De um lado a Ideologia “santificada”
e do outro a Ideologia “correcta”
António Justo
Em tempo escuro,
a sociedade moderna, ao luar da sua razão e da sua fé, só parece conhecer
pecadores e puros.(1) A paixão pelo preto e branco deixou de
reconhecer as cores do arco-íris conduzindo a sociedade à loucura. Vivemos numa sociedade caricata a viver de
meias-verdades e a vendê-las como verdades inteiras.
A pressão do
pensar politicamente correcto (2) é hoje de tal ordem que até gente académica,
quando ouve falar das barbaridades, cometidas por extremistas islâmicos logo
reage referindo a violência praticada pelos cristãos através da
"Inquisição" como se, no caso,
o que estivesse em causa fosse o cristianismo ou o islão, como se os problemas
inerentes à governação pudessem ser desculpados com a religião, ou com
histórias dum passado não evoluído. Colocam-se as religiões como centro do
furacão, quando o problema mais que religioso, no que diz respeito ao islamismo
em via nos países europeus, é um fenómeno
social consequência das políticas sociais, económicas e de imigração assumidas
pelos Estados depois da segunda guerra mundial e ao mesmo tempo um problema
acentuado com a queda da União Soviética.
A política
falhada, o jacobinismo de ideologias combativas na opinião pública, a situação miserável
de bairros sociais degradados são cenários que preparam uma sociedade minada. Os jovens que iniciam uma carreira
terrorista e se deixam recrutar para a guerra islâmica fazem-no porque se
sentem fazer parte de um grupo socialmente desfavorecido e porque têm a
percepção pessoal de injustiça na política. Sentem-se vítimas da sociedade
e como tal, ao não fazer parte dela, não encontram motivos para se
identificarem com ela. Vêm geralmente de famílias débeis e de bairros de
segregação social. Os jihadistas são produto da nossa sociedade que é secular;
discriminação social fomenta o fanatismo. A luta por uma causa grande dá-lhes personalidade
e respeito. Quem não tem nada a perder encontra na luta uma perspectiva ou uma
saída para a vida.
Desde 2011, os
terroristas adoptaram a tática de alvos de assassínio específicos conseguindo atingir
o nervo da sociedade de modo a provocar nela mais agressão contra os muçulmanos e deste modo levar os muçulmanos a fanatizar-se
e assim a identificarem-se mais com os terroristas.
Por outro lado
os crentes do pensar politicamente correcto consideram o islão tabu bem como os
temas de imigração e se alguém colocar perguntas legítimas sobre os guetos muçulmanos
e o fundamento do terrorismo islâmico logo é apedrejado com o burgau de
racista, intolerante, nazista. Há que distinguir entre as tendências
estratégias da cultura árabe por hegemonia e os conflitos de origem religiosa e
secular que se originam no meio das sociedades ocidentais.
Na opinião
pública encontram-se muitos orientadores de diálogo inter-religioso, vítimas do
“pensar correcto”, que parecem sofrer do complexo de paternalismo ou de
inferioridade no diálogo com o islão, ao encararem o parceiro dialogante com
desculpas de mau pagador (como se houvesse a proibição de pensar um pouco mais
além do que a delicadeza permite), ou por razões de ofício e ao equacionar os
problemas inerentes à sociedade como problemas religiosos sem tocarem a auto-compreensão
subjacente à filosofia islâmica, a luta entre as civilizações, as diferentes
sociologias e antropologias.
Querer hoje
desculpar as barbaridades dos terroristas islâmicos com as barbaridades da
“inquisição” onde Estado e Igrejas lutavam contra ideias novas, é subestimar o
que acontece hoje com as barbaridades islâmicas não só pelo desfasamento
histórico mas pelo facto de então não poder ser ninguém condenado sem primeiro
ser submetido a um processo do tribunal da “inquisição„ o que, apesar das
barbaridades da inquisição, significou um progresso para o tempo, em termos de
desenvolvimento do Direito, dado o indivíduo passar a ter direito a um processo
com julgamento. O islão é hoje tão
responsável pela violência que acontece em seu nome, como o foi a antiga
cristandade pelos crimes que operava com a inquisição.
Como a religião
não deve justificar o terrorismo, a instituição religiosa deveria reinterpretar
frases do Corão e das Adith (numa linguagem compatível com os tempos modernos e
sem bajulação da modernidade) para ninguém poder argumentar que o que faz em
nome de Alá. No máximo poderia fazê-lo em nome do seu Alá mas não em nome ou
defesa do Islão. (Aqui é bom mencionar a atitude exemplar de Francisco I,
também em relação a outras religiões; o Papa coloca, a nível social, como
primeira prioridade das religiões fomentar a paz social e internacional, mesmo
correndo o perigo de descontentar pessoas orientadas por princípios dogmáticos).
O recurso
directo ao Corão ou às Hadith / Hadiz do profeta para justificar, a guerrilha torna-se
compreensível numa estrutura muçulmana religiosa, que prescinde de um organigrama institucional central responsável e,
como tal, incontrolável e presente em todo o lado, sendo inviolável a nível
global.
Num ambiente de desorientação
e de incapacidade, uns argumentam que falta um papa ao islão, e uma
interpretação teológica geral e por isso cada líder ou grupo pode declarar
guerra em nome do Corão. É porém também um facto que os protestantes, não tendo
organização central, não se servem da guerrilha; o mesmo se diga do judaísmo ou
do budismo. Os muçulmanos fundamentalistas, na falta de estruturas
centralizadas do poder, mais afincadamente se agarram às escritas do Corão, às Hadiz
e à sharia. Muitas vezes não será tanto a crença que os move mas a vontade de
um poder incapaz que, ao não encontrar refúgio na fé, se apoia,
desesperadamente, na violência da guerrilha (3). Também pode encontrar-se na motivação
o reconhecimento que na luta, a nível de argumentos perderiam, pelo que importa
apostar na violência.
Um estado moderno não se pode defender
do terrorismo porque a única maneira de o combater seria a ditadura. Por
outro lado o islão é um sistema completo (não separa o poder secular do poder
religioso) e encerrado em si, vê-se confrontado com uma sociedade aberta de
governo democrático mas mais decadente e como tal sem resposta para um islão
inseguro.
A sociedade
islâmica precisa de muitos grupos que reconheçam, “Nós devemos revolucionar a
nossa religião”, como apelou o presidente egípcio Al-Sisi at Al-Azhar .
A sociedade
ocidental também se encontra num estado crítico e precisa de grandes correcções.
Os valores ocidentais não se deixam reduzir à vontade de maiorias democráticas,
como demonstrou o final da República de Veimar, nem tão pouco a assombrosas
manifestações sobrecarregadas de sentimento, como a de Paris. O princípio da maioria deve ser
acompanhado e sempre corrigido pela consciência da liberdade em conexão com
outros valores e dos direitos humanos individuais inalienáveis. O estado
secular, sem se tornar religioso, deveria redescobrir os fundamentos da sua civilização
e deixar de os combater.
António da Cunha
Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu
(1)
Também
muitos jornalistas sentem a pressão do pensar correcto, além de, como
profissionais, sentirem responsabilidade social não tocando determinados temas
para não correrem o perigo de serem utilizados no sentido de apoiarem
movimentos populistas que muitas vezes generalizam e não diferenciam.
(2)
Um
exemplo de tabus do pensar politicamente correcto: Se uma pessoa disser “na
Arábia Saudita prevê-se a pena de morte para quem for apanhado com uma bíblia, e
também quem se converter a outra religião está sujeito à pena de morte”, o argumento
motivador do diálogo em pensar correcto será “sim, mas na idade média havia
pessoas condenadas à fogueira por razões de apostasia. Uma simples informação provoca
o medo de saber.
(3)
Muitos
jovens muçulmanos encontram-se na parte sombria da vida sem perspectivas de
futuro material e humano, vendo por isso a oportunidade de dar sentido à
própria vida dedicando-se a uma missão considerada nobre como a de fundar o
Estado Islâmico. A UE tem mais de 4000 jhiadistas a combater pelo Estado
Islâmico, quando o Egipto não gera sequer a metade.
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