sábado, 17 de novembro de 2007

Ajuda ao Suicídio

Autonomia e autodeterminação como estupefacientes

„A vida é minha, posso suicidar-me e ninguém tem nada com isso!”
Cada vez se fala mais da necessidade de ajuda ao suicídio, naturalmente com outros eufemismos. Um deles poderá vir a ser: ajuda à boa morte! Também a palavra liberdade já está gasta por ser proclamada como panaceia por todo o bicho, mesmo pelo mais explorado.

Numa sociedade que vive de subterfúgios e de slogans como liberdade, autonomia e autodeterminação torna-se cada vez mais difícil manter a cabeça fria à hora de tomar decisões mais conscientes e adultas. Neste contexto fala-se de autonomia e liberdade falsificada pela perspectiva unilateral individual e situacional. Declara-se um valor abstracto contra outros valores como o da responsabilidade e da assistência, o do cuidado pelos outros.

A autonomia que os defensores da eutanásia propagam é ilusória. A autodeterminação que na vida social e cívica é tão marginal e espezinhada torna-se para esta fase precária da vida o argumento! E numa sociedade de culpa anónima para simplificar o incómodo da despedida colocam-se automáticos de injecção mortífera em que o candidato à morte poderá num acto de grande autonomia e liberdade decidir. Para isso bastará o esforço dum músculo lúcido ainda com força capaz para pressionar o dispositivo!

Seria um grande retrocesso no desenvolvimento ético se a prática da ajuda ao suicídio fosse institucionalizada. O problema não está na possibilidade de uma pessoa se suicidar mas da instituição se arrogar o direito de regular a morte. Isto corresponderia a entregar à instituição e à política o direito de determinar quem deve viver. Como se a vida não fosse um interrelacionamento nem uma cadeia de dependência uns dos outros.

O exemplo já o tivemos com o nacional-socialismo sendo já bem conhecido o que acontecia com os que tinham “uma vida menos válida”. O Estado não se deve aproveitar dum momento da crise para interferir no que pertence ao foro individual. É irónico falar-se de autonomia para poder decidir em momentos extremos de doenças incuráveis, que interferem tanto na capacidade de decisão. Esta está totalmente sujeita a cadeias e pressões psicológicas, sociais, económicas, políticas e morais. Estas são de tal ordem determinantes que seria uma falácia falar de autonomia. Por vezes vai-se tendo a impressão que o Estado prece estar interessado em que as pessoas idosas se matem o mais depressa possível; parece que pensa em poupar dinheiros de reforma e de tratamento. Além disso certas ideologias também ganhariam com isso porque pessoas idosas geralmente dão mais votos aos conservadores. Numa sociedade proletária o princípio supremo da ética é o trabalho, a produção. O seu espírito é o euro! O proletário não tem alma, esta reduz-se ao seu trabalho! O extremo contrário do espírito cristão em que o ser humano é divino e por isso mesmo um absoluto em comunhão e inter-relação. Um ser único e completo que não pode ser dissecado em fases mais ou menos válidas.

O povo é água para ser conduzido por todas as levadas porque não tem exercício reflexivo. Não há consciência de si sem reflexão moral. Uma sociedade que marginaliza a filosofia infantiliza o povo porque através dela é que a humanidade toma consciência de si. A tentativa de construir o futuro negando a experiência da vida é matar o futuro. De facto um ser para a morte que desconhece o outro não tem horizonte!

Falar de autonomia neste contexto é sarcástico e irresponsável porque significa ao mesmo tempo desresponsabilização para com o doente. Atira-se assim para o paciente/parente/amigo a responsabilidade de continuar a sofrer e o descaramento de ainda nos provocar sentimentos desagradáveis com a sua situação. “Se sofre a culpa é dele”. Para tudo há um remédio, também para a morte! Obrigam assim o paciente incurável à solidão, ao desespero. Não se lhes reconhece a necessidade de relacionamento, de proximidade e carinho. A morte é um abuso a uma sociedade que só conhece as idades entre 20 e 40 anos. Querem a morte anónima lá nos corredores escuros dos hospitais para se poder depois vestir o fato limpo do funeral se é que a sociedade ainda terá disposição para isso. Por experiência conheço a aridez e o deserto frio de muitos momentos que acompanham moribundos. Ao deixá-los sós tornamos o mundo mais gelado ainda, atraiçoamo-nos a nós mesmos.

Um médico não mata! Médicos ajudam a vida, ajudam a viver! Precisam é de maior apoio também na medicina de paliativos para poderem ajudar os moribundos a morrer com dignidade!
Trata-se de ajudar a morrer e não apenas de medidas de prolongamento da vida.

Uma sociedade em que o valor do cifrão é sagrado, exerce cada vez maior pressão sobre moribundos e pessoas com doenças muito dispendiosas. Então os doentes, com o medo de sobrecarregar as Caixas de providência e para poupar a dor aos familiares, decidir-se-ão “autonomamente” pela injecção da morte.

Falta aqui o espírito religioso de se re-ligar. Quem destrói a relação destrói a ordem porque a relação é o único suporte da ordem. O resto é escravização objectivante numa sociedade desorientada que não sabe o que faz e se autodestrói.

Um Estado que destrói o espírito contamina o cidadão e reduz-lhe o horizonte.
Uma Nação sã vive da inter-subjectividade e interrelacionamento de cidadãos cada vez mais livres e adultos e não de ideologias meramente pragmáticas. Estas precisam de ser interpretadas e reflectidas.

A virtude e a moral tornam-se, por vezes, empecilhos do negócio…


António Justo
António da Cunha Duarte Justo

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