sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O Papa da Literatura alemã Marcel Reich-Ranicki morreu



Dos Homens de Caracter que a Democracia não tem produzido

António Justo
Marcel Reich-Ranicki morreu a 18.09 em Frankfurt aos 93 anos. Ele, que chegou a estar no campo de concentração nazi (Gueto de Varsóvia), tornou-se no grande advogado da literatura alemã e no crítico literário mais influente na Alemanha que inspirou profundamente, durante dezenas de anos.

De personalidade indomável e divertida, era o homem de caracter da vida pública onde a coragem tinha residência; polémico e controverso, com esquinas e cantos, não fugia à luta.

Escritores e editores chegavam a ter medo dele. Reich-Ranicki dizia de si “ nunca me encaixei no meu ambiente”. Antes de ler um livro, a que ia fazer a crítica, vestia um fato e punha a gravata. Para ele “o crítico não é um juiz, é o Ministério Público ou a defesa”.

Recebeu muitos prémios de literatura mas, quando a TV alemã em 2008, em sessão com a presença de vários canais e de toda a prominência cultural germânica, lhe atribuiu o prémio pelo seu programa "O Quarteto Literário", Reich-Ranicki, durante a sessão live, subiu ao púlpito e declarou: "Não aceito este prêmio", porque não se sentia bem na companhia de outros galardoados pela TV e que ele considerava duvidosos.

O programa "O Quarteto Literário" fez dele uma estrela de TV e contribuiu para que a literatura, com exigência, descesse a meios não consumidores de cultura.

Confesso que quando perdia algum programa dele ficava triste. No horizonte da TV e da cultura quase só se encontra relva sem árvores onde os pássaros da nossa fantasia e dos nossos ideais possam pousar para descansar e ganhar forças para novo voo. Na nossa cultura cada vez se torna tudo mais rasteiro, dificultando, às camadas jovens, a possibilidade de levantarem voo para novos horizontes.

No dizer do presidente alemão Gauk  “Marcel Reich-Ranicki, a quem os alemães queriam exterminar, após a barbárie, possuía a grandeza, de lhes abrir novos acessos para a sua cultura”.

A sua autobiografia “Minha Vida” pertence à categoria dos livros mais vendidos (bestseller) e onde se pode verificar a crueldade dos nazis e a influência do mal no ideário espiritual duma nação.

Morreu um homem da casa, um homem da cultura europeia; uma personalidade que aguentou os ventos do oportunismo e do pensar correcto que lava o cérebro duma maioria de actores da tribuna da nossa cultura.

Num tempo de cultura predominantemente rasteira irreflectida e em que a antiga burguesia cultural se proletariza, é importante lembrar pessoas de caracter como esta, para que a Democracia não produza apenas pessoas que, como papagaios, se repetem umas às outras orientadas pela opinião pública ditada pelo pensar correcto.

É melhor um Homem com defeitos do que uma sociedade indiferente e defeituosa sem Homens

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

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