sexta-feira, 30 de julho de 2021

BENTO XVI CRITICA OS REPRESENTANTES DA IGREJA CATÓLICA NA ALEMANHA

Além de Funcionários Pessoas de Fé

 

António Justo

As palavras do Papa emérito, proferidas numa entrevista ("Últimas Conversas"), com o jornalista Tobias Winstel, publicada no " Herder Korrespondenz„ causaram um certo desconforto e irritação nos meios alemães e polémica na igreja católica.

Bento XVI assumiu um tom surpreendentemente crítico em relação à "igreja oficial" (Amtskirche)  e advertiu para o perigo de uma igreja e doutrina sem fé. "A doutrina deve desenvolver-se na e da fé, não ficar ao lado dela".

Bento XVI responsabiliza os representantes da Igreja Católica pelo “êxodo do mundo da fé”(abandono da igreja) e lamenta que nos textos oficiais da Igreja só fale o cargo - não o coração e o espírito:  "Enquanto apenas a repartição, mas não o coração e o espírito, falar em textos oficiais da igreja, o êxodo do mundo da fé continuará". Ele espera "um verdadeiro testemunho pessoal de fé por parte dos porta-vozes da igreja". Também constata: "Nas instituições eclesiásticas - hospitais, escolas, Caritas - muitas pessoas estão envolvidas em posições decisivas, mas não partilham a missão interior da igreja e assim muitas vezes obscurecem o testemunho desta instituição (1).”

Ao fazer isso, ele critica, indiretamente, também o conflito entre as forças orientadas para a reforma (liberais) e as forças conservadoras. As divergências manifestam-se e são cada vez mais latentes no episcopado e em diferentes grupos de leigos.

Conservadores e Reformadores encontram-se organizados sobretudo nas organizações "Nós somos Igreja" e no “Fórum dos Católicos Alemães”.

"Nós somos Igreja" é uma organização liberal de católicos reformadores, resultante de uma petição (de 2,3 milhões de católicos na Áustria e na Alemanha) para reformas na Igreja e que se formou em 1995; os conservadores, cinco anos depois, organizaram-se no  “Fórum dos Católicos Alemães” (2). Além destas sobressai na opinião pública o grupo reformista de mulheres “Maria 2” e o grupo “O Caminho”.

Já numa entrevista anterior, Bento XVI tinha também questionado o sistema do imposto para a Igreja (3).

Neste contexto, também se distancia da escolha das palavras do seu famoso “discurso de Friburgo”, no qual tinha apelado à “retirada da Igreja católica do mundo” (desmundanização) (4).

Há um receio fundado de os conservadores na Igreja se servirem disto para resistirem à renovação iniciada pelo Papa Francisco.

Enfim, uma questão contenciosa, dado Bento XVI se pronunciar sobre política da igreja. De facto, na Alemanha grupos de católicos conservadores e liberais e bispos conservadores (em torno do Cardeal Woilki) e bispos reformistas (em torno do Cardeal Marx) não são moderados nas suas posições, o que pode não ser benéfico para a Igreja Católica global, devido à influência que a igreja católica alemã tem.   

O Papa emérito, que tinha prometido viver "escondido do mundo", talvez, como alemão e devido à excitação actual na igreja alemã, se sentisse agora necessitado a proporcionar, aos representantes da igreja alemã e aos organizadores das alas católicas, mais reflexão e a serem "verdadeiro testemunho pessoal de fé".

No meio de tudo isto, o apóstolo Paulo continua a advertir: «Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e se um membro é homenageado, todos se alegram com ele. Vós sois o corpo de Cristo e cada um no seu lugar faz parte dele» (1Cor 12,26-27).

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

  • (1) Pelo que me foi dado observar em instituições da Igreja na Alemanha, admirou-me o facto de a própria Igreja ser tão livre que empregava pessoal  (Caritas) que promovia, a partir dela, organizações políticas contra ela mesma.
  • (2)  Resumindo, Reformadores e conservadores : um e outro movimento são independentes e movem-se, a nível de organização, à margem da Igreja estabelecida na Alemanha. Não pertencem ao Comité Central dos Católicos Alemães (ZdK), que é o órgão representativo dos católicos reconhecidos pelos bispos (https://www.katholisch.de/artikel/27003-konservative-reformer-ein-blick-auf-die-fluegel-der-deutschen-kirche).O “Fórum dos Católicos Alemães” quer reformas, mas sente-se como porta-voz de católicos conscientes da tradição. No seu Congresso "Alegria de Fé" de 2019, foi aprovada uma resolução que criticava um "cudgel de 'politicamente correcto'" em negociações públicas, a "rádio estatal financiada coercivamente" e alegadas sanções para os críticos do governo. O Fórum tem o seu próprio portal kath.net na Áustria, por exemplo, ou o semanário "Die Tagespost" em Würzburg .O agrupamento „Somos Igreja" sente-se como a ponta de lança daqueles que exigem o pleno acesso das mulheres a todos os cargos, a abolição do celibato obrigatório para os padres, uma moral sexual mais liberal e mais digna dos fiéis. São críticos relativamente aos papas Bento XVI e João Paulo II e vêm agora no Papa Francisco um farol de esperança. No primeiro Congresso da Igreja Ecuménica em Berlim, em 2003, organizaram uma missa católica numa igreja protestante onde os não-católicos foram explicitamente convidados a comungar, o que é oficialmente proibido. Os sacerdotes envolvidos foram posteriormente suspensos.Com a eleição de Bätzing, para presidente da Conferência episcopal alemã, os bispos confiam na continuidade do curso do Cardeal Marx, bastante liberal que apoia o “caminho sinodal” com o qual a Igreja Católica na Alemanha quer aceitar o seu escândalo de abusos. Os bispos conservadores em torno do Cardeal Rainer Maria Woelki de Colónia criticam duramente este fórum. Baetzing também se pronunciou a favor da reconsideração do celibato obrigatório para sacerdotes.
  • (3)  "Tenho de facto grandes dúvidas se o sistema fiscal da Igreja está correcto como está” (https://www.deutschlandfunkkultur.de/benedikt-xvi-kritisiert-deutsche-kirche-erstaunlich-dass.2165.de.html?dram:article_id=365396).
  • (4)  A palavra "desmundanização" (libertação da Igreja das formas mundanas) indica a parte negativa do processo que me preocupa", refere o papa e acrescenta que "a parte positiva não é suficientemente expressa por ela". Trata-se mais de sair das limitações de uma época "em direção à liberdade de fé“. „Não sei se a palavra " desmundanização", que vem do vocabulário formado por Heidelberger, foi sabiamente escolhida por mim como palavra de ordem final em Friburgo", refere ele.

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