Da Participação política dos Emigrantes
nas Sociedades de Acolhimento
António Justo
Pelo que pude observar na França e na Alemanha, os
portugueses integram-se rapidamente na sociedade de acolhimento, mas não se
preocupam suficientemente com a sua presença comunitária a nível institucional
ou dos partidos das sociedades de acolhimento.
Independentemente do nível de escolaridade, os
portugueses são, genericamente, muito reservados quanto ao empenho politico e
organizacional. De maneira geral,
destacam-se como personalidades individuais, mas não como grupos organizados.
Felizmente, na França e no
Luxemburgo já se observa o acordar de uma geração consciente de que a presença
portuguesa na política e na sociedade se torna muito importante para o delinear
do rosto português num país de imigração. Esta realidade não seguirá o mesmo
caminho na Alemanha. Na Alemanha é necessária não só a estratégia da via
individual, mas especialmente a via institucional (associativa).
Notam-se diferenças essenciais na maneira como a
Alemanha e a França estabelecem as suas estruturas de relacionamento e
ordenamento da vida nacional e na forma como o Estado determina a integração e
a interacção entre ele, povo e organizações. Torna-se relevante as formas de
participação de determinados grupos sociais (e de interesses) nos processos de
decisão política de nações com tradições políticas e administrativas
diferentes.
Daí a necessidade de um
conhecimento mais próximo das especificidades de cada país para se partir de
uma diferenciação de estratégias de afirmação da presença portuguesa nas
diferentes nações (isto
deveria estar presente na consciência de multiplicadores e na definição de
fomento de política associativa por parte do departamento das comunidades
(MNE/SECP, Embaixador, Consulados, Missões, associações, etc.).
Na França predomina mais um
pluralismo liberal de interesses em que os representantes das associações
assumem mais um caracter de actores individuais; não se nota tanto uma cumplicidade de cima para
baixo através de uma conivência do Estado com as corporações, ao contrário do
que acontece na Alemanha.
Na Alemanha a articulação de
interesses dá-se mais através de corporações (fundações, associações, iniciativas, etc.); o
acesso ao poder e o contacto do poder com o povo dá-se de forma orgânica institucionalizada. Cria-se
assim uma conivência recíproca entre o Estado e as suas corporações. Por isso a
colaboração entre Estado-Igreja, Estado-Islão, Estado-Judaísmo,
Estado-sindicatos, Estado-partidos, etc., realiza-se numa cooperação de
bilateralidade interna; deste modo o Estado alemão assegura a paz do povo na
medida em que as corporações mais representativas se tornam também elas
coniventes com o Estado numa cooperação recíproca que se revela útil para as
duas partes e na súmula um bem para toda a população.
Deste modo
a Alemanha fomenta o surgir de corporações com função intermediária dando a
impressão de não ser tão independente como o Estado francês. Este sistema de
caracter comunicativo interinstitucional é característico e não dá nas vistas a
nível social (muitos dos problemas resolvem-se a esse nível, sem terem a
necessidade de tanta expressão na praça pública, o que pressuporia uma via mais
longa!).
Esta forma de criar
consensos e de se implementar interesses discrimina os estrangeiros não organizados
em associações intercomunicativas, porque deixam de ter articulação suficiente,
uma vez que carecem de mediação legítima e autorizada. Processa-se um mecanismo
de acção e controle de cima para baixo (por vezes numa colaboração através de
conferências específicas que englobam políticos, administração e a associação
de interesses.
Este sistema favorece as
maiorias organizadas e
corresponde a um processo de intercomunicação e de formação de consensos, a
nível mais técnico e especializado, que leva a uma aquisição de compromissos e
resultados bastante eficientes. (Um exemplo: cheguei a ser convocado para
conferências da administração onde se encontravam à mesa os representantes dos
diferentes grupos de interesses, de modo que já antes de haver uma discussão
pública sobre a mudança de legislação, tinha havido, a nível interno, a
discussão com as partes, passando esta só mais tarde para o terreno público e
posteriormente concretizada em lei; há metas de Estado, por vezes mais
abrangentes do que a discussão pública permite imaginar! Uma tática semelhante,
usam organizações da ONU para melhor poderem fazer valer a sua agenda).
Nas relações
Estado-estrangeiros, já por força imanente ao sistema, os turcos são beneficiados,
não só pelo número mas porque têm um sistema de organização semelhante ao
alemão (as associações turcas, todas elas em torno das mesquitas atuam em
direcção à sociedade e à política, independentemente do que acontece em baixo
(no povo muçulmano), que se quer até afastado das conversações para não se
deixarem influenciar por multiplicadores terceiros e assim se manter coesa a
estrutura representativa que tem objectivos mais abrangentes do que o povo mas
a que este deve ficar alheio). Decisões políticas legislativas e culturais são
preparadas e acontecem por via institucionalizada (através de contactos
institucionalizados com as associações, numa espécie de corporativismo liberal
onde se realiza a articulação de interesses.
Portanto, se na Alemanha poderíamos partir de um
corporativismo liberal de participação voluntária de organizações sociais com o
Estado, numa França seria talvez mais apropriado falar de um pluralismo liberal
de consulta e influência mais individual. Nos países latinos, os mecanismos do
poder atuam de outra forma, aparentemente mais liberal e pluralista.
Grupos de interesse sem organizações bem
conectadas não contam tanto, num sistema como o alemão; o que os leva a
encostar-se a outras etnias grandes e até a favorece-las, embora de interesses,
por vezes, antagónicos (p. ex. certas participações em Conselhos de
Estrangeiros na Alemanha).
Esta situação observa-se também nos meios de
comunicação social da Alemanha que ou só falam de refugiados, de estrangeiros
em geral, de turcos ou de judeus!
Interesses não organizados não existem, porque o
Estado/Comunas, não negociam com o indivíduo; para tal tem de haver uma
organização intermédia representante dos imigrantes portugueses. Em democracia
os interesses debatem-se na praça pública através de grupos de interesse, até
porque o Estado não é a Caritas! (Na Alemanha, os conselhos de estrangeiros
revelam-se como conselhos de mesquitas devido à sua avassaladora presença e às
suas estratégias de autoafirmação.)
Assim, o número de membros e a diversidade de
interesses de uma comunidade pode debilitar a sua força representativa e
reivindicativa, porque a ordem das coisas não é a popular…. Daí a necessidade de uma presença associativa
oficialmente implementada, doutro modo tudo fala de uma sociedade
pluralista, mas reduzida à expressão dos mais espertos que se afirmam pela
organização ou pelo número.
No próximo texto continuarei o assunto, mas
descendo mais à realidade que determinam a diferença de formas de participação
no processo de decisão política e comportamentos em diferentes Estados.
© António da Cunha Duarte Justo
In “Pegadas do
Tempo”, http://antonio-justo.eu/?p=5124
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