Empresas
poderão proibir o uso de símbolos religiosos, políticos ou filosóficos
António Justo
O Tribunal Europeu de Justiça, por decisão incontestável de 14.04.2017,
deixa à discrição das empresas a decisão de proibir ou não o uso do lenço
islâmico no trabalho, sob determinadas condições. Para os 28 juízes do
tribunal europeu, os interesses da economia têm caracter prioritário em relação
à confissão religiosa ou partidária; as empresas podem proibir o uso
de símbolos religiosos, políticos ou filosóficos aos funcionários, no caso de
estes se tornarem perturbadores do negócio no contacto com os clientes.
A decisão do tribunal parece inocente, mas pode ter consequências
alargadas, pois ao conceder às firmas privadas o direito de neutralidade, na
consequência, mais obrigação terá o Estado de praticar a neutralidade nas suas
instituições. A consequência que se pressupõe a entrar pela porta
traseira é uma rígida separação entre estado e religião. Por outro lado,
corresponde à privatização também da política e praticamente ao
desfavorecimento da cultura autóctone. A justiça deu um tiro no próprio pé!
Em países civilizados a liberdade religiosa é um direito fundamental e
ninguém deve ser discriminado por razões religiosas. A missão do estado é
garantir a paz social e a neutralidade do Estado; consequentemente o direito
de igualdade de trato (não discriminação) pressupõe que a maioria tenha de se
colocar ao mesmo nível da minoria (tratamento igual para todos: um assunto
que provocará insónias!). No caso, quem mais sofrerá, a longo prazo, são as
instituições cristãs que viam muitos dos seus símbolos, costumes e hábitos
tidos com coisa natural, em sociedades de reminiscência cristã, e como tal
naturalmente apoiados por muitos Estados. Agora com os muçulmanos, que não só
se entendem com direito ao espaço público, mas que também o exigem, surgirão
problemas para a sociedade acolhedora para os quais não encontra resposta nem
está preparada. O Estado laico e as organizações partidárias, como
representantes de ideologias, terão também elas de se colocar no terreno das
ideologias, ao terem de se defrontar perante o Islão que é uma
religião-política que reúne num só sistema o foro mundano (César) e o foro
divino. Numa sociedade, cada vez mais islamizada, isto trará consequências
graves quer para o poder secular quer para a organização e agrupamento
partidários do Estado. O factor religioso e ideológico ganharão mais espaço
público e político e a atmosfera social assumirá um caracter mais jacobino. Por
outro lado, o Estado secular, ao não ter em conta a tradição cultural dos
autóctones, torna inoperante o equilíbrio até agora criado nas sociedades pelas
forças da aculturação e inculturação.
Já vai sendo tempo de a Europa se ocupar dos aspectos negativos do islão e
dos aspetos positivos que podem significar os muçulmanos. A política seguida de
1950 até agora tem sido irresponsável para com as sociedades acolhedoras e
irrefletida para com os imigrantes muçulmanos ao preocupar-se apenas com o seu
desenvolvimento económico e negligenciando a sua modernização religiosa e
cultural. Assim, em vez de se fomentar a visão da Turquia de Atatürk
fomentou-se o islão do véu islâmico e dos interesses veiculados pelas
associações turcas de interesse
No caso do islão tem-se a ver com uma religião política e o islão do lenço
é, precisamente a representação de uma força politizada contra os muçulmanos
modernistas e contra uma Europa consciente, que desejariam ver a afirmação de
um islão europeu. Isto não quer dizer que se deva proibir o lenço muçulmano,
embora seja símbolo da afirmação do islão retrógrado e contra os muçulmanos
progressistas na Europa; no islão do lenço, trata-se de um islão à lá Erdogan,
em que as comunidades muçulmanas turcas, a viver noutros países, correspondem a
comarcas pessoais (não territoriais) no estrangeiro da turquidade e do avanço
muçulmano. Como a verdadeira fidelidade é concebida em termos de religiosidade
nacional, a dupla nacionalidade revela-se, em muitos casos, num apelo à
infidelidade para com os países de acolhimento. A realidade que se observa e
constata: gerações turcas a viverem há 60 anos na Alemanha continuam imunes aos
valores democráticos ocidentais ao votarem maioritariamente em Erdogan que
desde o início da sua carreira política trabalha no sentido de destruir o estado
moderno da Turquia criado por Atatürk para o transformar num fascismo religioso.
Aqui só poderá ajudar uma relação motivada pela
bilateralidade de direitos e deveres em relação (neste caso) à Turquia e ao
Ocidente; e isto pelo
simples facto de se ter de criar proporcionalidade e clareza na política e nos
interesses (Não pode ser que os muçulmanos se considerem num país de
acolhimento como grupo de identidade estrangeira - um estatuto religioso com
direitos de afirmação grupal especial - enquanto os imigrantes na Turquia (ou
país muçulmano) sejam considerados apenas como indivíduos e como tal sem
direito a afirmarem-se como grupos. A Turquia e países muçulmanos teriam de
dar os mesmos direitos às minorias imigrantes dos seus países tal como as suas
minorias emigradas pretendem do estrangeiro. Doutro modo uns têm um livro que
os defende e os outros encontram-se à chuva por não possuírem livro que os
abrigue. Aqui teriam de entrar em acção os políticos com tratados bilaterais
que consignem os mesmos direitos e oportunidades bilateralmente; doutro modo em
vez de se proporcionar o desenvolvimento de uma interculturalidade respeitosa e
mútua afinca-se a luta da multiculturalidade (uma guerrilha sub-reptícia).
O direito europeu não se deveria deixar levar
pelas ondas emocionais do tempo. Com a decisão do Tribuna Europeu, os juízes
submetem demasiadamente o direito ao critério do humor de opiniões e confissões que arbitrariamente poderão ser
consideradas, em qualquer altura, como argumento de perturbação da ordem pública.
A justiça terá de estar atenta para, também ela, não se turquizar, abandonando
padrões racionais ocidentais pelo facto de se ver confrontada com novas
realidades sociais.
Entretanto, é de referir que o tratamento não igual nem sempre é
discriminador (idade, sexo…).
A discussão pública sobre o islão é superficial e
inocente porque se prende em exterioridades como o bocado de pano que as
mulheres muçulmanas colocam ou não na cabeça e como tal perde-se no acidental
em vez de se dedicar à linha de princípios e práticas. Mais importante que o
lenço a cobrir a cabeça seria pesquisar e falar do que o lenço encobre ou
guarda dentro da cabeça.
Importante seria que estado, religião e ideologias trabalhassem em estreita
colaboração e m diálogo e na bilateralidade de reconhecimento de umas às
outras, em benefício do povo e do país. Doutro modo a coexistência torna-se
desconfortante e catastrófica porque se afirma o oportunista e a falsidade em
vez do diálogo franco e aberto. Para isso teremos de nos deixar de olhar de
lado uns aos outros. Temos de falar todos do essencial e deixarmos de andar a
apresentar mezinhas com este ou aquele exemplo de pessoas individuais ou
episódios esporádicos que não representam a instituição, mas servem em grande
parte para se ir adiando a resolução do problema que terá de passar
intelectualmente pela controvérsia para se poder chegar à concórdia. Não chega
a boa vontade nem meias verdades; precisa-se também de vontades esclarecidas e
de discernimento na procura de uma verdade que é complexa.
António da
Cunha Duarte Justo
Teólogo e
pedagogo
In Pegadas do
Espírito http://antonio-justo.eu/?p=4191
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