sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Acto terrorista de Paris contra Provocação satírica da Revista Charlie Hebdo



Dois pesos e duas medidas
António Justo
É uníssona a voz dos políticos ao denunciar o massacre de Paris como um ataque à democracia e à liberdade de imprensa. 

Os três assassinos, agora mortos, estavam em ligação directa com al Qaida e com o “Estado islâmico”. Um interessante pormenor é o facto dos serviços secretos americanos estarem mais informados sobre os três jihadistas do que os serviços secretos europeus.

Várias instâncias dos Estados europeus estão imensamente preocupados pelo facto da guerrilha islâmica ameaçar estender-se à Europa, especialmente através dos retornados jihadistas da Síria e do Iraque, bem preparados em estratégias de ataques terroristas.

O 7 de Janeiro foi um dia negro contra os jornalistas, o dia 9 foi um dia de alívio em que a polícia conseguiu matar os 3 terroristas que, em nome de um deus, executaram, pelo menos, 16 pessoas. 

O chefe redactor da revista satírica Charlie Hebdo dizia “prefiro morrer de pé do que viver ajoelhado”. Certamente uma crença que testemunha independência e nobreza de caracter mas, por outro lado, desconhece a realidade de que tudo se encontra entrelaçado. Quando os extremos se repelem precisa-se de critério e capacidade para encontrar o meio-termo. 

Vivemos numa sociedade aberta e a sátira vive da provocação. Certamente é legítimo criticar as instituições e seus representantes nos seus desvios nas suas palavras e acções mas não é legítimo ferir os sentimentos dos fiéis quando se pretende apenas ridicularizar os fundamentos da sua fé, como fez a revista ao chacotear o mistério da trindade dos cristãos, desenhando provocadoramente pai-filho-espírito santo em comum acto sexual. Este já não é um acto de liberdade mas de libertinagem. A revista Charlie Hebdo provocava muitos sentimentos religiosos e mais que temas muçulmanos caricaturava temas Cristãos. Os cristãos já tinham metido a revista, 14 vezes, em tribunal, por causo de abuso e ridicularização, mas perderam todos os processos. Isto porém não legitima de longe o acto bárbaro praticado pelos extremistas islâmicos. É difícil uma justificação do uso das armas em certos conflitos bélicos mas nunca se justifica o uso de armas (violência física) contra caricaturas ou palavras.

O que para uns é expressão de liberdade para outros é libertinagem e como também aqui não há um meio-termo não será fácil apaziguar os opostos. 

Isto torna-se compreensível num tipo de sociedade interessada em dividir para dominar, quando seria mais natural uma filosofia social que fomentasse o agir dos cidadãos num espírito inclusivo convergente e de complementaridade; naturalmente com um espírito crítico, mas consciente de que cada qual é parte integral e necessária do mesmo todo. Extremismos revelam sempre falta de critério, de respeito e de empatia. 

Por outro lado, o mesmo Estado laico (por exemplo a Alemanha) que defende a liberdade de expressão contra símbolos da religião é implacável na luta contra gestos e sinais nazis (gestos de Hitler e cruz suástica) contra a democracia. Porquê esta diferença de pesos e medidas em questão de liberdade de expressão? Não será esta é uma arma discriminatória do estado secular?

Também é lícito perguntar-se porque é que crentes islâmicos reagem tão sentidos recorrendo às armas e crentes cristãos se retiram apenas magoados. Qual será a estratégica mais eficiente, a do crente muçulmano que usa o meio das armas ou a do crente cristão que se recorre das leis perdoando e rezando pelos inimigos porque acredita na ‘arma’ da oração?

O complexo de inferioridade não pode explicar tudo e menos ainda a nacionalidade. O ferimento dos sentimentos também não pode ser a medida para se erguer contra a liberdade. 

Muitos admiram-se de em nome de Deus se ter praticado o massacre de Paris. O problema não está na crença em Deus, a dificuldade surge do facto da inspiração divina acontecer no Homem e este também ser definido pelo espaço geográfico e cultural.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

4 comentários:

Anónimo disse...

Ao longo destes últimos 2 dias só se têm ouvido jornalistas e políticos a criticar
os ataques perpetrados em Paris contra a revista satírica, contra o que chamaram de “liberdade de imprensa”. Nenhum dos que ouvi de diversos países focou a indecência dos desenhos dessa revista. Desenhos indecorosos ao máximo, com um desrespeito total pelos sentimentos religiosos de bilhões de pessoas, achincalhando o que há de mais sacro na Fé de diversos credos, mostrando da parte dos seus autores uma total ausência de valores.
Finalmente encontrei neste artigo um eco de alguém que estuda as causas que levaram
a tal acto extremo, pegar em armas para acabar com isso. Como católica, condeno o uso da violência. Ao ver desenhos desses que muito me incomodaram, a minha atitude
foi fazer uma hora de adoração em reparação pelas ofensas feitas a Deus, isto é repetir
o que Francisco, que viu Nossa Senhora em Fátima, fazia: consolar a Deus por tantos ultrajes da humanidade.
Manuela Strehl

António da Cunha Duarte Justo disse...

Para terem uma ideia do que aqui se fala coloco um link que dá acesso às caricaturas.
https://www.google.pt/search?q=charlie+hebdo&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=jbitVMHwPISAUdOFgogD&ved=0CAgQ_AUoAQ&biw=1349&bih=599

Anónimo disse...

Li o seu artigo/pensamento e permita-me parabenizá-lo pela clareza e independência de espírito. É das poucos pessoas desde a passada quarta-feira que vejo tentar perceber a génese do problema ao invés de estritamente o ostracizar colando-o a credos ou a raças.

Nunca o velho cliché de que “a nossa liberdade termina onde começa a do outro” deveria ter sido tão utilizado como esta semana… mas ainda não ouvi um único jornalista a fazê-lo.

Já a pegar em cartazes dizendo-se “je suis qualquer lixo que por aí ande”… nisso foram os primeiros.

Não valido os actos de assassínio cometidos, condeno-os, abomino-os. Mas procura entender o porquê.
Filipe Sousa

António da Cunha Duarte Justo disse...

O meu agradecimento pelos comentários. Em breve colocarei um outro artigo sobre o assunto.
Recebi emails de amigos que leram o artigo e se colocam o problema do futuro como um problema de diálogo.
O diálogo continuará numa estratégia de confrontação de forças, atendendo à filosofia dialética que nos domina e seguida por ideologias seculares, científicas e religiosas não exceptuando os ideólogos do estado republicano laico versus religião. Por isso defendo a ideia de se propagar uma perspectiva de complementaridade e a-perspectiva de se encarar a realidade. Assim tudo se orientaria sob o prisma da inclusão e de uma premissa de tratamento que partiria da perspectiva do todo para o indivíduo.
Já a Bíblia ao falar de “Dois pesos e duas medidas”, Deuteronómio 25:13-16, alerta para esta constante da história. Cada um coloca o seu critério com maior peso na balança do argumentar e do modo de tratar os outros.