Uma Maneira diferente de estar na Vida
A ciência e a religião procuram perscrutar os segredos da natureza mas, como o Homem é um ser condicionado, são também condicionados os resultados das suas observações. A natureza é mais que ela mesma e ultrapassa o alcance da vista humana. Embora a igreja católica reconheça que não se pode isolar um acto humano das suas circunstâncias, no que respeita à sexualidade ela sempre manifestou uma relação perturbada com a sexualidade considerando-a como um campo pantanoso.
Paixão sexual é sinal e convite à abertura universal
Nem a Bíblia é livro de biologia nem as Ciências Naturais são dogma de fé a seguir como pretende, por vezes, criacionismo e evolucionismo. Numa sociedade concorrente e dominante, cada vez se tornam mais evidentes os interesses de minorias e de maiorias, em conflito, na luta pela discriminação positiva ou negativa, no domínio da sociedade e da natureza. O “pecado original” da humanidade não só pertence à essência humana mas ao condicionalismo de indivíduo e instituição serem mutuamente dependentes.
A homossexualidade (1) e a heterossexualidade estão mais em evidência onde a sociedade e a política se procuram apoderar das pessoas e dos seus instintos. Na antiguidade grega a homossexualidade era cultivada como forma de amizade superior. Esta porém não se deixa amarrar ao sexo nem à homofilia.
A vida seria demasiado banal se se perdesse na esotérica da fantasia de cada um ou se fosse limitada à procura da própria ração. Tal como nas forças do universo (centrípetas, centrífugas, de rotação, de translação, etc.), assim no microcosmo humano, são de se percepcionar, consciencializar e respeitar todas as forças. Toda a pessoa traz em si uma atracção física, emocional e espiritual. A pessoa é terra, sistema solar, galáxia e comos ao mesmo tempo. Na pessoa individual está o outro lado do todo. Por isso a paixão sexual é um sinal e um convite à abertura universal, à humanização. A esta segue-se a personalização numa dimensão não só horizontal mas também vertical. A perspectiva do alto possibilita a visão do passado e do futuro para uma melhor descodificação da natureza e do próprio ser e existir.
O eros não se esvazia no encontro com uma alteridade individual, não se podendo centrar apenas em si mesmo, tal como a força centrípeta não existe nem se explica por si, mas também não se deixar sorver por órbitas ideológicas. Isso tudo incapacita o amor levando a pessoa ao buraco negro do impessoal e anónimo. Amor é, como o universo, energia em expansão na procura de afinidade no mesmo sentido cósmico da convergência.
Como microcosmos, resumos do universo, que somos, o sexo não é em nós a finalidade do ser mas sim a oportunidade para a inter-relação, a criatividade, o amor, a união transcendente. O amor sustém os fragmentos, integrando-os, personalizando-os. Amor é a luz do interior do ser e a razão a luz do exterior. Só o verdadeiro amor pode cativar o ser na sua totalidade; e este acontece para lá dos “fósforos” da mera heterossexualidade e homossexualidade. Necessita-se sempre dum despertar, quer para o corpo quer para o espírito, de modo a convergirem na personalidade. A personalização realiza-se na união de um eu-tu com a consumação num nós respeitador da ipseidade de cada um, a caminho da alteridade para a síntese no Ómega.
Doutro modo, não passaremos de meteoritos sempre de passagem para a entropia. Microcosmos e macrocosmos seguem um chamamento a descobrir em comum. O caminho para o Homem superior pressupõe o cultivo de energias “intercêntricas” para se passar da individualidade à personalidade.
Na disputa pelo sexo
Homossexualidade e heterossexualidade podem conduzir à descoberta do sentido individual, social e cósmico do ser humano e dos seres em geral, ser o início duma caminhada empática e sinergética na construção duma nova consciência e duma nova esfera – a esfera espiritual. Distinguimo-nos da esfera animal irracional pelo facto de sabermos que sabemos e por termos dado o passo para lá da biosfera, criando assim uma nova perspectiva para o universo que através do espírito poderemos fazer progredir. Ao momento da subinteligência do instinto segue-se o do pensamento, a etapa da reflexão. Uma vez atingido o limiar do pensamento há que dar o salto para a etapa espiritual, a convergência do Espírito. Sem sonho a vida é erro! O ideal semeia o sentido na aventura da vida, porém não nos poderemos permitir sonhar deitados à sua sombra. Por isso toda a instituição e ideologia têm tanta gente dormindo e ressonando à sua sombra. Por isso o mundo se repete desde o início da História e instituições e pessoas repetem os mesmos erros e a ladainha dos mesmos queixumes, vivendo do equívoco dos mesmos equívocos do dia a dia.
Os interesses das instituições sociais colidem com os interesses particulares, sendo-lhe, por vezes, contrários. Dado o Estado querer regular cada vez mais a vida individual até ao sector mais íntimo, o conflito entre o carácter privado e público acentua-se. Por não haver clareza na definição de direitos e objectivos comunitários e individuais, o conflito torna-se antagónico envolvendo as melhores energias em coisas acidentais.
Permanece o problema da lei natural e da lei positiva, do que é norma e do que é desvio. Uma constante da natureza, porém, é a diferença. Temos por um lado uma sociedade intolerante desrespeitando o indivíduo que sai da norma e pelo outro os diferentes que querem provocar e ter o privilégio de privilegiados pela mentalidade ou simplesmente o direito de serem aceites como são pela sociedade. Uma luta entre norma e candidatos à normalidade. Tudo em nome do egoísmo ou em nome do altruísmo: um combate à margem da ipseidade e da alteridade. Uma batalha em que todos se reduzem a objectos e em que a humanidade perde.
Dum lado os grupos gay querendo ver a actuação do Estado na satisfação dos seus interesses individuais ou particulares, do outro os grupos defensores da família tradicional considerando-se como garantes de futuro procriador e de perpetuação da Nação contra a individualidade. Uns e outros reduzem-se a clientes precários do institucional, nas mãos de gente esperta que vive duns e doutros, à margem da natureza do indivíduo e do organismo.
A resolução do Parlamento Europeu de Janeiro de 2006 quer para homossexuais e lésbicas a igualação de direitos no que respeita à matéria de sucessão, propriedade, pensões, impostos e segurança social. Assim certas regalias que o Estado, por interesse próprio, concedia aos casais no intuito de fomentarem a procriação e formarem uma família, querem-se agora alargadas às ligações gay. A nova biologia genética parece simplificar o caminho a uns e a outros.
Sexualidade é mais que sexo
O fenómeno da homossexualidade não pode ser tirado da ordem do dia como era feito tradicionalmente apelidando-o de fenómeno decadente de sociedades permissivas ou como simples doença. A sexualidade influencia todos os sectores da vida humana e de cada um em particular. Todo o ser humano é carente com as suas manchas e brilho. Somos mais geografia e paisagem do que pensamos.
Independentemente do respeito devido a cada pessoa e à forma de vida escolhida, querer obrigar que todos acreditem que todas as formas de vida são iguais é alienante e sofre do mesmo vício da mentalidade discriminadora questionada. A diferença impõe-se como tal.
O problema fundamental porém está no assenhoreamento do tema por esta ou aquela facção. Homossexuais, lésbicas e heterossexuais acantonam-se atrás de ideias abstractas ou forças que não tomam a sério a individualidade e a dignidade de cada cidadão. É apenas assunto de guerra e de dividendos à margem da pessoa humana. O problema não está no pró ou no contra mas na fixação e ausência de reflexão duns e doutros.
Homossexualidade é geralmente apresentada como disposição para a prática de actos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. Para Freud na génese do fenómeno está o complexo de Édipo na infância com uma ligação forte da menina ao pai e do menino à mãe e a consequente falha na primeira experiência sexual, além do narcisismo e duma certa indecisão sexual. A ligação e identificação com a mãe leva o jovem à necessidade de amar como a mãe amou, necessidade essa acompanhada do medo da castração e da admiração pelo falos, em competição com o pai e no ciúme com o rival.
Por outro lado, o desejo de identificação com o ideal feminino leva o jovem a querer ser mulher custando-lhe, por outro lado, renunciar à “relação incestuosa” materna. Ele não vale por si mas pela pertença.
A hipoteca de exigências maternas é demasiado pesada. A mãe, sem pénis e o medo perante o marido, projecta-se, por vezes, num filho assexuado que reserva para ela todo o seu ser. Segundo teorias da psicologia esta situação leva o jovem a procurar viver num mundo à margem da realidade, na busca dum mundo suave e na procura duma estrutura feminina de fraternidade, paz e amor. A sua virilidade tem um brilho feminino. Assim permanece, inconscientemente, fiel à mãe.
Tudo isto o levará à contestação da normalidade. É interessante constatar nos meninos uma fase da infância e da adolescência em quem repelem as amizades com o sexo oposto tornando-se mais interessantes as actividades desportivas da “horda”. Uma outra explicação é a disposição genética. Destas concepções surgem as posições contrárias: a dos que consideram a sexualidade como uma perturbação corrigível e a dos que vêem nela o determinismo biológico sem qualquer carácter doentio ou moral. Naturalmente que a visão freudiana é demasiadamente restritiva, materialista e determinista, não deixando lugar para uma liberdade superior.
Numa sociedade aberta ao natural multiplicar-se de identidades, torna-se cada vez mais difícil determinar uma tipologia da realidade do amor. Desde as conhecidas práticas na sociedade grega, à pornografia chinesa e à tradição dos Tsonga em Moçambique, na prática do casamento entre homens, verifica-se que, embora iguais no sexo, a sua diferença de identidade se mantém. Há que reconhecer uma homossexualidade persistente para lá dos hábitos e tradições. Na natureza a excepção confirma a regra sendo aquela natural, embora não norma. É diferente o caso da sodomia que sempre foi considerada infracção enquanto que a homossexualidade uma marca de identidade. A vida é irracional.
O que deveria estar aqui em questão era o direito à individualidade e à auto-determinação, e à realização pessoal no encontro de si e do outro na aventura da procura do bem.
A eterna luta de guerrilha entre direito pretendido e direito adquirido, entre interesse individual e interesse institucional é uma constante histórica. Facto é que as pretensões individuais, ao serem institucionalizadas, se tornam tão vulneráveis como as instituições que agora atacam. Dá-se uma objectivação do que se quereria sujeito (subjectividade). Afinal, uma guerra como todas as outras. Seria de lembrar: “Antes magro no mato do que gordo na boca do rato!”
O orgulho gay, por vezes, manifesta a soberba homossexual na provocação da homofobia à frente de igrejas, sinagogas e mesquitas, querendo intencionalmente “profanar” Jerusalém. Será que se vive depois melhor à sombra do marginal e dos excluídos? Tem-se a impressão que a necessidade de segurança e posse torna os estratagemas (de defensores e atacantes) iguais, variando apenas o vocabulário ideológico e o lado da rua. Tudo isto manifesta a tendência de reduzir o mundo a sistemas e os indivíduos, nas suas necessidades, a transição. Tudo permanece igual ao longo do tempo, permanecendo a tentativa de se instalar na grande levada da frustração social. Se bem se trata da conquista dum direito porquê tanta edificação, porquê tanto ressentimento? O mais urgente seria uma mudança interior e exterior das mentalidades, nos diversos acampamentos, no sentido da convergência e da realização integral do ser humano e da natureza sempre a caminho. Os preconceitos e a luta contra eles tornam-se, se não estivermos atentos, em factores de afirmação e materialização estática de sociedades.
Doutro modo não passamos duma sociedade de discriminados em que de época para época se mudam apenas os campos de batalha. Já se ouvem ao longe os queixumes dos que afirmam: ainda se proíbe a poligamia, a poliandria, o incesto, etc.!... É incongruente querer pretender que uma sociedade organizada, que por si vive da restrição de necessidades (direitos) individuais, se torne intrinsecamente militante e defensora duma sociedade do caos como querem mostrar os devotos do oportuno. Esta posição só seria própria de um partido que se estivesse marimbando para o indivíduo e para a instituição. Quem assim age actua como a criança que quer viver ao luar e que exige ao mesmo tempo o sol da praia.
É natural que o comportamento institucional, ao desrespeitar e ignorar a pessoa humana e as suas necessidades, legitima a anarquia. A anarquia que desconhece também ela a verdadeira natureza da pessoa humana e da subsidiariedade de indivíduo e instituição, encontra-se prisioneira do mesmo sistema de pensamento. Deslegitima-se a si mesma usando os mesmos instrumentos de opressão e a mesma filosofia da agressão, vivendo também ela do parasitismo entre lei positiva e lei natural numa táctica de penetração imperceptível mas também ela meramente orgásmica. Os defensores dos direitos individuais comprometem-se a si mesmos ao colocarem-se sob a penetração neo-marxista, uma visão parcial da vida.
Os grupos gay são por um lado levados e por outro instrumentalizados em função da penetração socialista. O socialismo ortodoxo é estruturalista, contra a liberdade individual; esta pode interessar-lhe mas apenas como momento da dialéctica ao serviço dum Estado todo poderoso. Por seu lado os conservadores agarram-se a um passado estático com medo do novo. Uns e outros são movidos pelo medo e pelo poder. Uma sociedade nova pressuporia um discurso aberto e não de trincheira para trincheira. Uma nova maneira de lidar entre as pessoas e com os problemas poderia dar oportunidade a um novo discurso, uma forma de estar não dualista, uma maneira de ser superior, com melhor qualidade de vida para heterossexuais, homossexuais e lésbicas.
O Deus de Jesus Cristo é pessoal, é bondade e amor. Ele conhece cada um pelo seu nome, não sendo relevante os abstractos nem as essências do saber. Não se deixa prender em sistemas homossexuais ou heterossexuais. Quer o máximo de humanidade e o mínimo de instituição. O poder, a instituição, os sistemas e as ideologias é que pregaram a pessoa na cruz. Uma preocupação útil seria canalizarmos todas as nossas forças humanas para o bem da humanidade e respeito por cada pessoa, independentemente das tendências sexuais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
(1) Mais adequado que o termo homossexualidade seria o emprego da palavra homofilia. Aquela tem uma conotação muito restritiva reduzindo a relação pessoal à sexualidade genital caindo assim no equívoco de Freud.
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