O Presépio é o Protótipo da Ipseidade (Eu) e de toda a
Vida
Por António Justo
Advento quer dizer chegada, é o
tempo de espera e de esperança. Liturgicamente, o tempo de espera é o tempo
grávido que vai até ao dar à luz: o natal acontece hoje e sempre na gruta do coração,
onde se dá a revelação d’Aquele que é, que era e que vem (Ap 1, 4-8). Ele não
foi nascer no templo nem no parlamento, nasceu e nasce numa gruta da terra
ainda virgem e aberta a tudo e todos, onde se pode encontrar pobre e rico,
crente e céptico, toda a pessoa de boa vontade, aberta e disposta a deixar-se
surpreender para dar oportunidade à criatividade.
A caminhada de Maria e José para
Belém é o símbolo da caminhada histórica e mística da vida de cada um; é a
caminhada para nós mesmos, a ida ao encontro do nosso centro e ao mesmo tempo o
início e a meta de nós mesmos e do universo. José e Maria sabiam para onde ir,
tinham um objectivo: Belém e dar à luz Jesus nas suas vidas e para o mundo.
O Advento é uma caminhada, um percurso
com altos e baixos, com ventos e acalmias. Séneca dizia: “Nenhum vento sopra a
favor de quem não sabe para onde ir”. Todos nós andamos na barca da fragilidade
e da insegurança mas, das velas da nossa vontade, depende o aproveitamento do
vento para a levar ao trajecto do que fica e não passa.
Na gruta de Belém, longe do bulício
da cidade, o divino infante nasceu na companhia dos animais e da família, onde razão
e coração se encontram unidos, onde não há oligarquia nem tirania.
Hoje o presépio de Belém
simboliza também a gruta do nosso coração. Se descermos os degraus da caverna
do nosso interior, chegaremos ao íntimo do coração onde borbulha a água viva,
tudo o que é divino e ultrapassa o tempo; nessa gruta, no limiar do nosso
espírito, brota a vida e brilha a luz, o Deus menino. Vale a pena tentar; a
vida é uma tentação contínua, toda ela tricotada de bem e mal numa espiral
ascendente! O que fica e mais nos caracteriza é o caminho feito e o aroma do
amor que o cobre.
Para se nascer e acordar para a
vida não é suficiente ficar-se pela superfície seguindo caminhos já feitos; é
preciso arrotear o próprio para vivermos e não sermos vividos. Para isso é
preciso entrar-se numa gruta, lá onde se encontra o tesouro enterrado. Esse
tesouro é o nosso eu no nós, a nossa ipseidade que participa da natureza divina,
um mistério que envolve matéria e espírito, que une a “realidade” ao sonho, o
todo e o particular numa relação de complementaridade. Aí poderemos ressurgir na
criança que ao ser acariciada provoca em nós uma nova consciência e uma mudança
na vida. O presépio é o protótipo da vida e da Ipseidade (eu integral), é a
fonte do eu a brotar do nós.
António da Cunha
Duarte Justo
Teólogo
Pegadas do Espírito no Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=3975
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