Da “Linguagem sexista” ao Domínio da Consciência
social através da Novilíngua
Por António Justo
Cada época, cada grupo, cada pessoa, quer possuir uma identidade própria e
para tal constituir a sua narrativa como se só ela fosse a norma; para tal tenta
afirmar os próprios vestígios na discrição ou na forma de interpretar e
apresentar os mesmos fenómenos da vida humana que se repetem ao longo da
sociedade e da História. É uma tendência natural confirmada na natureza ao
observarmos cada planta a afirmar-se na procura do seu sol. O mesmo se observa
na selva da polis, onde cada grupo pretende colocar o outro debaixo da sua
sombra. Se outrora se vivia mais ao sol de Deus-Pátria-Família, hoje procura
viver-se ao soalheiro de Dinheiro-Mercado-Ego sexual. Num tempo em que a
justiça social e a democracia política e económica já ultrapassaram o seu
zénite a luta das reivindicações passa a ser no campo da gramática.
No Brasil a presidente Dilma para granjear algumas almas com asas da cor do
seu género, determinou ser chamada, senhora “presidenta”! Às vezes parece que o
erro vale como trunfo, não fosse o português brasileiro!
Neste sentido, a 13 de Abril, mas de forma mais moderada, o Bloco de
Esquerda (BE) recomendou ao Governo a mudança do nome do documento de
identidade “Cartão do Cidadão” para “Cartão da Cidadania”. Para o BE, a
expressão Cartão do cidadão pertence à “linguagem sexista” (1).
Para os lutadores do género, a
palavra “Cidadão” no cartão de identidade, torna-se desconfortável, porque favorece um sexo
ao apontar para o apêndice terminal masculino da palavra, o que fere a
sensibilidade de certas almas habituadas
a ver tudo sob o ângulo do sexo, o que as predestina a terem de andar à
espreita dele também na morfologia gramatical. Então, porque não voltar à
designação “Bilhete de Identidade” por ser de dimensão mais aberta e de forma
mais ambígua, dado a terminação da palavra em “e” não ser de provocação tão
“sexista” como as terminações em “a” ou em “o” (2)?
Frustrados do Homem e da economia
aproveitam-se da sociedade para criarem um novo indivíduo e, com ele, uma
“novilíngua”; já que o povo não se muda, tenta mudar-se-lhe a gramática! Vai-se
tendo a impressão de não nos quererem cidadãos, apenas nos quererem imaginar indivíduos
abúlicos, portadores da sua cidadania. Sabem como é que se faz História e que para
tal é necessário mostrar a consciência disso. Por outro lado, que seria dos
culpados se não houvesse os inocentes?
A prova de que o que está em jogo para o BE, não é o preconceito nem a
discriminação mas sim a conversa em torno deles, vem do facto de não advertirem
também para o caso de, no Cartão do Cidadão, se encontrarem registados outros
dados ainda mais propícios ao preconceito e à discriminação; entre outros: a
idade, o sexo, a medida, a assinatura, a fotografia, o nome; de facto, todos
eles potenciam a discriminação e o preconceito.
Registos a evitar para obstar à discriminação/preconceito
Abula-se a data de nascimento no cartão: a idade é um dos grandes
factores de preconceitos e de discriminação; até o comércio e a indústria já se
servem da idade para fazerem a sua propaganda adequada ao grupo etário, o que
se torna numa afronta ao direito à protecção de dados.
Abula-se o uso da fotografia: através da foto pode-se deduzir
qualidades temperamentais e tendências da pessoa para quem sabe um pouco de
fisionomia. Através da análise do rosto pode-se chegar ao conhecimento de
características psicológicas e seus traços de génio. Até a pele, mais ou menos
bronzeada, também pode ser indicativo de pessoa mais ou menos sexy, o que
também pode fomentar prejuízo ou discriminação.
Abula-se a assinatura: a escrita à mão também sofre da
mesma peçonha porque quem tiver conhecimentos de grafologia pode usá-la como
método de interpretação temperamental e de diagnóstico psíquico, podendo
descobrir, através da assinatura, indicadores de personalidade. O manuscrito torna-se
assim num factor de discriminação e preconceito.
Abula-se o nome: pelo nome pode chegar-se à etnia, religião e, por
vezes, até à classe social.
Abula-se a indicação da nacionalidade: é factor de
discriminação e de preconceito atendendo à escala do prestígio e de diferentes
direitos dos Estados. Além disso os polipátricos ficam na indefinição entre o jus
soli e o jus sanguinis.
Abula-se o registo do número do contribuinte: permite o
controlo do cidadão e o registo dos três números (n° de identidade, do
contribuinte e da saúde) facilitaria um governo espia.
Não falo já de fomentadores
especiais de preconceito e discriminação que se escondem atrás do porte e do
trajo, devido às consequências que poderiam levar ao estabelecimento do
nudismo. Também a indicação de pertença religiosa ou partidária se torna, cada vez
mais, num alimento do preconceito a que se pode seguir discriminação positiva
ou negativa.
Uma consequência lógica passível
de compromisso para o registo civil: substituição
de todo o nome por números; seria a medida mais lógica contra o preconceito e a
discriminação e o mesmo pacote legislativo teria a vantagem de unificar também
o sexo. Depois poder-se-ia passar ao nome de ruas e de monumentos! Mãos à
obra, trabalho não falta para os iconoclastas de uma sociedade egoísta e narcisista que só reconhece a própria imagem como
ícone. Se continuamos a acção radical do
neo-marxismo, a solução será irradiar a pessoa para se acabar com as máscaras e
todos os vestígios culturais.
Neste sentido, seria mais adequado apressar-se a abolição da linguagem e do
pensamento; então encontrar-nos-íamos no paraíso terreal sem discriminações
percebíveis entre todos os animais; sim, até porque na realidade não há
conceito sem preconceito e aqui é que se situa o busílis de toda a questão! (3)
Conclusão
Fora de brincadeiras, o que aqui está em via é uma estratégia para
reinterpretar o mundo e impor um discurso e uma lógica a um povo de cérebro bem
lavado e como tal impróprio para vírus e bactérias; como o neo-marxismo já não
tem mão sobre a economia procura tomar conta da arena pública assenhorar-se da
linguagem do povo e, com ela, da sua consciência. Partem do princípio de que
quem tem o poder da interpretação é senhor!
Tornou-se moderno ter à mão o
sexo para chamar as pessoas ao regaço da ponderação moderna. Quem tiver mão
nele tem mão em toda a sociedade. Assim, para quem quer poder, não há nada mais
recomendável do que tornar-se senhor do sexo, servindo-se também da sexualização
do género gramatical. Trata-se aqui de
usar, para o público em geral, o outro pendente da sua doutrinação sexual nas
escolas, nas tais aulas de “inocência” sexual para crianças ainda verdes que
devem aprender a não ter preferências e assim formarem uma sociedade
despersonalizada e sem preferências que esteja preparada para só preferir o que
os que dominam a ribalta pública lhes apresentarem.
A sabedoria portuguesa costuma
recomendar: „nem tanto ao mar nem tanto à terra” e a sabedoria europeia ensina:
A virtude está no meio e não se encontra nos extremos! Apesar disso não se pode
ser radical contra os extremos porque eles é que aguentam o meio! É certo que
no uso da linguagem deveria haver mais equidade e ponderação; para levar isto
avante, o melhor meio seria a arte e a cultura em geral mais que as terapias de
choque dos políticos.
António da
Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=3655
(1) Agradeço ao BE a oportunidade que me dá para reflectir um pouco sobre um
aspecto da problemática do Gender (género) tão cara ao BE e deste espalhar um
pouco de nevoeiro com a minha nortada.
(2) A lógica do género sofre de antropocentrismo em questões do trato do género
gramatical não tendo em conta, animais, plantas e coisas!... Não perscrutam a
injustiça no caso dos sobrecomuns, só com um género gramatical: a pessoa, a
criança, a vítima, a criatura, a esquerda… Em tempos de esquisitices também não tratam bem os
nomes “comuns de dois” : o/a jovem, o/a artista, o/a presidente, o/a fã, o/a
turista, o/a imigrante.
Também os há,
os nomes epicenos, com um só género gramatical, e sem diferenciação de sexos:
será de obstar ao mal da cobra e do jacaré que englobam na mesma palavra o
macho e a fémea; na cobra (macho ou cobra fémea) é discriminado o macho e no
jacaré é discriminada a fémea.
Mais uma questão, para os advogados do género resolverem: Nota-se grande
falta de lógica do género no emprego do masculino para a palavra tinteiro e o
uso do feminino para a palavra caneta, já que, do ponto de vista da “linguagem
sexista”, o pormenor está na tinta!…
Na mesma ordem
de ideias será de preparar uma moção para o próximo congresso do BE: A mudança
do nome “Bloco de Esquerda” para “Bloco do Esquerdo e da Esquerda” para que no
partido o sexo feminino não bloqueie o sexo masculino.
O uso do
pleonasmo “queridos portugueses (os) e queridas portuguesas” vai ganhando terreno
usando-se mais em deferências de cortesias pessoais mas que não fazem parte do uso
gramatical.
(3) Abula-se o prejuízo da discriminação baseada no preconceito da
anti-discriminação!
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