segunda-feira, 21 de março de 2016

ATEUS PROTESTAM CONTRA O GESTO PROTOCOLAR DO BEIJO DO ANEL DO PAPA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA



Da Intolerância de uma República ciumenta

Por António Justo
O nosso Presidente visitou o Papa Francisco e no acto da recepção beijou o anel do sucessor de Pedro. Isto que muitos outros estadistas não portugueses também fazem tornou-se em cavalo de batalha e motivo de protesto e indignação da AAP (Associação Ateísta Portuguesa). Reagem de maneira azeda contra o que tenha a ver com a crença dos outros (em especial a católica). Alegam que o beijo do anel "é sinal de submissão"; a sua insatisfação é tanta que lembra uma reação recalcada a ponto de ver no gesto um acto de subjugação à “teocracia europeia”, como relata o DN (1). Enfim, uma tomada de posição jacobina com que muitos ateus sensatos não concordam.

Penso que o que está por trás do protesto será um complexo de inferioridade ou a necessidade de autoafirmação do próprio ego à custa do maldizer de uma sensibilidade altamente pessoal (PAS). A questão passaria desapercebida se não fossem os cães de guarda de uma república, sujeita à imagem e semelhança da sua opinião. 

O problema não está no Presidente ir à mesquita ou em beijar protocolarmente a mão do Papa ou de uma mulher (Também o facto de o Pro DR. Rebelo de Sousa ir à mesquita na qualidade de PR não revela um acto de identificação ou subjugação ao islão). O problema está em fazer-se de um acto protocolar um motivo de protesto para os que não vêm com bons olhos, um católico assumido à frente dos destinos da nação e façam tudo por tudo para o desmontar! A coscuvilhice vive bem do falar mal de pessoas da direita e da esquerda em vez de se ocupar com o que estas fazem ou deixam de fazer em bem do país e do povo.

Críticos alegam que querem um presidente sem rosto em questões de representação da República. Será que o Estado terá de professar a sua crença laica tendo, para isso, de negar todas as outras crenças, não podendo suportar o convívio de umas com as outras? Muitos ainda não notaram que a "religiosidade" (crenças, ritos e rituais laico-religiosos) são comuns e subjacentes aos crentes laicos e aos crentes religiosos! Querer ver-se o Homem nu e submeter-se tudo só ao metro da razão (sem corpo) significaria desconhecer a realidade e negar o circunstancial em nome de um absoluto abstracto que não pode existir circunstancialmente. O problema está na percepção e na linguagem que lhe dá forma!

O problema virá da interpretação ao querer-se confundir gestos protocolares com a honra ou desonra da nação. A consequência lógica seria exigirmos dos representantes da nação uma atitude virgem sem crenças nem ideologias, o que é impossível. A República tem de aprender a viver na tolerância de todos os crentes acreditem eles na existência ou não existência de Deus sejam eles agnósticos, monárquicos, republicanos, comunistas ou capitalistas. Torna-se estranho que uma minoria que se reporta tanto aos direitos da democracia não aguente com a realidade de se encontrar numa cultura de reminiscências católicas maioritárias e queiram para si - em nome de uma república laica intolerante - encarcerar toda a gente no seu cerco ideológico de uma visão republicana redutora. 

Em tal situação o único meio de evitarmos guerras e guerrilhas será investirmos mais na tolerância. As diferentes crenças e ideologias terão de compreender-se como complementares e como tal organizar a vida de maneira harmónica, como os diferentes animais no “paraíso terreal”. A intolerância de um lado alimenta a intolerância do outro.

O azedume chega a não compreender gestos de cortesia, como se a neutralidade religiosa do PR fosse questionada com isso.

De facto, quando mulheres representantes de Estado vão à Arábia Saudita e colocam um lenço na cabeça isso não constitui um acto de submissão de um Estado em relação ao outro (apenas uma questão de delicadeza protocolar). O Papa quando foi à América Latina e colocou as penas indianas na cabeça não significou um acto de submissão mas apenas respeito por uma cultura; o mesmo se diz quando um Papa ao poisar o território beijava o solo. Tenho vários amigos ateus e sempre constatei neles muita tolerância; no caso da AAP chega a ter-se a impressão que querem ter o rei na barriga necessitando para isso de um cavalo de batalha no seu território contra o catolicismo, como se tem observado em outras reacções. Se este campo de batalha de muitos servisse de tubo de escape para as próprias desilusões e agressões, o facto até seria desculpável se na própria vida do dia-a-dia isto os ajudasse a ser muito bons maridos, bons amantes, bons pais, bons companheiros e amigos! Os condicionalismos humanos são muito complicados!

Os estadistas, nos seus contactos com outros povos e culturas, assumem atitudes de respeito porque sabem que cada cultura constitui apenas uma complementação da outra. As leis da cortesia são muitas vezes sábias porque sabem distinguir entre o que é individual e o que é oficial, entre o subjectivo e o objectivo. A fé na república, que diferentes grupos reclamam para si, é também ela insuficiente, dado a república não ser um neutro nem a sua crença nela constituir um absoluto; ela é constituída pelo emaranhado de pessoas de diferentes crenças sejam elas católicas, ateias, morais ou políticas, sejam elas de tendência mais ou menos republicanas ou mais ou menos monárquicas. Todas são necessárias! Tudo o que levasse à imposição de uma ideia meramente secularista ou religiosa seria tendencioso e perigoso. Uma filosofia dialética exclusivista conduz à guerra e à intolerância.

O problema vem do facto de, do alto do nosso trono individual, nos armarmos em juízes dos outros, sofrendo da ilusão de que a própria opinião é sentença aplicável aos outros. Em nome dos ideais e das boas opiniões se justificam as guerras e o desprezo pelos outros! A tua e a minha opinião são apenas pontos de vista de uma janela mais ou menos larga mas sempre incapaz de abranger o todo do panorama.

Há gente que até dá largas aos seus rumores viscerais pelo facto de um político ou outro se apresentar em representações de Estado sem gravata, hábito que o protocolo contemplava. Quem quiser implicar encontra sempre razões para isso.
António da Cunha Duarte Justo
http://antonio-justo.eu/?p=3536

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