A UNIÃO EUROPEIA NA ENCRUZILHADA
António
Justo
Os partidos do sul da EU, que são
contra a política de poupança, sentem-se com asas depois das eleições gregas. O
sul pródigo ganhou provisoriamente contra a moral rígida alemã do bem-comum.
O povo cansado quer mudança e
deixa de apoiar governantes corruptos que desde 1974 dirigem os destinos da
nação. A Grécia é depois da África o país mais corrupto.
O líder Tsypras tornou-se no rosto
provocador da Troika (CE + BCE + FMI) e no admoestador da esquerda socialista e
comunista.
No parlamento helénico têm
assento 300 deputados. Segundo o direito de eleição grego, o partido vencedor
recebe um bónus de 50 assentos no parlamento. A coligação governamental de extrema-esquerda com extrema-direita (Syriza
+ Gregos Independentes) possui 162 deputados (149 + 13) e a oposição que
consta de seis partidos, entre eles o partido comunista, tem 138 deputados.
As Promessas e o Projecto
de Tsypras
O primeiro-ministro Alex Tsypras
quer obter uma mudança radical da política; o seu modelo ideológico é Ernesto “Che” Guevara.
Declarou não querer restituir os
190 mil milhões de dívidas; quer distribuir pelos pobres 2 mil milhões de euros;
5 mil milhões num plano de emprego e 4 mil milhões em outros projectos.
Concretamente
quer energia gratuita para agregados familiares carentes; serviços básicos
gratuitos; criar alojamento para os 30.000 sem-abrigo; subir o montante de
isenção de impostos para 12.000€ (na Alemanha a isenção é de 8.354 €); aumentar
o salário bruto mínimo de 586€ para 751€; criar 300.000 lugares de trabalho;
instaurar uma democracia popular. Para isso pretende lutar contra a corrupção,
querendo proceder à recuperação de dinheiros do Fundo da UE e do fundo de
resgate bancário grego.
Situação da Grécia -
Continuará a ter de mendigar
A Grécia tem um desemprego geral
de 25% e um desemprego juvenil de 48%. A dívida do Estado atingiu em 2014 os
320 mil milhões ou seja 180% do produto interno bruto. Desde 2009 tiveram uma perda
de rendimento de 30%. No serviço público trabalham 675.000 empregados, isto é,
menos 277.000 que em 2009. Apesar de tudo a economia em 2014 cresceu 0,7.
O IWF e a UE concederam
empréstimos à Grécia, no valor de 240 mil milhões de euros. Nos finais de
Fevereiro a Grécia precisará de novo crédito. A Troika já teme pelos 240 mil
milhões porque Tsipras quer governar sem a Troika.
O governo ainda pode dispor de 11
mil milhões de euros do Programa de apoio da UE que serão transferidos para a
Grécia no próximo dia 1 de Março. Por outro lado teria de reembolsar, este ano,
seis mil milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional.
Um país com uma dívida de 180% do
produto interno bruto nunca poderá vir a pagar as suas dívidas.
A situação terá de melhorar na
medida em que as verbas terão de ser direccionadas para a produtividade e deste
modo em benefício do povo.
A ânsia de Tsypras por deixar de
ser destinatário de ordens dos emprestadores de dinheiro será uma ilusão tal
como se verifica com o FMI em relação a países em vias de desenvolvimento
exigindo-lhes o cumprimento de condições para se tornarem dignos de crédito.
Sair da Zona Euro seria problemático para a Grécia (embora ganhasse mais
autonomia) mas significaria perder o comboio da História.
Teoricamente os gregos
terão razão mas praticamente não
O país onde democracia nasceu
quer puxar as orelhas às democracias da UE. Surge agora uma democracia messiânica
de extrema-esquerda. Tsypras diz não querer usar gravata mas também não poderá tornar-se
gendarme!
Apostar no consumo sem uma
organização económica produtiva que o sustente é música de embalar que
políticos tocam para adormecer o eleitorado. É um facto que as firmas de cada
nação têm de produzir o suficiente para pagar os seus serviços e as reformas. Por
outro lado, um sistema económico (Troika)
que tem beneficiado o grande capital e as grandes empresas dos grandes países
dando assim razão a quem é contra a poupança louca e quer consumir. A
Troika só se preocupou em salvar os bancos, porque se fossem à falência todas
as contas bancárias se reduziriam a zero, o que provocaria uma revolução.
A maneira como se poupou não foi
eficiente, os investimentos foram mal aplicados e as elites do sistema político
e económico serviram-se a elas. O sistema estatal, tal como em Portugal, protege
as elites e os gastos vão na direcção errada. Na Grécia 174% da produção
económica do país está na mão dos credores. Os títulos públicos gregos a dez anos
ascendem a 9% de juros devido à sua falta de fidelidade financial perante um
mundo financeiro só interessado nos lucros.
Muitos alemães não vêm com bons
olhos a classe política grega e a corrupção que apadrinha. Na Grécia os
produtos no mercado são demasiado caros; mas enquanto na Alemanha um iogurte
pode estar nas prateleiras até 12 dias na Grécia só até seis. Uma diferença de
mentalidade mais ou menos eficiente na produção: em dois anos o gabinete do
governo alemão teve 98 sessões de trabalho enquanto o grego teve apenas 9,
apesar da situação drástica em que tem vivido.
O BCE num acto de mea
culpa já se tinha antecipado à Grécia
O BCE (Banco Central Europeu),
apesar de muitas dores de ventre dos países nórdicos, já se tinha antecipado à
mudança grega, tomando a decisão de fabricar euros baratos para apaziguar os
mercados internacionais, e para poder dar resposta aos países em crise (Assim
evitou a desconfiança dos bolsistas).
Os ministros das finanças da UE
permaneceram calmos (A economia grega corresponde a 2% da zona Euro) e a Bolsa
mostrou-se indiferente às eleições, registando até uma pequena subida. Isto
aconteceu porque o BCE, já tinha prevenindo uma mudança radical na Grécia e
tomou, antes das eleições gregas, uma decisão já há anos discutida e devida: o
lançamento de 1,4 bilhões de euros até 2016, no mercado da zona euro, o que
acalmou os investidores, dado o euro barato fortalecer a exportação e favorecer
as economias do sul possibilitando a compra da dívida (títulos públicos) dos
países mais deficitários.
Urge uma nova atitude
nas relações entre UE e os seus membros!
O euro limitou a democracia na
europa. Países e bancos doadores (Troika) só olharam para números o que se
revelou um caminho falso. Não consideraram as diferentes economias nem as
diferenças culturais entre o norte e o sul da Europa.
Os gregos viram na poupança a mãe
do mal e votaram contra a política de austeridade, ditada pelo eixo
Berlim-Bruxelas. Até agora, a Troika seguiu os interesses da plutocracia
financeira; a Grécia poderia ser um toque a rebate para que apresse uma mudança
de atitude em favor das populações europeias.
Tsypras
provocará uma reflexão profunda e obrigará (com a esquerda europeia agora
avisada e fortalecida) a Troika a fazer correcções ao sistema. Numa luta de
díspares, pergunta-se apenas, por quanto tempo se manterá a exigência de uma
política europeia para o povo? Na sociedade moderna, com velocidades económicas
diferentes e com armas desiguais, torna-se impossível David vencer Golias.
Apesar das muitas vozes para que a Grécia saia
do euro, a UE não o quer fazer e por isso agora invertem-se os termos: antes a Troika ditava as ordens, agora a
Grécia obriga os grandes a sentarem-se à sua mesa. 80% dos alemães querem
que a Grécia cumpra os acordos. Governos
instáveis não atraem firmas. No fundo quem vai continuar a pagar as dívidas é o
povo grego e o povo das nações do euro. No contexto de interesses divergentes
dos diferentes países europeus, será difícil encontrar uma solução que consiga
evitar prejuízos para os contribuintes dos países da UE.
Ângela Merkel,
símbolo da mentalidade nórdica, quer ser solidária com o sul mas ver, em
contrapartida reformas que levem a uma produtividade concorrente a nível
mundial; a Chanceler pensa a nível da Alemanha e na construção de uma União
Europeia forte, mas esquece que a política seguida pela UE favorece os mais
fortes e embate com um mudo diferente, que não vem do frio onde se exigem
arrecadações para se poder aguentar bem o inverno, mas de sociedades soalheiras
habituadas a viver na perspectiva do dia-a-dia. Encontram-se duas culturas
diferentes que se deveriam apoiar, respeitar e aprender uma da outra sem se
combaterem.
A UE precisa de um novo
plano
Os peritos em economia e política
são do parecer que a saída da Grécia do euro seria economicamente suportável
mas politicamente muito problemática porque poderia provocar uma bola de neve.
Surgirá um novo plano em que se
gaste menos em autoestradas e invista mais em firmas produtoras de trabalho e riqueza.
A questão das dívidas das nações
permanecerá um busílis. Um corte directo
das dívidas não será possível porque um país como Portugal teria de perdoar à
Grécia centenas de milhões de euros devido ao crédito concedido, quando ele se
encontra em situação também precária. Imagine-se que, no caso de perdão das
dívidas à Grécia, só a Itália, também ela imensamente endividada, perderia os
40 mil milhões de euros emprestados.
A UE encontra-se num dilema. Sem
o perdão de dívidas e sem reformas, o povo grego nunca se porá de pé. Além
disso precisa de dinheiro emprestado para as reformas que pretende realizar.
Em vez disso, a Troika usará de
instrumentos refinados para conseguir o mesmo efeito: recurso à inflação e,
apesar de ela, manter o dinheiro barato (taxa inferior à inflação) com baixíssimas
taxas de juros, o que corresponde a comprar tempo.
Entretanto, cada país terá de
acertar o passo à concorrência dos produtos a nível mundial. Os custos por peça
de trabalho são a directriz da concorrência. Quem produz pouco e produtos
demasiado caros, perde a corrida desalmada numa competição global com países de
salários imensamente desiguais. Portugal, com o Euro, perdeu a concorrência
têxtil dos seus produtos em Portugal e na europa, por não ter tecnologia
preparada a produzir a peça ao mesmo preço da manufactura chinesa (Por aqui se
vê que ao UE favorece os países com alta tecnologia e deixa aos outros a
concorrência desumana que mais será acentuada por TTIP e TISA.
O euro
barato corresponde a uma expropriação dos poupadores e da classe média, aquela que poupa. Na
Alemanha, Merkel vê-se pressionada pelos poupadores que vêem o seu dinheiro nos
bancos a derreter-se ao sol da inflação que os juros não cobrem.
Há muito dinheiro nos bancos mas
estes dificultam créditos a empresas. Os
bancos dos países terão de ser obrigados a conceder créditos às firmas em vez
de jogarem com o dinheiro que recebem do BCE.
Só uma nova conferência reguladora
dos empréstimos e da dívida poderá criar novas perspectivas no sentido de se
fazerem investimentos na produção e no crescimento do trabalho e menos em
autoestradas ou objectos de prestígio para políticos. A Troica tem concedido
créditos aos Estados não se importando o que estes fazem com eles.
A modo de
conclusão
Alexis
Tsypras tem uma grande carreira à sua frente; faz-me lembrar José Manuel Durão
Barroso que, à medida dos nossos revolucionários do 25 de Abril acomodados ao
dinheiro e aos privilégios da classe política, foi ascendendo na escada do
poder, subindo de chefe do partido maoista PCTP-MRPP até ao cargo de 12º
presidente da Comissão Europeia. Tradicionalmente, o povo precisa de
acontecimentos e de pessoas que lhes dêem esperança, para esquecer as
dificuldades do momento; o problema é que em cada mudança ou revolução os novos
portadores de esperança se deixam corromper pelo poder, sem os eleitores o
notarem, tal como aconteceu com a Grécia e com o 25 de Abril em Portugal.
O poder é assim; por isso todos
devem participar dele para o tornar mais controlado e humano. Norte e Sul, Esquerda
e Direita são os extremos do mesmo problema! No caminho do tempo as margens
perdem-se num nome, tal como as razões do povo que as determinaram. Decisivo é
praticar o bem andando direito e a direito. A União europeia encontra-se numa encruzilhada e na sala
de operações para se poder levantar mais vigorada e continuar a seguir o
caminho da libertação e da dignidade humana, sempre novo mas já delineado pelos
nossos antepassados.
António da
Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu
1 comentário:
Saudações a todos os participantes, em especial ao sr. Antonio Justo.
Muito bem colocado pelo sr. Antonio Justo, o grande pano de fundo na questão de organização econômica parece mesmo ser dois grandes grupos de mentalidades, um ao norte, bem representada pela Alemanha, outra a sul, provavelmente melhor exemplificada pela Itália. Na economia fica mais claro as duas visões de mundo. A Europa surpreende , seja pela diversidade, criatividade, inovação , mas também por sua capacidade de destruição (muitas vezes observada na história de suas populações). Vivemos em uma época em que os conflitos são, digamos, civilizados. O problema é que o conceito de civilização muitas vezes traz uma amplitude que foge ao escopo comum a uma deteminada cultura. A Europa é bom exemplo disso, onde em culturas pouco distantes (segundo padrões americanos) há muita diversidade cultural.
Vilson
in Diálogos Lusófonos, 28.01.2015
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