Contradições no Pensamento do Líder religioso tibetano
António Justo
O livro “Um Apelo
ao Mundo - O Caminho da Paz em Tempos de Discórdia”, do Dalai Lama e Franz Alt,
pretende propagar uma nova ética secularista que ultrapasse culturas e
religiões, no sentido do espírito latifundiário das Nações Unidas. Percebe-se,
pelo seu teor, a intenção de conectar o "politicamente correcto" com o
budismo monista (1) e assim melhor espalhar um programa mundial urbi et
orbis, sob a bênção de sua santidade o 14.º Dalai Lama, como se tal programa
fosse a receita para a resolução dos problemas do “nacionalismo, da crise dos
refugiados, dos conflitos interculturais, da igualdade de género ou da
neurociência” (2).
Serve-se de teses (3) que soam bem, mas que carecem de fundamento, chegando
mesmo a ter um caracter exclusivo (não inclusivo) e, por vezes contraditório, o
que contradiz o seu pacifismo proclamado; pode-se reconhecer, como substrato do
ideário apresentado, uma intenção de servir uma agenda comunista materialista,
ao serviço de uma política da ONU; isto também no que respeita ao Pacto da Migração .
Usa teorias como: “A ética é mais profunda e é mais natural do que a religião”
... Numa pretensa inclusão, revela uma
estratégia do “ou…ou…” e da exclusão sem ultrapassar sequer a estratégia da
culpabilização. Trata-se mais de um texto de boas intenções e de propaganda pelo
poder secular.
O programa da Unesco e a posição do Dalai Lama
pretendem estabelecer a mentalidade de que a ética é mais importante que
religião. Na intenção de se criar uma ética universal secularista, pretendem
ver a ética desligada das culturas e das religiões para as submeter a uma ética
natural orientada apenas pela razão abstrata. Pelo que se depreende do texto
para fundamentar ou explicar juízos morais seriam suficientes o sentimento da
compaixão, a cooperação inerente à evolução humana e a faculdade da razão.
Trata-se de um texto
interessante, mas também ele provocador porque, para favorecer uma ética secular
descontextuada, serve-se de uma mundivisão materialista monista; é
compreensível a preocupação do Dalai Lama, atendendo ao jacobinismo islâmico
desestabilizador de sociedades e Estados por todo o mundo; isto porém não
legitima esta tentativa de determinar um tipo de comportamento social e humano
em todo o mundo, pautado por um juízo categórico
de valor universal secularista e arquitectado em contraposição às religiões; não
chega servir-se do crivo simplicista da razão (de que se apodera), passando por
cima dos mais variados dados filosóficos e sociológicos do campo da ética, e,
para mais, quando a acção implica uma
colaboração na campanha do fomento de preconceitos contra o fenómeno religioso,
e, como se isto, não correspondesse à tentativa monopolizadora de derrubar uma certa
diversidade cultural, religiosa e nacional para tentar solucionar o problema
islâmico e de concretizar aspirações dos ideólogos do domínio do mundo (governo
mundial). Tanto os crentes como os não crentes são pessoas e, como tal, são
capazes de qualquer tipo de comportamento positivo ou negativo. Importante é que
eles se submetam às leis dos países onde imigram. Ou será
que, na política da ONU, a mistura dos povos é mais importante do que manter uma
certa autonomia cultural? Na falta de uma vontade económico-política para a
mudança deve a vontade cultural sofrer…
O livro inclui o risco de
ser usado como catecismo para ideologias marxistas que andam à boleia de
organizações da ONU, ONGs e organizações políticas de esquerda como é o caso do
pacto da esquerda latino-americana Foro de São Paulo. A corroborar esta ideia estará também o
facto de o livro ser publicado em todos os países do mundo.
Para a Unesco e
para o Dalai Lama, a educação ética , tal como pressupõe Habermas, na sequência
da doutrina socialista da Frankfurter Schule, é vista como prevenção contra a
radicalização da sociedade; por isso e atendendo ao “pluralismo religioso e
ideológico” as religiões devem estar prontas a “ter reconciliado o privilégio
do conhecimento das ciências socialmente institucionalizadas, bem como a primazia do Estado secular e
da moral social universalista com a sua fé".
O Dalai Lama, ao manter-se na confusão, toma partido pela filosofia do
mainstream partindo da filosofia materialista de que religião é um subproduto
da evolução.
Em texto claro,
quer isto dizer que se pretende pôr o problema na civilização ocidental (sem diferenciar as religiões), como se esta,
devido à imigração muçulmana, estivesse obrigada a prescindir dos seus valores
e cultura para se submeter (a longo prazo) a uma mera racionalidade (ética
secular como super-religião) que facilite as intenções de criar um governo
central global (ONU), correspondente aos seus inicias promotores maçónicos.
A cultura
ocidental e a religião cristã, que até agora se orientavam pela visão da pessoa
humana como cidadã de dois reinos (a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus), deve abdicar da sua liberdade soberana para se submeter ao Estado
secular, à doutrina materialista do Estado com o seu sacerdócio universitário, que, para tal, só reconhece a sua lógica racional
como autoridade para melhor poder prosseguir a sua acção de desintegração da
cultura ocidental, também mediante o fomento de imigrantes de cultura árabe
(para os dominar só vêem como saída a hegemonia de um estado secular forte!);
estes também são usados como meio e, ao mesmo tempo, como pretexto para uma
melhor imposição da agenda marxista, também ela implementada por organismos da
ONU.
Para melhor se ter
mão nos muçulmanos e em nome de uma educação das religiões cria-se uma
instância absoluta (estado e universidade superiores à consciência) como se,
para isso, fosse possível apenas uma ética meramente racional; parece tratar-se
de se deixar o modelo europeu para, pouco a pouco, se seguir o tipo de Homem e o
modelo chinês como possível molde político, antropológico e sociológico para
todo o mundo. Em nome da globalização e
de um novo modelo de sociedade, no sentido do Pacto da Migração, a sociedade
ocidental terá de renunciar ao seu modelo de civilização.
O cristianismo,
que reconhece a separação de poderes (âmbito secular e religioso) é colocado ao
mesmo nível do islão que não reconhece tal, e pelo facto de se encontrarem
muitos muçulmanos, na Europa, a civilização ocidental deve submeter-se ao
ditado secular ateu que, a pretexto da sua razão, quer aplanar o caminho a uma
elite política secular, para a qual não basta o poder político, mas que se quer
ser também em posse do poder ético-moral. Criam-se os pressupostos para o
controlo total.
Um componente da religião
cristã é a filosofia com o seu instrumento da razão, pelo que os críticos da
religião não podem alegar explicações racionais para a negarem, porque tanto o
materialista ateu como o cristão fazem uso da razão, só que em diferentes
contextos e, como tal, é de pressupor a consideração e o respeito mútuos,
também como filhos ou produtos da mesma cultura.
A circunstância de
nos movermos numa sociedade pluralista e com tendência de um islão cada vez
mais presente nela, não é suficiente para motivar a divisão na sociedade
ocidental mediante a criação de uma ética secular materialista como algo mais
importante que a religião, como se uma ética mundial secular e religião
tivessem de ser incompatíveis (caso, por enquanto, apenas verificável no
islão!) e em nome disto que se fomente uma filosofia marxista de modo a
torna-la uma panaceia universal legitimada pelo facto de se referir à razão,
predicado que ela não merece como se viu na sua História.
O facto de o Dalai Lama embarcar neste sentido e de ter sido adoptado
como profeta do programa em via (principalmente a partir da queda do socialismo
soviético), não é tão inocente como parece, porque vem favorecer o
fortalecimento da mundivisão budista no domínio do mundo a nível global e
querer legitimar o monopólio de um estilo de vida regulado por princípios
marxistas.
Não é legítimo querer
uniformizar o que de si é múltiplo e complexo, como ensina a evolução da
natureza e da cultura. A filosofia a seguir-se deveria ser, na consideração da
cultura e da natura, aceitar a diferença no respeito sagrado por cada pessoa e
grupo; e isto numa relação de complementaridade consciente e aceite, em vez de
se procurar tornar tudo cada vez mais igual na ilusão de que, com um simples
ideal monolítico e monista, se dá resposta à necessidade de nos reconhecermos
mundialmente como irmãos. O que está aqui em jogo não é tanto o respeito pelo povo,
mas a defesa de interesses monopolistas de caracter económico e ideológico. Em
vez de nos prostrarmos perante uma ditadura económica liberal e ideológica
marxista seria óbvio apostar numa revolução humanista a partir da pessoa e de
baixo para cima.
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo (Português
e História)
In “Pegadas do Tempo”, http://antonio-justo.eu/?p=5241
(1) Monismo é uma doutrina que reporta a
pluralidade dos seres a uma única substância ou princípio. Para ele a distinção
entre matéria e espírito, entre mundo e Deus é falsa e a multiplicidade dos
fenómenos e o dualismo são tidos como ilusão dos sentidos. Só a totalidade tem
substância real. Numa tal doutrina, tal como no comunismo, não há lugar para a
pessoa soberana (tipo ocidental), o que conta é o todo e como tal a pessoa só
tem sentido em função dele, e nesse entender fundamentaria que os “fins
justificam os meios”. Daqui a união da posição do Dalai Lama com a ideologia
comunista contra a cultura ocidental no esforço de, em comum, criarem um
governo universal (ONU), possivelmente no sentido do modelo chinês!
(2) No livro corre-se o perigo de
se juntar o sorriso crónico do budista Dalai Lama à sabedoria moralista do
cristão Franz Alt, porque possibilita, a pessoas desacauteladas, uma projecção
unilateral de correntes ideológicas do Zeitgeist.
(3) «Vejo cada vez mais claramente que o nosso bem-estar espiritual não
depende da religião, mas da nossa natureza humana inata». “Os políticos
preferem defender as fronteiras, nunca a inclusão; as desigualdades económicas
evitam a coesão; as religiões geram violência”. «De certa forma, penso que
seria melhor se não existissem religiões. Todas as religiões e todas as
escrituras encerram em si um potencial de violência”.” Seguindo princípios de
uma ética puramente secular tornar-nos-emos pessoas mais descontraídas,
solidárias e sensatas”.
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