TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO NA TURQUIA DE ERDOGAN
Por António Justo
O exército turco compreende-se como o defensor da Constituição e da herança
secular de Ataturk, fundador da república. Interveio já muitas vezes nesse
sentido, a partir de 1960 já interveio 3 vezes; a 27.05.1960 derrubaram o
governo porque este tinha restringido os direitos da oposição e a liberdade de
imprensa; os militares permaneceram então 17 meses no poder.
A 12.03.1971 houve a segunda intervenção, desta vez contra o terror de
grupos da extrema-esquerda; passado um ano, os militares possibilitaram um
governo civil.
Em 12.09.1980, o exército interveio de novo contra o terror de extremistas
da direita e da esquerda para impedir a queda da autoridade do Estado. Em 1983
os militares cederam o poder político aos civis. A 30.06.1997 o exército
obrigou o primeiro-ministro turco islamista Erbakan a abdicar do governo.
Erdogan encontra-se na continuidade de Erbakan.
A actual intentona de 15.07.2016 falhou. Os responsáveis da conspiração justificaram-se
dizendo que queriam reimplantar a ordem constitucional democrática e restabelecer
os direitos humanos. Erdogan apelou a toda a população a sair para a rua para defender
a democracia. Esta acedeu ao apelo e impediu os blindados de avançar.
Na tentativa de golpe, houve
290 mortos (100 golpistas e 190 civis e das forças leais ao presidente) e mais
de mil feridos: Depois da intentona Erdogan vinga-se, mandando aprisionar 7.500
pessoas, entre elas, pelo menos 2.900 militares, fazendo 8.500 demissões, quase
três mil juízes e procuradores da justiça foram exonerados e cerca de 30.000 empregados
públicos suspensos. A “limpeza” acontece a uma velocidade tão deslumbrante que demonstra
já estar tudo antes preparado. O Estado de Direito é Erdogan.
A SIDH (Sociedade
Internacional para os Direitos Humanos) conclui que estas medidas já estavam
previstas antes da intentona. A SIDH adverte ainda que a Europa não se deve
deixar chantagear por Erdogan também na crise de refugiados. Segundo a SIDH o
governo turco apoiou de facto o “Estado Islâmico” (IS) tornando-se também ele
cúmplice na origem da crise dos refugiados.
O presidente
turco já tinha conseguido, paulatinamente, neutralizar a posição moderadora que
os militares tinham no aparelho de Estado, tornando o Estado cada vez mais
repressivo e perseguindo sistematicamente os jornalistas não conformes. Agora com uma intentona mal organizada e
dividida e uma oposição a ter de condenar o ataque à „democracia”, as forças
reaccionárias ganharam maior legitimação.
O golpe de Estado falhado foi considerado pelo presidente Erdogan como “o
dedo de Deus” que ele usará, como alibi, para institucionalizar o seu
despotismo. Aproveita para se vingar da liberdade e fazer os saneamentos que
desejar. Erdogan, que antes reprimia as manifestações, apela agora ao povo para
se manifestar a favor dele, até ao momento em que possua poderes absolutos! (Há que ter em conta o facto de a cultura
árabe ser mais propícia ao fascismo do que à democracia e muitas vezes as forças
militares serem as mais modernas e abertas, aquelas que culturalmente estão mais
próximo das formas de Estado ocidentais!)
Dado a Turquia ser um membro da Nato e Erdogan poder voltar a introduzir a
pena de morte (abolida em 2004 para poder iniciar conversações no sentido de
vir a ser membro da UE) e poder reduzir ainda mais as liberdades cívicas, a
Nato e a UE já se manifestaram no sentido de Erdogan usar moderação e
proporcionalidade nos meios utilizados como reacção à intentona; se introduzir
a pena de morte, a candidatura da Turquia para a UE fica bloqueada. A Turquia, mais
religiosa, não está interessada numa EU que acarreta consigo muitos
compromissos.
A Turquia tem muita
importância para a Nato devido aos seus 600.000 soldados e à sua posição
geográfico-cultural estratégica. A Turquia já começou a mostrar os seus músculos em relação à UE e à Nato
ao procurar estabelecer amizade com a Rússia, pedindo desculpa a Putin pelo
avião russo que fez despenhar. Para dominar não olha a perdas, seguindo a
estratégia: "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Em relação à UE,
o leao do Bósforo sabe que tem os políticos europeus na trela porque dele
depende a quantidade de refugiados que vêm para a Europa e da quantidade dos
refugiados na Europa depende o destino dos políticos no poder. As prioridades
de Erdogan para a Turquia são: 1° combater os curdos e o PKK, 2° depor o
presidente da Síria e 3° luta contra o EI.
Erdogan tem não só a
democracia mas também muitos trunfos contra a UE e contra a Nato, podendo
manipulá-los à vontade. É esperto; aposta naquilo que mais tem: a religião que
os outros não têm e os pontos fracos dos interesses que os outros têm.
Na Alemanha as associações turcas
apoiam o presidente e dos minaretes e
das mesquitas ressoam não só as vozes de oração, mas também palavras de
ordem contra os infiéis. Os turcos saem às praças alemãs para apoiar Erdogan; é
estranho porém que nunca desçam às ruas para condenarem o terrorismo muçulmano!
Um provérbio português diz:” "Onde reina a força, o direito não tem
lugar."
Assim continua a tragicomédia política a nível internacional: a política
manobra-se entre o oportuno e o cinismo e o resto anda estupefacto. A esperteza
engana-se enganando; não conta com o tempo, só olha para a próxima
oportunidade, passando o tempo a entreter idiotas.
António da Cunha Duarte Justo
1 comentário:
Agradecido pela tentativa de desbloquear cérebros que ainda acreditam que é possivel uma turquia com erdogans ser parceira da Europa.
Um abraço caro António Justo
Francisco Barbosa Velho
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