Medo e o medo do medo
Querida estudante amiga:
A ti, pessoalmente, queria dizer-te: tu és uma pessoa muito rica e prendada. Exteriormente tudo parece estar bem em ti mas no fundamento da tua alma há lá uma fonte inesgotável onde muitas energias quererem expressar-se e fluir na tua vida com naturalidade. Parece que tu não queres que a vida te apresente surpresas. Procuras defender ou esconder algo importante em ti que quer sair mas de que tu tens medo. Tu repeles inconscientemente algo em ti e deste modo o fluxo da vida é interrompido ou sai aos soluços.
Agora passo a responder-te duma maneira geral atendendo a que também outras pessoas das tuas relações poderão ler isto para poderem perceber a tua situação. Além disso há uma outra pessoa que conheço com problemas semelhantes e que poderá também aproveitar da leitura do que escrevo. Por isso falo do problema em geral do problema da obsessão para te poderes situar e verificar o que te poderá servir. Referir-me-ei um pouco mais detalhadamente à ideia de Deus porque esta me foi referida por uma outra pessoa neste contexto, e por detrás da ideia de Deus esconde-se a ideia de nós mesmos como reflexo na formação da própria identidade.
O que apresentas exige a visita dum psicólogo e para começar dum psicoterapeuta para também poderes ser medicamentada com remédio.
Em ti parece irromper uma enxurrada de forças e de vitalidade incontrolável e que te metem medo porque te ameaçam querer tirar-te do ambiente do repetitivo habitual. Tu tens vivido amarrada às regras e aos hábitos. Agora que surge a chance de te desenvolveres mais surge o medo da mudança. O impulso de abrir as portas do teu eu à riqueza que roja do teu mais íntimo leva-te a reagir com medo, a trancar as portas.
Tu viveste amarrada à corda dos outros e agora sentes-te extraditada. No mais profundo de ti mesma o totalmente outro (Deus) libertador bate à porta e tudo treme em ti. E na falta do totalmente outro sentes-te entregue à necessidade pura, à necessidade de segurança.
O desespero é um grito à procura de solo fixo em ti mesma, um lugar onde colocares os pés para poderes andar segura. O problema é que talvez esperes a segurança vinda de fora. A vida exige de ti um salto no obscuro onde será possível o encontro com o totalmente outro, um tu no qual possas entrar numa relação dialogal e então passares a ser a formadora de ti mesma na confiança que te vem do encontro profundo. Tu queres dar um salto em solo sólido, o salto na água mete medo porque exige mais de ti, a confiança. A base do problema está na falta de confiança; se ainda há confiança em Deus esse deus corresponde a um deus mesquinho demasiado preocupado com a tralha: um Deus retalhista porque te mete medo e talvez castigue. Troca-se a sua abertura e total potencialidade por uma imagem estática, segura a que se poder agarrar (agarrar-se a uma ideia traiçoeira de Deus). Então em vez de nos agarramos a Deus que é a total abertura (água) agarramo-nos a uma ideia fixa dele ou a uma perfeição segura, à ideia que dela temos. Confiar em Deus seria um risco de se seguir caminho sem ter a que se agarrar. Deus não dá garantias e a pessoa que sofre quer agarrar-se a garantias, paraíso, saúde, casamento... Porque a imagem de Deus é dinâmica e portanto com inseguranças e implica o imprevisto, a contínua mudança, o futuro aberto do nosso eu, em momentos difíceis tendemos a agarrar-nos à segurança duma ideia, uma ideia de Deus à medida da nossa necessidade ou doença. Criamos mundos paralelos legitimados pela ideia e assim nos agarramos de ideia em ideia, de facto em facto porque a confiança absoluta no totalmente outro, diferente (Deus) tornar-se-ia perigoso e demasiado instável. Deus não quer que nos agarremos a ele mas que andemos por nós. Ele é o fundamento, o chão em que podemos pôr os pés. Só partindo dum sentimento da confiança podermos ter força para ousar o novo, a mudança. Não estamos cá para a vida, a vida é que está cá para nós. Infelizmente normalmente não somos habituados a ouvir-nos nem a dar expressão aos nossos sentimentos nem à criatividade em nós. Somos habituados a agarrar-nos a ideias julgando assim adquirir segurança sobre a vida através do pensar e do agir à custa da repressão da intuição e da criatividade. Falta a confiança incondicional criativa exigindo-se do mistério e de Deus algo fixo e palpável. Ele porém não pode ser reduzido a forma, a modelo; a sua grandeza está na relação moderativa entre um eu e um tu.
O sofrimento vem dum complexo moral muito estreito que conduz ao escrúpulo. Em vez dum ambiente de confiança há um substrato de culpa que conduz ao medo que se torna numa constante ameaçadora. Este pode chegar a tornar-se numa nuvem cada vez mais escura que tenta ocupar o espaço aberto no eu profundo a despertar. Se a situação se agrava a pessoa passa a ser um juiz muito duro para consigo mesmo que se castiga. Se faz algo que pensa ser errado castiga-se duplamente porque experimenta o seu ser como um ser culpado em vez de ver a falha – culpa como elemento da vida, tem como inimigo o perfeccionismo. Então não se atreve a ser agressivo não aceitando a agressividade própria nem a dos outros. Para a evitar refugia-se por vezes na solidão. Aí dá lugar a uma ideia de perfeição que leva ao alheamento da vida e ao alheamento dos outros. O medo impede a entrega, o desprendimento, o verdadeiro relacionamento. O seu sentimento insurge-se contra uma atitude confiante aberta e contra a liberdade. A sua consciência exige de si e dos outros o máximo, quer perfeição em tudo. A sua vida torna-se como uma teia de aranha onde se mantém preso, prendendo. Se a doença avança a pessoa torna-se num juiz. A segurança do julgamento e do papel compensa o medo. Tudo é reduzido a regras e normas num mundo inflexível e sem compromissos. Muitas vezes perdem-se no detalhe, têm medo de decisões espontâneas. São muito exactos e correctos em tudo. Têm uma grande exigência moral num mundo que consideram perverso. Como querem controlar tudo não confiam para não perderem os cordelinhos das mãos.
Ao fim e ao cabo querem-se preservar, desejam defender-se da mudança agarrando-se à perfeição ou a coisas muito concretas. Trata-se de se agarrar a normas exteriores, ao conhecido, na prisão da própria ordem. Evita-se o novo, o espontâneo, o mundo sentimental por ser inseguro, flexível. Flexibilidade torna-se numa ameaça a um mundo objectivo, o mundo exterior de normas ou ideias seguras a que se encontra. Por isso adia continuamente a acção perdendo-se nas ideias. Para não arriscar fazer algo mal fica-se pelo mundo das ideias sem passar à prática. Quem não age não erra! Como se encontra prisioneiro do dualismo verdadeiro ou falso, bom ou mal na sua instância dum eu exterior (Pai, Deus, Norma) que o obriga a julgar e a ser julgado continuamente. Não quer dar um passo sem saber onde põe os pés. Uma experiência inconsciente de que tudo muda aliada a medos existenciais amplia o medo perante a mudança e o desenvolvimento. Talvez a experiência infantil de que tudo depende do esforço e de que não há perdão possa ter condicionado por demasiado controlo, sentimento de vergonha, demasiada acentuação nos resultados. Exigências excessivas através de expectativas familiares perturbam muitas vezes a confiança original. Então a criança aprende demasiado cedo a desconfiar de si elaborando o seu ego nas convicções e nas regras dos outros sem lugar para a espontaneidade que foi castigada numa fase demasiado cedo e substituída por regras ou normas morais.
Estas pessoas são muito agradáveis, fazem tudo pelos outros esquecendo-se a si mesmas. São ordeiras, de confiança, trabalhadeiras, objectivas, constantes, responsáveis e persistentes no que fazem e dizem.
Na crise tu trocas as tuas potencialidades, a possibilidade em ti pela necessidade. A possibilidade (uma tua outra expressão de ti mesma que quer ser libertada) encontra-se aprisionada. Então agarras-te à alternativa do teu eu criativo a uma rotina perfeccionista de ordem exterior no âmbito da culpa e do perfeccionismo. E na exigência de se ter tudo sob controlo corre-se o perigo de se cair num ciclo vicioso repetitivo. O medo passa a ter uma função de auto-defesa do status quo, contra a necessidade de mudança. O medo do medo está tão longe do objecto (necessidade de mudar algo na sua vida) que causa o medo que se torna autónomo vivendo dele e para ele mesmo. Ao fim e ao cabo as energias que se gastam com o medo não são empregues na liberdade e criatividade confiante que lutam por vir à tona. O facto de se querer tudo na mão e de se sentir responsabilizado por tudo é um problema de não perdoar e não querer ser perdoado.
Para evitar a fixação no medo é bom fazerem-se exercícios de eutonia e massagens. Estes e trabalhos com o próprio corpo ajudam a desenvolver sentimentos e a desatar os nós das sensações. Estas pessoas precisam dum programa e de louvor nas suas acções espontâneas. O seu problema é o controlo de tudo, não se deixarem perder, tal como a pessoa que com medo da água vai nadar. O medo da vida, da vida nova contrai as potencialidades vitais espontâneas. Não se deve prestar atenção aos sintomas. Na sua conversa com uma pessoa terão de ser levados a reconhecer que na sua expectativa duma receita estão em atitude de defesa e não abertos ao novo que quer irromper. É importante deixar viver as fantasias.
De resto recomendo a leitura do livro “Gesundheit für Körper und Seele” de Louise L. Hay. Este livro também se encontra traduzido em português. Já o recomendei a muita gente e recebi uma reacção muito positiva dos que o leram. No livro encontra-se uma referência biográfica da autora que também é muito interessante e pode ajudar muitas pessoas em períodos difíceis da vida. Ele é muito prático.
Minha querida, tudo o que há de bom para ti.
António Justo
António da Cunha Duarte Justo
1 comentário:
Achei interessante sua abordagem sobre o medo e a vontade de ajudar sua estudante ou quem quer que seja que tenha medo, ou seja, toda a humanidade.
Obrigada pela visita e comentário no meu blog. Volte sempre.
Um abraço.
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