tidos apenas como consumidores e como contribuintes. Um estado que reduz a ética do capital ao imposto sobre ele não é independente e torna-se supérfluo. Uma empresa privada faria então melhor o seu papel do que o Estado.

Uma democracia que permite que um seu cidadão ganhe tanto ou mais num mês como um trabalhador simples em toda a sua vida não merece o nome de democracia. Essas diferenças não se davam num tempo do capitalismo mais moderado. Hoje, um super-capitalismo inteligente sabe influenciar com as suas lobies a política e comprar os políticos com ofertas às suas fundações e organizações (que se podem tornar em instrumentos de lavagem de dinheiros e da compra de consciências que se dizem ao serviço do povo). É preciso expulsar os vendilhões do templo da democracia. A democracia está em perigo. A gravidade da crise é ser colocada em perigo pelos que a representam e se servem dela.

Robert Reich, no seu livro Superkapitalismus, dá pistas muito úteis para uma coexistência respeitosa entre cultura política e cultura económica no sentido de se dominar o super-capitalismo que já domina sobre a democracia.

António da Cunha Duarte Justo