No século IV a civilização romana já secularizada viu o seu fim com o alvorecer do Cristianismo.
Passados mil anos, a Idade Média deu à luz o renascimento iniciando assim a coabitação de razão e fé. A união das duas possibilita o florescimento máximo da criatividade e do desenvolvimento cultural, como se pode verificar no período iniciado pelo humanismo. Este foi um passo qualitativo, a nível estrutural no desenvolvimento da humanidade.
Contemporaneamente encontramo-nos exteriormente na era correspondente ao século IV do império romano e na crise que prepara o salto do humanismo exterior para um humanismo introspectivo, em que o Homem se encontre nele mesmo e no todo.
Logicamente seria óbvio o aparecimento duma nova religião. A civilização ocidental encontra-se cansada. O cristianismo ocidental encontra-se cansado também. A Ciência procurou assenhorear-se da razão enquanto que a religião continuou a apadrinhar a arte sem ser alheia à razão. Assim a civilização cristã consegue o seu apogeu demonstrando que a religião tem de ser compatível com a razão, não havendo outra saída para as religiões. O projecto de sociedade ocidental mostra-se como reproduzível a nível mundial.
A sociedade evolui progressivamente de estádio para estádio: de hordas para tribos, nações, culturas ou civilizações. De bárbaros passamos a civilizados, atingindo a União Europeia em processo de identidade para depois se passar a ser cidadãos do mundo. Se durante os dois primeiros milénios a civilização ocidental esgotou muitas das suas forças no desenvolvimento estrutural à custa do individul, o alvorecer do terceiro milénio exige um salto qualitativo no sentido de se tornar a pessoa, o centro do seu pensar e agir.
O Catolicismo é, actualmente, a única organização global mas não está preparado para dar resposta adequada ao sentir do novo humanismo (1). O cristianismo está vocacionado a fomentar o último estádio de desenvolvimento – a globalização em cujo estádio final haverá um governo mundial de estados federados e em que os vizinhos são irmãos.
A globalização económica e política são a consequência da mundivisão ocidental, da imagem de Deus e de Homem cristãos. Civilização ocidental e Cristianismo terão que se questionar para se poderem encontrar de novo e assim possibilitar o seu desenvolvimento e missão civilizadora integrada no sentido da abertura e liberdade responsável. Para que o cristianismo possa continuar o seu papel terá de seguir mais o método indutivo do que o método dedutivo na abordagem da realidade: uma compreensão prática da realidade sem cair no pragmatismo míope em voga. Terá que reactivar a mística muito recalcada em tempos de expansão.
No alvorecer do terceiro milénio dar-se-á um novo renascimento da cristandade. A cristandade passará à fase do Cristianismo. Nesta fase o Espírito regressará ao Homem, passando este a ser o Sujeito. Neste estádio universal o palco da história passa a ser o indivíduo aberto numa sociedade aberta na liberdade responsável. (2)
Os excessos do dogmatismo, do racionalismo crítico e do utopismo pertencem ao passado. Agora que atingimos o realismo crítico com a teoria da relatividade e dos quanta já nos encontramos preparados, através do conhecimento natural (da natureza), que atingiu um estádio de desenvolvimento capaz de compreender a linguagem das imagens mitológicas e em especial, a nível cristão, o mistério da trindade e a parte mística da religião refugiada e experimentada nos conventos. A aproximação mútua de religião e ciência complementam-se na aventura da descoberta da mesma realidade e no serviço ao ser humano.
Isto não quer dizer que nos tornemos monges. Pelo contrário, tornar-nos-íamos todos, reis, Papas, melhor ainda, descobrir-nos-ímos todos Jesus Cristo, todos Homem.
Sim porque a grande revelação de Cristo é a nossa divindade. Deus é-nos inerente. Há que deixar aparecer em nós o Jesus Cristo que somos. A salvação não vem de fora, ela acontece na comunhão. Nós somos “o caminho, a verdade e a vida” a caminho na resolução de problemas. O cristianismo como religião aberta numa sociedade aberta será entao a expressão da era mística, uma “casa da porta aberta”.
No tempo das nações e das culturas eram precisas sociedades fechadas com o seu Deus que lhes dava identidade no seu desenvolvimento. Cristo porém acabou com a divisão entre crentes e ateus. Ele reintegrou o pagão, o estrangeiro, o Samaritano.
Agora que exteriormente adquirimos o estado adulto, Deus é universal e encontra-se em relação íntima com cada pessoa como o demonstrou Cristo, o primeiro que se atreveu a matar o Deus das instituições, dos estados, das filosofias e das teologias para o restituir ao Homem, ao ser humano individual.
Naturalmente que as leis da dialéctica não perderão a sua validade. Cada ser, cada grupo é processo com vários estados de desenvolvimento à sua frente. O último estádio de desenvolvimento é a consciência de Jesus Cristo. Por isso as instituições tal como a pedagogia continuarão a ter a sua importância e sentido. Só que se saberão apenas como bengalas ao serviço do Homem na ajuda da descoberta do seu ser Cristo e no respeito dos estádios de desenvolvimento centrados na referência ao problema no discurso aberto. Esta abertura tem porém um substrato comum: Deus para lá do definido política e religiosamente, sem sujeição ao “correcto”.
Não chega o esforço iluminista, a razão. Não chega andar de cativeiro em cativeiro seja ele científico, religioso ou político.
A filosofia, a religião e a arte deverão tornar-se empreendimento natural no concerto da intelectualidade e da política na discussão pública. Isto implica a sua não redução a mera história nem tão-pouco a legitimadoras dos sistemas de poder.
Também não é legítima a restrição da filosofia, da teologia e da arte a ciências aplicadas, doutro modo falham o seu ser passando a ser circunscritas a servas das ciências naturais e técnicas. Este é um perigo muito actual atendendo ao carácter utilitarista vigente. Ciências humanas e ciências naturais complementam-se no respeito mútuo. A reflexão sobre a história humana e a conexão do sentido da vida são fundamentais para o desenvolvimento natural do colectivo da nossa mundivisão e consciência individual.
O tempo está maduro. Na época da física quântica, e das ciências biológicas o mundo já está amadurecido para perceber o cristianismo místico, a realidade na sua relação trinitária. A nova visão do Homem apela à integração de todos os saberes. Nesse sentido o Hinduísmo e o Budismo poderão ajudar-nos a compreender melhor o Cristianismo, base da nossa civilização.
Não chega dar resposta à necessidade de orientação por todo o lado latente na nossa sociedade. A questão preliminar será: que orientação? A sociedade só responde às perguntas que lhe são colocadas. O problema actual é o homem global que precisa duma resposta glogal e integral. A resposta do cristianismo apontará para a mística como processo integral de pensar, sentir e agir. Passamos do homo religioso, homo pensante, homo faber ao homo integral numa sociedade global.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
“Pegadas do Tempo”
(1) Só que Cristo ficou pelo caminho…
O preço que o cristianismo pagou para gerar a civilização ocidental foi demasiado alto. Foi o preço da permanência no estádio dialéctico.
O cristianismo gastou demasiadas energias no desenvolvimento da estrutura, afirmando a estratégia petrina (expansão e desenvolvimento exterior) em detrimento da joanina (o carácter místico do Cristianismo, o objectivo de Cristo). É natural que a sociedade só responda às perguntas e aos problemas que lhe são colocadas, e cada época ou sociedade tem as suas tal como acontece à imagem do desenvolvimento da consciência da criança para adolescente e adulto, etc.… Por isso é difícil dar resposta ou fazer prognoses relativamente ao futuro.
(2) Sociedade aberta não significará a ideologia opiadora presente em muitas forças sociais e que se expressa num multiculturalismo meramente ideológico e irreflectido e no anonimato de valores arbitrários. Doutro modo o futuro da Europa não será risonho apesar de ter alcançado um estádio de desenvolvimento expoente ao conseguir uma síntese de religião e razão. A Europa atingiu modelos de desenvolvimento que não poderão ser questionados por uma abertura alienada que põe em perigo o nível social atingido. Até agora tem-se importado incondicionalmente e até facilitado a entrada na Europa dum Islão que não passou ainda pelo cadinho do iluminismo. A religião tem de ser joeirada pelo peneira da razão, doutro modo é hegemónica e agressiva. Uma religião incompatível com a razão que reduza o ser humano a objecto da história ou de Deus torna-se muito grave atendendo a que a religião como alma inconsciente da sociedade e do indivíduo não deixa ninguém indiferente. Ela move neles forças imprevisíveis.
António da Cunha Duarte Justo
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