A propósito do Ataque
ao Grupo gay
Por António
Justo
O massacre do Estado Islâmico (Daesh) na
discoteca gay em Orlando mata 50 pessoas e deixa 53 feridas; neste acto
barbárico revela-se o ódio das cavernas contra a civilização. Pessoas inocentes morrem pelo facto de
fanáticos não suportarem o direito à diferença na sociedade. Falta o respeito
pela vida e a consciência de que a vida tem em cada pessoa o seu rosto. A vida
é o sorriso de Deus na natureza a florescer em cada pessoa e em cada planta. Cada pessoa só tem uma
vida disponível que, embora integrada numa sociedade, é única e dela. Porquê
tanto ódio contra o sorriso de Deus?
Tolerância?
Na folhagem da imprensa e nos meios virtuais,
vêem-se muitos comentários que, embora condenando o morticínio de Orlando,
também permanecem prisioneiros do espírito dualista que o motivou. Muitas opiniões
são equacionadas a partir do posicionamento de dois extremos de uma mentalidade
que parte do princípio de que, para se ser por alguém, tem de se ser contra
outros. Por vezes as partes contraentes na
criticada só se diferenciam por terem uma imagem de inimigo diferente. Na falta
de capacidade integrativa permanecendo-se no demonizar ou no idolatrar; e isto
acontece porque só se aceita o perfeito ideal e neste caso os gays são os
maus e a religião são os bons ou para outros a religião é a má e os
homossexuais são os bons.
Porque não interessa a capacidade de
discernimento fica-se pela vaga tolerância que não chega a atingir os foros do
respeito, numa atitude de opinião tipo salpicão
onde tudo cabe devido à elasticidade da tripa da indiferença elevada ao grau de
consciência de posição superior.
O respeito por cada pessoa pressupõe a
aceitação de ela ser como é, comportando também o respeito pela pessoa ainda
não nascida; a aceitação da pessoa também contempla o respeito pela decisão
tomada por cada um, o que não implica a renúncia a uma ética fundamental do
respeito pela vida em toda a sua forma de expressão.
Na realidade factual e virtual,
as pessoas tratam o partido oposto com os mesmos critérios que usam para
condenar aqueles que injustamente são agressivos contra os homossexuais. O que
falta é o bom senso numa cultura diferenciada mas inclusiva.
Tanto as opiniões como os afectos e as
relações das pessoas devem ser respeitados desde que não se expressem de forma
violenta. Por outro lado cada pessoa tem o direito a sustentar a sua posição
sem ter de deixar ver tudo reduzido à papa da tolerância que tem mais a ver com
o direito e a justiça do que com o respeito e a convicção. Para encontrarmos respostas de sustentabilidade para o
futuro será necessário observar melhor o princípio da diferenciação na natura e
o princípio da consciencialização na cultura.
Maneira
de estar de cunho católico
Observei que adversários anticatólicos por
conveniência se aproveitam deste acontecimento para atacarem de forma
destrutiva também o catolicismo esquecendo-se que o que atacam é a sua imagem
de catolicismo. Na sociedade actual é moda a afirmação de uma dogmática
orgulhosa “superior” baseada num relativismo que se afirma contra todas as
doutrinas ou instituições que tenham um ponto de vista próprio. (Reservam para
si o direito de opinião própria que negam à instituição!)
No
cristianismo, seja ele católico ou protestante a última instância da moral é a
consciência individual. Só a pessoa é soberana independentemente do que uma
instituição pense, recomende ou regule. Esta atitude garante perenidade ao
cristianismo, porque nela se manifesta a consciência cristã de que tudo o que não é pela pessoa humana está condenado
a desaparecer, além da douta sentença de que quem anda com Deus nunca se
encontra sozinho. Esta liberdade e soberania da pessoa não a ilibam de
responsabilidade em relação à comunidade nem da comunidade em relação a ela.
O problema de todas as instituições grupos ou
agrupamentos é deixar-se levar pela enxurrada da rotina do dia-a-dia, que
geralmente serve o poder e o domínio do mais oportuno e violento, fixando-se em
medidas mais pedagógicas e didácticas, deixando na sombra a profundidade da
própria doutrina e filosofia que é mais abrangente mas que, também, numa
sociedade massificada e de massas, geralmente, não é contemplada. A ética
católica não se deixa reduzir a uma expressão ou contexto histórico nem
tão-pouco ao espírito do tempo; ela é de cunho pessoal tendo em conta também a
comunidade como lugar da realização da individualidade.
Por isso a ética de cunho cristão é
processual orgânica e dinâmica não se podendo reduzir a uma formulação
intelectual nem a um discurso do sim-não; ela é viva e a sua expressão é
resumida no JC, o protótipo do Homem como passado, presente e futuro; com ele
caminha toda a criação e todo o discurso no sentido do Alfa para o Omega.
A maior dificuldade vem do facto das
diferentes posições e opiniões se expressarem de forma provocadora e violenta.
Incoerência
no proselitismo e na provocação
Os contraentes das opiniões não são simples
ao lidar uns com os outros fazendo uso, por vezes, do proselitismo e da provocação
na arena pública ou publicada. Em vez de aproximação ou de argumentação recorre-se
à repulsa do outro (para cada um o diferente é o outro) e à opinião formatada
sem espaço para a argumentação. Não é saudável a atmosfera em que se vive dado
minorias em sociedade tentarem humilhar a sociedade que lhes deu o ser e se
comportarem como senhores da melhor verdade e como tendo o rei na barriga. Mas
também a sociedade maioritária deveria reagir à provocações com maior
serenidade como reagem os pais perante o filho adolescente que se revolta para
se encontrar e definir a si mesmo.
O cúmulo da ingenuidade seria querer impor a
própria forma de vida através da provocação e da violência. A parte mais fraca quando tenta impor a sua forma de vida através da
provocação e da violência deveria ser
consequente e pensar que se a razão se impõe pela violência então a razão
estará do lado de quem tem mais força, legitimando deste modo a ditadura das
maiorias.
Cada comunidade de interesses deveria
naturalmente procurar ser reconhecida num convívio das comunidades cujo fim é,
na complementaridade, o alcance da felicidade; nem o trunfo da força nem o do
moralismo relativista são meios adequados como argumento. Uma sociedade
relativista, da moral do politicamente correcto, tem-se afirmado à custa de uma
estratégia de confusão dos argumentos e
deste modo tem reduzido a capacidade crítica das massas. A decadência vive da ambivalência e do
deita abaixo, por isso são consequentes na sua luta contra o monoteísmo e o
organigrama estrutural de formas de vida tradicional. É chegada a hora em
que não se deve tratar de combater um totalitarismo da exactidão abstracta com
um totalitarismo dos relativismos ou vice-versa mas de personificar o dia integrando
o passado e o presente num futuro que embora manque à esquerda e à direita não se
torne torto.
Vivemos
tropeçando em nós e no tempo
Vivemos num tempo narcisista que procura adquirir trunfos
e viver da confusão e, como tal, grandes grupos da sociedade já não
distinguem entre o público e o privado, entre o caótico e o ordenado, nem sequer
o que é fundamental e o que é secundário: cada um quer fazer da sociedade o seu
espelho e formatar a sociedade e as instituições à medida da sua opinião. Para
isso exigem uma sociedade tão aberta que identifique a linha da sua demarcação com
a fronteira do indivíduo.
O princípio da
discriminação é inerente à capacidade do discernimento;
o problema surge quando se fixa numa só anuência contra uma
realidade que é processual e flui. Ao afirmarmos indiscriminadamente que uma
geração é mais madura que a outra, que este ou aquele é que tem a culpa, já
decidimos pela forma de discriminação negativa ou positiva, colocando-nos assim
no tapete dos discriminadores (caso um momento processual do conceito se fixe
em “preconceito” provocando uma sentença irreversível). O problema do jogo do
empurra e a questionação da culpabilidade já foi mestralmente resolvido na
resposta dada por Jesus aos espertos da sociedade que queriam ver uma mulher
condenada por ter sido apanhada em falta flagrante contra a opinião dos
doutores do saber e da lei: “Aquele que de entre vós está sem culpa seja o
primeiro que atire a pedra contra ela” (Jo, 8, /), escreve no pó da realidade,
o mestre.
O respeito pela vida leva a proteger as
crianças da pedofilia e os não nascidos da morte prematura por aborto. É uma
questão de atitude e de filosofia: o respeito e a admiração pela vida que
compreende os excessos sem os aprovar. A ética não pode ser reduzida a valores
limitados ao pragmatismo utilitário nem apenas à circunstância. Para lá de
valores éticos de caracter racionalista e mecanicista há uma ética de
responsabilidade criativa e orgânica. Não se trata aqui
de estar de acordo ou em desacordo mas de nos encontrarmos todos no meio da
vida com as suas inclinações e opções.
As inclinações e predisposições podem ser
mórbidas (Freud) mas estas não devem ser aquelas que servem de orientação para
a sociedade ou em nome da banheira da tolerância legitimar um relativismo
superficial que igualiza todos os valores e deste modo não leve nenhum a sério,
como se fosse possível em nome do intelecto negar o corpo e a massa cerebral ou
como se se tivesse a impressão de ser tão intelectual ou espiritual e tão
perfeito que pudesse afirmar-se sem o corpo, numa dimensão sem espaço nem
tempo.
As pessoas confundem muitas vezes uma
orientação sexual ou pessoal com uma opção. A opção é de caracter intelectual,
de caracter mecanicista e artificial, geralmente estranha à vida que é
orgânica. Uma sociedade demasiadamente demarcada pelo conceito de liberdade,
que fomenta o individualismo absoluto, incorre na tentação de reduzir tudo a
uma mera decisão de escolha como se a realidade fosse feita de sim ou não, ou
de um momento só (visão momentânea) e não tivesse um caracter orgânico processual.
A vida privada tem naturalmente uma outra abertura que não é possível viver
totalmente no enquadramento social. Não é
fácil manter a equilíbrio para se na ser vítima de uma ditadura da maioria nem
da ditadura de minorias.
Tentativa
de solução
É necessário um estado contínuo de presença, reflexão
e análise das próprias ideias e opiniões, dado cada pessoa, cada geração, cada
grupo precisar de um contexto ideário e de uma definição para poder dar expressão
à própria existência e motivação (manifesta-se aqui a interferência ideal e orgânica
da relação de identidade pessoal e da identidade comunitária ou social em que
uma deve servir a outra). Geralmente o
que se considera como normalidade não passa de uma visão rotineira e de aceitação
do domínio do dia-a-dia e da vista curta e generalizadora de algo que é mais
profundo e abrangente. O problema vem da implicação da relação entre
indivíduo e grupo e da identificação da própria definição com a definição do
grupo; muita agressividade vem dessa confusão que se expressa tanto no orgulho
gay como no orgulho nacional. Entre o homo e o hétero está a objectividade da
pluralidade e heterogeneidade da natureza. Na natureza porém coexiste
pacificamente a regra e a excepção. O
carvalho não se sente superior ao arbusto pelo facto de ter mais luz nem a faia
se sente superior à floresta pelo facto de se sentir mais individuada em relação
a ela.
O proselitismo e o exibicionismo, em voga, contra os valores da família, da
nação e de Deus, embora não abdicando de se definir e identificar, rebela-se
contra qualquer definição e identificação de forças de
uma sociedade que consideram burguesa e querem ver destruídas. O problema das forças centrífugas de uma
sociedade torna-se fatal quando estas, em vez de quererem corrigir exageros de uma
moral, cultura ou religião demasiado centrípetas, optam pela sua destruição. Então
a maioria sente-se provocada e reage também ela de maneira inadequada em vez de
reconhecer que nela são necessárias tanto as forças centrípetas como as
centrífugas. As energias centrífugas (progressistas) têm exagerado contra as
forças centrípetas do passado. Por isso as energias centrípetas (conservadoras)
reagem e se revelam de momento um pouco mais fortes. Sofre de contradição e de lógica quem quer, em nome do biótopo ideológico,
destruir a ecologia cultural. O meio ambiente (população cultural) precisa da
coexistência de diferentes biótopos humanos. Que seria da frase sem a palavra e
que seria da frase sem o texto? Em nome
da igualdade da palavra, da frase e do texto não podemos acabar com estes para
reconhecermos só valor da letra!
As forças de resolução no caos são contra as forças ordenadoras na criação. Daí a
necessidade de afirmadores e negadores se consciencializarem das forças que
representam e que redemoinham no lago da própria existência e na realidade
maior que é a Terra. Daí o problema de as forças primeiramente mencionadas se
expressarem no budismo e no niilismo em voga e as forças ordenadoras se expressarem
mais no cristianismo. A decadência é de
inspiração relativista e como tal tenta conduzir uma cultura fértil ao
Tohu-va-bohu (Jer 4,23) confundindo a realidade com a própria guerra, a
verdade com o horizonte da sua vista (estado da confusão sem esperança em
estado após uma guerra!). A tendência
actual extremista que se expressa no islão na defesa do grupo contra o
indivíduo nota-se o contrário no ocidente na luta do indivíduo por se definir contra
o grupo; deste modo cai-se no vazio espiritual, como forma de liderança, na
esperança de que a liberdade se identifique com a largura do deserto. Que
cada um, no ocidente, lute pela própria definição e afirmação é totalmente
legítimo e natural, mas obrigar a colectividade a ter de igualar a regra à
excepção seria abdicar do pensamento honesto de desenvolvimento ordenado! A
comunidade heterossexual deve viver em paz com os grupos homossexuais e estes
com a heterossexual na aceitação da naturalidade de vida sem discriminar nem
negar o direito natural à diferença mas estar consciente de que a diferença só
tem expressão no grande bosque que é a sociedade e a cultura.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
“Meditações
Irreverentes” http://antonio-justo.eu/?p=3678
1 comentário:
Boa análise!
Na Grécia Antiga e mesmo no mundo Romano, muitos dos dirigentes eram homossexuais, e isso não desmereceu estas culturas que muito contribuiram para o mundo ocidental atual. No fundo é uma questão societária de respeito à diferença , talvez um bom teste demonstrativo do grau de amadurencimento no trato das diferenças por uma sociedade.
Saudações aos participantes,
Vilson
Diálogos Lusófonos
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