sábado, 13 de março de 2010

PUREZA NÃO QUER DIZER CELIBATO


A Igreja tem-se contentado em ver a Banda a passar
António Justo
Uma atitude da sociedade secular generalizada contra os padres e a sobrecarga de trabalho leva muitos párocos a uma situação de isolamento e de solidão.

A direcção da Igreja adia o problema da falta de padres conectando várias paróquias em Unidades Pastorais sob a direcção dum só padre ou dum grupo de padres. O sacerdote vê, muitas vezes, a sua actividade reduzida a mero administrador de sacramentos e a orientador de grupos, tornando-se num hóspede de passagem, sem tempo para conviver com os membros da comunidade. O novo perfil de pároco parece corresponder mais a um Administrador duma sociedade de leis (grega) do que a uma comunidade de vida (bíblica) com uma vida inerente de “auto-suficiência”.

A estratégia de substituir padres por assistentes pastorais revela-se, por vezes, como contra-produtiva, por estes não surgirem da comunidade de vida mas serem colocados por uma instituição distante apenas preocupada com problemas logísticos de administração. O recurso a padres imigrantes para as paróquias, tal como faz a indústria recorrendo à imigração de trabalhadores do estrangeiro, revela-se precária. Estes não podem contar com uma comunidade de vida acolhedora, como no caso das ordens e congregações, o que pode conduzir a um choque cultural, ao isolamento e a depressões, como se observa em alguns casos na Alemanha.

Padres transplantados de outras culturas acrescentam à solidão do celibato o choque cultural que conduz muitas vezes ao stress emocional e à depressão. O padre vive só com os seus problemas e fica só com os problemas a ele confiados. O cargo transforma-se numa carga e o dia a dia pastoral vai-se tornando num deserto onde a fonte da fé se vai esvaindo.

O activismo a que os párocos estão sujeitos leva-os, muitas vezes, a perder a alegria de serviço e de vida. 50% dos padres portugueses não participam em retiros nem em cursos de formação contínua: um testemunho de pobreza espiritual e de incúria.


O Homem não é de pau. A sua união a Cristo deve ser complementada com a sua ligação a Jesus, o Homem. No padre, como no cristão deve tornar-se transparente o espírito e a matéria, Jesus Cristo completo. Naturalmente que o sacamento traz consigo outros problemas. Aqui o padre terá de subsistir na comunidade social, tal como os leigos. Não há garantias. Amar é decidir-se por um sujeito em mudança.

Deus age em nós e através de nós, também sexualmente; o nosso agir tem qualidade divina (Gal.2,20). Apresentar Cristo como garante de que não há tempos de ponto morto na vida sacerdotal seria uma impertinência em relação à materialidade como se de Cristo não fizesse parte Jesus, a parte humana sujeita. A sublimação dum serviço não deve dar-se à custa dos outros, como se o leigo em comunidade não pudesse participar do mais profundo da divindade. O chamamento sacerdotal e específico não deve desresponsabilizar o sacerdócio comum do povo de Deus; eles dão-se na complementaridade. “Eu sou aquele que está aqui para vós” (Ex 3,14). “Onde estiverem dois ou três no meu nome lá estou eu”(Mt 18,20). “O que fizerdes ao mais pequeno a mim o fazeis”(Mt 25,40).Jo 17,21) (Act 2,44; 4,32).

“O sacrifício que agrada a Deus”(Ef. 5,2) não é mortificação mas sim fidelidade à carne e ao espírito no respeito de Cristo e de Jesus que formam uma unidade de matéria e espírito. Estar em Cristo não significa só estar junto dele mas estar nele na terceira dimensão (pessoa) do amor. A força de Cristo jorra em Jesus de várias maneiras. Mais que “enviados de Cristo” estamos a fluir com ele na realização trinitária. Com o Paráclito somos todos (pessoas de boa vontade) enviados a transformar-nos a nós e ao mundo na união de matéria e espírito, (2Cor.1,21). Mais que o celibato importa a virgindade de alma a propagar independentemente de se ter ou não relações sexuais. O padre casado é tão digno do sacramento da ordem como o celibartário. Jesus proclama que a única impureza é a interior (Mc 7, 14-23).

O serviço sacerdotal também terá de ser alargado para que a acção eclesial se concretize na multiplicidade das situações da vida. Também o diaconato da mulher se tornará uma realidade. A razão precisa de percorrer, por vezes, longos caminhos até que, por fim, vence!

O dom do sacerdócio e os diferentes dons são para a comunidade. O desleixo esconde-se facilmente sob o manto da vontade de Deus, como se ela não passasse pela vontade do Homem. Deus age no leigo, no secular e no padre em diferentes funções. O cristianismo não é uma estrada num só sentido. Nele há as mais diversas mansões!

© António da Cunha Duarte Justo

1 comentário:

Anónimo disse...

Cumprimento-o pelos primorosos textos, enfim alguém enxerga a realidade tal como é! Não creio que o celibato tenha sido nunca uma bênção, pois a história da Igreja é permeada de exemplos de pessoas com atitudes não muito equilibradas, e isto certamente é decorrente da situação de solidão e isolamento a que os padres foram relegados, contrariando a própria natureza humana e, principalmente, arriscando a saúde emocional.
Para quem for defensor do celibato, que estes votos sejam, então, feitos após os 40 anos, quando o homem já tem condições e maturidade para decidir por um sacrifício dessa amplitude.
Os fiéis sempre sentiram falta de padres casados, que saibam realmente o que é o matrimônio (não aquele idealizado nas homilias) e o que é ser pai. O que não tem sentido é impor a um jovem cheio de vida uma renúncia total a ela… Cristo veio para “dar vida em abundância”, e isto, para mim, inclui mente, corpo e alma.
Adoro ler seus textos! Um grande e fraterno abraço.
Olívia Garcia