quarta-feira, 25 de junho de 2008

A REVOLUÇÃO FEMININA ESTÁ POR FAZER

HUMANIZAR – FEMINIZAR O MUNDO

António Justo

A revolução está por fazer. Até ao presente a história tem dado oportunidade à afirmação das forças da vertente masculina da pessoa humana numa reacção em cadeia. A história é o testemunho das revoluções masculinas. A revolução feminina está por fazer. Para mais facilmente notarmos a dicotomia do nosso mundo basta observarmos a dicotomia da realidade do mundo árabe, que é a nossa, embora um pouco mais acentuada.

A identificação, individual e institucional, tem-se afirmado na concorrência e manifesta-se numa constante assimetria nas relações homem-mulher, senhor-súbdito, razão e intuição.

A divisão de tarefas com a autoafirmação consequente com base a elas provoca a divisão em vez duma missão conjunta. Assim se faz a divisão artificial de espírito e matéria contrariando-os em vez de os coordenar e unir.

O espírito, o esperma, o homem tem-se afirmado contra a natureza, contra a terra geradora, contra a mulher, dando lugar apenas à dimensão vertical (cima - baixo, bem - mal) sem ter em conta a horizontal.

A terra reflecte naturalmente o brilho do sol, a força da chuva que nela cai numa relação íntima profunda fertilizada na união e missão comum: céu – terra. Um sem o outro não tem sentido nem identidade. Sem a gestação feita pela terra, sem a gravidez da mulher não haveria a fecundidade, o filho, o futuro. Assim não se pode dizer que espírito e matéria são desiguais no valor. Um ser está condicionado ao outro e deve o seu ser ao outro. Incarnação não tem sentido sem ressurreição, nem esta sem aquela; fazem parte dum ciclo trinitário em que o carácter polar da vida se supera.

Nos Estados e formas de governo, nos sistemas económicos e administrativos, nas próprias religiões e no comportamento individual prevalece, exageradamente, o carácter polar, o pólo masculino do estar humano. O actuar individual e institucional, a linguagem usada no discurso público, tudo testemunha a polarização masculina da vida social e suas estruturas. Uma visão dialéctica da vida e correspondentes mecanismos antagónicos de gerir e dominar a vida têm prevalecido contra uma visão mais integral e aperspectiva trinitária. Daí a dissonância do ser individual e social, o governo do partido e não do inteiro.

Sem que o homem deixe de ser masculino nem que a mulher deixe de ser feminina, necessita-se duma nova forma de viver individual e social em que a recíproca influência e interferência do masculino e do feminino estejam mais presentes e equilibradas, se tornem realmente complementares uma da outra. Uma sociedade, mais equilibrada e mais justa, pressupõem mais autoridade e menos poder: uma troca das armas da luta pelas duma moral onde o senhor é o que mais serve.

A luta de emancipação da mulher, embora necessária, tem seguido a estratégia masculina, afirmando, inconscientemente, a masculinidade do mundo. Até Simone de Beauvoir confirmou a perspectiva masculina da vida afirmando a contraposição da transcendência masculina à imanência feminina. Confirma assim a prática dualista grega ignorando a visão aperspectiva mística que supera o dualismo, já na fórmula trinitária da realidade, escondida no ideário cristão também ele reprimido.

O culto individualista da masculinidade tem conduzido a humanidade a um “progresso” cimentado com grandes tragédias. O futuro da humanidade tem sido conseguido à custa da violência, da violação, do masculino contra o feminino, da instituição contra o membro, de povos e culturas uns contra os outros, tal como podemos verificar nas lutas das tribos, das invasões muçulmanas, cruzadas, revolução francesa, guerras mundiais, nas guerras actuais e nas desavenças familiares.

Em nome do progresso dá-se continuidade a um processo perene de guerrilha. A parte afirma-se contra a parte sem considerar o todo. Ao fim e ao cabo, a cultura ainda acentua mais os processos de selecção e adaptação da natureza, em vez de os gerir. Por isso acompanhamos a natureza em vez de a sublimarmos.

Na época moderna, devido ao desenvolvimento tecnológico, a barbaridade ainda aumentou, o que torna muito premente a questão do sentido da humanidade e o sentido da vida. Este problema torna-se também visível na tragédia Fausto de Goethe que termina na utopia duma maternidade da natureza, com o eterno feminino. Facto é que a incarnação só é realidade através da terra, de Maria.

O presente que se manifesta na dualidade dos contrários deixa a dúvida se não será necessário acreditar no Diabo. Entre o bem e o mal se movimenta a esperança, e o medo de desaparecer do presente no redemoinho da polaridade. Na visão trinitária e não dual deixamos de ser prisioneiros do tempo e do factual, da matéria e do espírito. Assim no passado podemos reconhecer o presente e o futuro no jogo das escondidas com o tempo. Para salvarmos o homem em nós, temos de descobrir a mulher em nós. Só ela pode dar à luz o novo. Nela se realiza a criação no sentido da consumação. Seria redutor continuar a egomania do ser que encobre o matar. Já é tempo de mudar. A consciência humana já atingiu, nalguns biótopos, o estádio próprio para a metanóia global.

Atendendo aos resultados até hoje adquiridos, no processo de humanização do mundo, humanizar o Mundo, no futuro presente, significa torná-lo mais feminino, mais equilibrado e menos sexuado. Racionalismo, materialismo e espiritualismo são demasiadamente sexuados (dualistas) para poderem dar resposta à necessidade premente dum salto qualitativo no desenvolvimento humano. Trata-se de viver em parusia. Mandar é servir e servir é mandar.

Para se humanizar o Mundo será necessário um agir neutro e não sexuado: uma consciência mais intuitiva e mística, menos racionalista e materialista, um existir na reconciliação do saber dedutivo e indutivo, da imanência e da transcendência, do gerador e do gerado. A paridade do sexo e o respeito pela lei da simetria original que através de rupturas ganha novas formas terá de ser integrada. Para isso é necessária a “emancipação” interior do homem e da mulher, uma “emancipação” para dentro, no sentido do todo.

Nas sociedades democráticas, seguindo o determinismo dualista, as mulheres encontram-se em processo de aquisição duma emancipação exterior, não sendo tão facilmente manipuláveis como outrora. Continuam porém a estratégia masculina da luta da individuação contra o todo. Foi assim que os homens dominaram o mundo e que criaram a situação que hoje vigora: cultura contra natura! Seria um equívoco, numa fase do desenvolvimento da consciência integral, continuar a apostar na consciência dualista, e entrar agora na luta de dividir equitativamente o ser humano e o mundo entre o homem e a mulher. O que é preciso agora é humanizá-lo e esta missão é eminentemente feminina. Agora o mundo precisa da força e do espírito da mulher para o transformar, não já numa estratégia antagónica mas integrativa, global.

O equívoco da cultura contra a natura

A concepção puramente marxista e capitalista do mundo bem como as formas de governo até hoje praticadas sobrevalorizam a masculinidade e o status quo.

Necessita-se duma nova consciência e de uma prática do respeito pelas diferenças biológicas e psicológicas que integre a contradição, tal com prevêem no cristianismo a fórmula trinitária, e na ciência a teoria da relatividade e a física quântica.

A mundivisão masculina, o mundo da concorrência premeia o ser que produz mais Testerona, dando assim, previamente, a vitória às qualidades masculinas sobre as femininas dado o homem ter mais Testerona. É preciso criar-se uma nova consciência social e uma sociedade em que a quantidade de adrenalina não seja determinante para determinar e formar a sociedade, onde a autorealização integrada constitua prioridade, onde a concorrência determinada por um mercado de trabalho desumano e por expectativas irrealistas e desequilibradas não continuem a ditar o estar humano.

A política tem falhado e continuará a falhar no seu esforço de conseguir a igualdade entre homem e mulher, baseada na mesma atitude de sucesso no mundo do trabalho. Assim impõe à mulher um mercado de trabalho e uma estrutura social baseada no modelo de sociedade machista (masculina). As mulheres têm outras prioridades necessitando dum mundo mais humano e familiar. Elas não arriscam tão gratuitamente a sua vida pois possuem um pensar mais integral e menos selectivo que o homem.

O pior que poderia acontecer à sociedade seria que as mulheres se deixassem utilizar na concorrência desta sociedade anti-feminina, na ilusão de estarem a defender os interesses femininos, quando na realidade se estão a tornar masculinas. Naturalmente que enquanto continuar em vigor o modelo de sociedade masculina, as mulheres conscientes terão de se lançar à conquista na ocupação dos bastiões relevantes da sociedade e da economia, estudando biologia, informática, engenharia, fundando firmas, etc. Em tempo de guerra não se limpam armas… Só depois de destruírem as desigualdades exteriores poderão então permitir-se dar expressão às diferenças. Este foi porém o equívoco da sociedade masculina com o seu imperar até hoje, afirmando-se uns à custa dos outros. O que é preciso é uma nova mentalidade, uma nova maneira de estar. A sociedade masculina é uma sociedade de burgos e de castelos a conquistar, de Don Quixotes e Sancho Panças. Com a inclusão da feminidade, só então as muralhas se poderão tornar em lugares de jogo e transformar-se os campos de batalha em campos de futebol, como centros de higiene social.

Capitalismo e socialismo são masculinos interessados apenas em se apoderar da terra e do povo. É a força do macho no tempo do cio. Não resta tempo para o choco, para a vida. O apoderar-se da terra e do povo corresponde à repetição dos mecanismos da natureza biológica através do princípio (força) selectivo e do princípio da adaptação.

A revolução está por fazer. Foi começada por Cristo mas logo interrompida, porque era demasiado feminina. Não chega continuar o olhar monocolar masculino; a era futura pressupõe dois olhos bem abertos na mesma pessoa: o masculino e o feminino.

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

A MULHER DESPERDIÇA AS SUAS FORÇAS EM FAVOR

DO MUNDO MASCULINO

Equilíbrio das forças da extroversão e da introversão

António Justo

A mulher de hoje corre o perigo de se esgotar ainda mais do que ontem. Corre mesmo o perigo de desperdiçar a sua feminidade para aceder e dar resposta às necessidades dum mundo masculino e masculinizador que, em nome da igualdade e da técnica, se serve do Direito contra a Natureza para a dominar sem a respeitar. Tal como os agricultores se faziam proletários industriais na revolução industrial submetendo-se à disciplina da escola, também a mulher é hoje aquartelada e arregimentada para os campos de batalha, imprescindíveis às conquistas masculinas.

Sem a luta de competição os galos não teriam direito ao poleiro, a um lugar de relevo masculino, no galinheiro. Mobilidade, honra, violência, coragem, espírito de luta, gosto do risco, potência e corporalidade, concorrência, trabalho, auto-controlo, sucesso, pensar dedutivo e linear, são características mais masculinas, enquanto que a mulher tem mais compreensão, criatividade, intuição, realismo, dedicação, sentido de família, espírito protector, abertura, pensar indutivo e global. Se a mulher tem a vantagem de ser mais ligada ao ciclo da lua o homem está mais condicionado ao ciclo do sol. Naturalmente que as qualidades dum pólo condicionam também as do outro.

A mulher vê melhor ao perto do que ao longe e o homem vê melhor ao longe do que ao perto. Ele foi habituado à caça e ela à recolecção e ao cuidado dos filhos. A sociedade moderna exige dela cada vez mais actividades profissionais estranhas ou não adaptadas ao seu ser.

Continuamente interrompida e com milhentas coisas para fazer, a mulher não tem tempo disponível para si. A diversidade de afazeres leva a mãe à desconcentração e dispersão. Os deveres são de tal ordem que não lhe resta tempo para si. Também por isso, na velhice, com uma reforma mínima, tem de continuar a lutar pela sobrevivência. A dispersão de interesses, de obrigações e a quantidade de ocupações não deixam ser a mulher o que ela poderia ser. Ela é um espaço desprotegido com actividades de carácter operário fac totum. A sua força criativa dispersa-se. A sociedade exige dela uma vida distraída, uma vida de entremeio. Interlocutora e agenda de tudo e todos. Um sistema económico esfalfante, exige do empregado a concentração total na profissão e na actividade. Neste mundo masculino a mulher encontra-se muitas vezes dividida entre os dois lugares de trabalho: casa e emprego. O homem ignora, muitas vezes, o trabalho de casa, ou considera-o como esquisitice da mulher, de que se desobriga. Ele, pelo facto de tanto olhar para a floresta, não chega a notar as árvores mais próximas. Trata-se portanto de homem e mulher, para evitarem cair na parcialidade da visão da presbitia ou da miopia, integrarem, em si mesmos, os dois olhares.

Quanto menos necessidades temos, mais livres somos. Por isso o segredo da libertação começa aqui pela redução, nos vestidos, nos trabalhos, nas visitas, nas obrigações. Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte! Quantas vezes nos sacrificamos, para alimentar convenções ou hábitos frustrantes ou para agradar a alguém que também anda no mundo por ver andar os outros. A vida deixará de ser talvez tão cómoda para o homem mas passará a ter maior qualidade para os dois.

O equilíbrio está entre actividade e repouso, entre extroversão e introversão, entre força centrífuga e centrípeta. Alienação é a negação do próprio centro. Para amamentar é preciso primeiro alimentar-se a si mesma, encher os vazios da própria fome. Para isso precisa de criar um espaço em si, dum quarto só para si, dum tempo só para si, duma meditação para, imperturbada, se reencontrar e olhar para dentro de si e para aquilo que a determina à sua volta. Doutro modo a gritaria da vida, dos filhos, do marido, do dever e dos hábitos tornam-se tão fortes que não deixam espaço para a própria pessoa. Uma pessoa é vivida sem viver!

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

antoniocunhajusto@googlemail.com

2 comentários:

Unknown disse...

Embora concorde, na essência, com o texto, acho muito mais grave a dominância do poder, do dinheiro. Pessoalmente não sinto desigualdade de género, mas sim do poder ("institucional" e não só) A prepotência, o não ouvir as bases, a humilhação dos que necessitam pelos mais fortes, a falta de respeito pelos direitos humanos... Eu sei que há sociedades, mesmo desenvolvidas(?!) onde o masculino se sobrepõe ao feminino, na melhor das situações, no entanto, grande parte das vezes, é com a permissão da mulher que tal se verifica... Eu sou mulher, luto pelos meus direitos, revolto-me, e até corro riscos, mas sou bem feminina, valorizo e respeito a posição do homem tanto qt a minha, de classe, não sou femininista mas feminina...isto é só uma reflexão.

António da Cunha Duarte Justo disse...

Prezada Maria Augusta!
Muito obrigado pela sua achega ao tema.
a desigualdade do poder tem a ver tambem com a concepção de realidade e a dialetica subjacente.
Os direitos são determinados pelos mais fortes.
O maior problema esta na consciencia de ser e na apreensão da realidade.
Um abraço
Antonio Justo