O grande rápido da vida passa com tanta veemência, com tanta energia que se não estamos atentos somos reduzidos a folhagem por ele arrastada. Um dos pressupostos, para não nos deixarmos reduzir a cena outonal duma paisagem, é uma atitude vigilante e o cultivo da auto-estima. Esta pressupõe sobretudo competência de observação e de inter-relação. Quem estiver habituado a observar e sentir com a natureza e com o corpo notará que na natureza se dão as mesmas mudanças de estado (bom ou mau) como no nosso corpo-alma. O paralelismo dos factores influenciadores é flagrante. O sol está para o bom tempo na natureza como a alegria, a boa disposição para a saúde do nosso corpo, etc. A auto-estima é fundamental na regulação do estado climático da nossa paisagem psicossomática.
Pessoas com baixa auto-estima são inclinadas a andar pela faixa sombria da vida, viradas de semblante para a terra mas de espírito ausente no sonho, fazendo juízos generalizados sobre a vida e os seus papéis sociais. Falta para elas a capacidade de se situar segundo o princípio “eu sou eu e as minhas circunstâncias”. Não se presta atenção ao específico de cada situação mas tende-se a olhar para um horizonte ideal que automaticamente nos aliena da realidade. À caça de sensações gratificantes perdemos a capacidade de nos relacionarmos.
Uma boa opinião sobre nós mesmos traz-nos mais alegria na vida mais gosto de viver e consequentemente mais sucesso. Para um aumento da auto-estima pressupõe-se a capacidade de se aceitar como se é, o que pressupõe atenção e força para reconhecer o próprio comportamento que automaticamente criticaríamos. Naturalmente que como na natureza há factores mais ou menos determinantes dum tipo de carácter tal como na natureza a proximidade dum deserto ou de um oceano são factores importantes na influência da situação do tempo, do espírito. Daí ser muito importante a observação consciente do ambiente.
Quem tem pouca auto-estima terá de procurar deixar de ser o legislador das próprias acções com contínuos julgamentos sobre si mesmo. “Não julgues e não serás julgado” vale também para nós. Não se trata de ser como se deve mas de se ser próprio, de se descobrir a si mesmo e se aceitar como se é. Esta é a base de toda a transformação e desenvolvimento.
O reconhecer e aceitar a pessoa com o seu comportamento cria nela espaço para nova realização, para a efectivação de imensas potencialidades que dormem nela. Doutro modo não deixaremos de andar com a coleira ao pescoço puxados pela trela da lei, do ideal, do que os outros poderão pensar, etc. Não nos tornamos adultos. Em nós há uma multiplicidade de comportamentos, como cães na casota à espera que lhe abramos a porta. Só que essa casota tem muitas portas com chaves diferentes. Cada chave está dependente da atenção que conduz ao reconhecimento das nossas necessidades e do sentido. Esta atenção leva-nos a descobrirmo-nos como somos, a encarar a vida de frente sem que esta seja apenas vista através do preconceito de ideias espelhadas. Estas, e o nosso eu ideal mantêm-nos prisioneiros deles mesmos. Já não sou eu que vivo, a ideia é que vive em mim.
Nós mesmos ao longo da nossa vida, além de normas inatas fomos internalizando outras criando ao mesmo tempo uma instância, um tribunal que nos dita como devemos ser e o que devemos fazer. Este tem uma função orientadora e motivadora, só que muitas vezes é irrealista exigindo mais do que se pode no momento. Pessoas com baixa auto-estima colocam os seus objectivos demasiadamente altos. É preciso muita auto-reflexão para se aceitar não ser o melhor, não se tornar escravo duma ideia, que parecendo o melhor não é o possível tornando-se ela impedimento para realizar o presente, o momentaneamente possível. Doutro modo correremos sempre arquejantes e banhados em suor atrás das nossas pretensões ou propósitos.
Geralmente não deitamos contas à vida. Não se presta atenção ao exagerado preço a pagar para se atingir certos objectivos. Muitas vezes me lembro de pessoas que no momento da morte me confiavam: tudo foi em vão! A solidão e a dor que não admitimos na vida espera-nos mais tarde na forma de desespero!
O segredo do bom viver está em pararmos, em deixarmos de correr atrás dum eu insaciável, em abrir-nos à natureza, possibilitando em nós um estado aberto de ressonância com o ser em que momentos intensivos de felicidade surgem, não pelo facto de os termos querido ou trabalhado para eles mas simplesmente por estarmos abertos, à disposição, para podermos saborear o que recebemos.
Não se trata de dar lugar à preguiça. Trata-se dum querer sem querer, um agir sem reagir. Se nos encontramos divididos entre baixa auto-estima e uma exigência ideal é natural que surja uma reacção boicote. A realidade e a ideia desqualificaram-se uma à outra. Então dá-se uma espécie de fuga irreflectida para a frente. Aí se estoira muita energia psíquica sendo natural a reacção de se querer olhar para o ar e assim iludir uma obrigação excessiva. A este estado aéreo junta-se a falta de ordem e disciplina.
O óptimo é inimigo do bom! E Roma e Pavia não se fizeram num dia…
Antrónio Justo
Pedagogo
António da Cunha Duarte Justo
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