Um caricaturista entre outras caricaturas desenhou a cabeça de Mohammed em forma de bomba com um rastilho, provocando assim uma discussão acesa por todo o lado.
Jyllands-Posten”um jornal dinamarquês que publicou as caricaturas satíricas pediu desculpa depois dos protestos do mundo muçulmano, que reagiu com ameaças verbais e com medidas concretas de boicote aos produtos dinamarqueses.
Caricaturistas e realizadores, artistas, escritores e ideólogos gostam do dialéctico e vivem muitas vezes das ferradelas que dão, do sensacional e do escândalo.
Os defensores radicais da liberdade de imprensa e de opinião pessoal vêem nas ameaças árabes um ataque ao espírito de independência e à liberdade da palavra. Sentem a liberdade de opinião e de imprensa e os direitos individuais ameaçados ao verificarem a reacção do jornal. Defendem com unhas e dentes o princípio democrático da liberdade de opinião que é uma coluna fundamental da nossa cultura. Advogam que em democracia haveria sempre a oportunidade de se discutir sobre a qualidade do apresentado e sobre os limites do respeito, restando a cada um o direito de se defender em tribunal, a única instituição legítima para o exercício do poder. Vêem na cedência, no pedido de desculpa, uma porta aberta ao fundamentalismo islâmico.
Muitos deles estavam habituados a difamar os símbolos cristãos até ao ridículo, sem consequências pelo que diziam ou faziam. Se alguns cristãos levantavam a voz contra tais abusos logo eram apelidados pela opinião publicada de fundamentalistas cristãos. A sociedade estava habituada a não levar nada nem ninguém a sério. Cada pensador livre tinha, por vezes, uma liberdade maluca. Agora admiram-se de haver povos decididos a defender com unhas e dentes as suas “bandeiras” que são expressão da sua identidade e da sua força.
A civilização ocidental, em vez de se perguntar do porquê da convicção da civilização árabe e do porquê da nossa decadência, fica atónita. Facto é que na Europa em certos meios marxistas materialistas e racionalistas na falta de respeito por valores religiosos se discrimina positivamente a religião muçulmana não por convicção mas por interesse e por medo. É sintomático o facto de no Iraque ter havido a semana passada ataques bombistas a igrejas cristãs e haver primeiros programas da televisão que não os registarem sequer. Medo ou “colaboração”? No mundo moderno a perseguição religiosa contra os cristãos é a mais forte e organizada. Todos se calam: Trata-se de cristãos e também a sua cultura está posta à disposição e em parte com a ajuda da apoteose modernista que desde há muito trabalha nesse sentido. Naturalmente que o modernismo, também ele fruto duma ética cristã de valores, contribuiu muito para a purificação da ferrugem instalada em muitas instituições cristãs e indirectamente fomentou a prática de certos valores da ética cristã. Porém vai sendo tempo de a arte se dedicar aos valores que lhe deu o ser e ter mais respeito pela identidade cultural. Ou será que a substituição da religião a arte deverá dar lugar à nova adoração? Não deveria ser assim porque esta é irmã da religião. Os inimigos da religião são também, embora a nível inconsciente, inimigos da arte.
Os defensores duma liberdade de expressão com limites não estão de acordo que seja tudo permitido na arte. Estes argumentam com a ética cristã, da liberdade responsável e da dignidade da pessoa. O limite é a dignidade da pessoa que é inviolável. A liberdade pessoal acaba onde os direitos do outro começam.Facto é que os corifeus do modernismo se aproveitaram da religião e da sua discriminação para fazerem o seu negócio. Na Europa tornou-se moda ferir os sentimentos religiosos dos cristãos atacando e ridicularizando Cristo e Maria sem consequências.
Será que em nome da liberdade conquistada pelo ocidente cristão – a proibição de criticar Mohammed questiona a liberdade de imprensa? Não será que a liberdade de imprensa não terá também outros valores a defender?
A liberdade, o espírito crítico e a dúvida metódica são valores inalienáveis do mundo ocidental. O problema porém começa quando os sentimentos dos outros são feridos brutalmente. Importante é começarmos uma discussão que se não reduza aos direitos individuais mas que se alargue aos direitos e à dignidade da pessoa humana. Aqui haveria pano para mangas e para todos… Na nossa sociedade há demasiado indivíduo e pouco pessoa. Em vez de se atacarem os símbolos religiosos podem-se criticar ideias ou o agir de pessoas e de doutrinas existentes que se podem defender. Os mitos e as religiões devem ser criticadas nas suas ideias e práticas; difamar Cristo, Maria, Mohamed e pessoas pertence a um estilo baixo e arruaceiro. Na salvaguarda do respeito pela dignidade da pessoa e pelas culturas, não faltam aí assuntos onde artistas, jornalistas e estudiosos poderão exercer a sua acção crítica. Isto exige mais esforço no conhecimento do objecto de crítica e não apenas conhecimentos superficiais ou banais, como se constata, cada vez mais, no dia a dia do discurso público. Pode-se apontar também para o perigo islamista sem se recorrer à difamação. Não chega a instrumentalização de tudo e de todos em sentido ideológico.
Muitos intelectuais e políticos chegaram ao extremo de levaram levianamente ao ridículo muitos dos nossos mitos e coisas mais sagradas que ergueram a nossa cultura levando-a ao nível ético que atingiu. Agora vem o Islão com um outro extremo querendo-se intocável, aprisionando a palavra e sem lugar para a ficção reservando-a para o paraíso. Talvez um meio-termo seja uma saída para a nossa civilização. Uma certeza pode ter-se já: o Islão funcionará como grande corrector dos excessos da civilização ocidental. Oxalá (palavra árabe!), não se percam muitos valores que nos caracterizam na cedência a uma ética menos exigente.
António Justo
Alemanha
António da Cunha Duarte Justo
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