O direito à diferença não pode menosprezar a visão de conjunto, a realidade do todo.
Chega uma bagatela na Dinamarca, uma caricatura atrevida sobre Maomé para que o mundo perca a cabeça. A violência cega não precisa de fundamento, basta-lhe apenas uma oportunidade. Quem é que se deve aqui desculpar no meio de tanto fanatismo? Os europeus não querem ceder os seus valores e o mundo islâmico quer impor os seus. No meio de tudo isto só perdem os honestos de um lado e do outro. Terroristas e extremistas aproveitam a mais pequena coisa para espalhar o seu ódio e incendiar o mundo em nome da religião e de princípios sagrados. Na destruição e no conflito está a sua oportunidade; apostam tudo na bomba do ódio e da vingança. Querem globalizar a agressão e as ideologias, não suportam uma sociedade aberta e livre, querem acabar com a tolerância para instalar uma visão do mundo racista. Jogam com duas medidas. O seu mundo, o estado de Deus inquestionável, o reino do bem querem-no intocável. O que há a mudar, na sua estratégia é o território do mal, o ocidente, o reino decadente do diabo, da culpa. Nos seus países, os cristãos são discriminados e por vezes perseguidos, mas têm que se calar por medo às reacções. Seria fatal se os estados árabes e os grupos revoltosos continuassem a usar a luta religiosa como válvula de escape para a frustração e a insatisfação fruto das injustiças reinantes nos seus sistemas políticos. O seu recurso à religião como único instrumento estabilizador de identidade é muito débil e dá-se à custa do ser humano.
Países como o Irão apoiam descaradamente o terrorismo, a guerrilha. Com as suas palavras e acções dão razão aos que vêm o mundo árabe como agressivo; ao mesmo tempo, facilitam o caminho aos falcões. Enfraquecer a “escalação” deve ser a missão não só dos estados europeus mas também dos estados árabes.
Islamistas declararam guerra ao mundo moderno, à democracia e aos estados árabes que procuram instalar estruturas democráticas sérias. A terceira guerra mundial é uma guerra de guerrilha. Ela já funciona entre o mundo árabe e o mundo ocidental. Esta está cada vez mais presente na consciência do povo e determina cada vezmais o seu comportamento..
Verificam-se paralelos comuns com o embate entre o mundo bárbaro e o império romano. Dum lado, uma sociedade romana decadente com um grande progresso tecnológico e uma estratégia militar superior que atraía os povos vizinhos e do outro lado povos rudes que com a sua vitalidade, convicção e guerrilha dominaram o poder mais forte, espalhando por toda a parte o medo, chegando mesmo a irradiar dos hábitos e da memória daquela civilização aquisições que passaram ao esquecimento.
Declaradamente a presente guerra começou com os actos terroristas de 11 de Setembro em 2001 às torres de Nova Yorque. Esta é uma guerra fatal que se torna cada vez mais presente em todo o mundo e em cada pessoa condicionando políticos e pessoas no seu agir. O medo passou a ser uma realidade constante, anteriormente presente na acção de políticos e empresários atingiu entretanto o espírito de toda a gente. O mundo Islão quer ser considerado tabu não admitindo correcções à sua maneira de estar no mundo. Os extremistas já ganharam a batalha do medo. Querem que o Ocidente se ajoelhe perante o Islão como se na Europa a liberdade de expressão estivesse na mão dos governos. A guerra santa contra o Ocidente encontra-se em marcha, forçada por extremistas em guerra contra o desenvolvimento.
A Religião não é coisa privada
A discussão em torno da questão das caricaturas a Maomé e a correspondente reacção árabe mostram que a ideia da realização duma sociedade secular foi uma utopia peregrina. Também esta porta se encerrou!... Por toda a parte se levanta o Islão contra a liberdade e contra o mundo cristão moderno.
Na Europa a religião e a liberdade andam de mãos dadas. Seria um bom trabalho para as organizações muçulmanas aculturarem o Islão à Europa e assim no contributo para o Islão evitar a guerra das culturas, que de outro modo chegará de maneira brutal. A religião deve ser susceptível de crítica assim como tudo o que tem a ver com o homem e com a sociedade. A sociedade secular, deve respeitar os sentimentos religiosos tal como os adeptos de outros sistemas políticos têm o dever de respeitar a democracia. Há muito que roer na casca das ideologias, das doutrinas, das mundividências e dos mitos. Só assim será possível chegar-se ao seu núcleo e obter uma melhor compreensão das mesmas e da realidade que incorporam. Se é verdade que não deve haver zonas de tabu, também não se deve faltar ao respeito. A sociedade secular tem de aprender a tolerância respeitando os sentimentos religiosos como uma realidade e não reduzir fanaticamente a religião a ópio do povo. A mesma tolerância se exige dos crentes em relação às ideologias. Naturalmente que não se podem tabuizar temas, mas há limites. E os limites da crítica tanto à religião como à democracia são o momento em que estas forem estropiadas ou desfiguradas em função de interesses menos nobres. Em liberdade e em democracia não pode ser tudo permitido. O direito à diferença não pode menosprezar a visão de conjunto, a realidade do todo.
Embora os cristãos não sejam tão sensíveis à crítica, é óbvio o respeito pelos sentimentos religiosos das pessoas. Uma arte que coloca Jesus no cenáculo ao lado duma prostituta quer ridicularizar e difamar. Religião não é coisa privada. A sociedade secularizada tem de tomar em conta que não tem legitimação para impor aos outros os seus mitos e ritos. Têm de reconhecer a realidade e o valor da religião. Na reacção do Islão tornam-se mais patentes certas barbaridades que têm sido injustamente cometidas contra o cristianismo bem como a falta de respeito e os abusos de certos lobbies.
Uma certa elite socialista marxista, que nutre simpatias especiais pelo mundo Islão e aposta no ressentimento contra o cristianismo, deveria pensar bem no que faz, porque poderia sair-lhe o tiro pela culatra. Se é verdade que o Islão lhe está mais próximo na ideia centralista de estado também é verdade que ele fortalecerá certas forças latentes no Ocidente. Um diálogo crítico no respeito é o melhor pressuposto para o desenvolvimento e para o encontro de pessoas e culturas adultas.
António Justo
António da Cunha Duarte Justo
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