O vulcão da religião estremece por todo o lado podendo vir a criar grandes convulsões no mundo. ADe momento, aEuropa acorda e Deus levanta o dedo!
Com a queda do muro de Berlim em 1989 a secularização recebe um grande abalo e as ideologias marxistas perdem o seu encanto. Com a bancarrota do sistema soviético o mundo modifica-se. A política e as elites desacreditam-se. O fanatismo religioso e ateu acentuam-se. Por um lado assiste-se a uma fé infantil cordial e por outro a uma crença arrogante ateísta racionalista. Uns vivem da fé “Deus criou o homem” outros da crença “o Homem criou Deus”.
Os tempos que correm são propícios para fanatismos. A crise e o medo fomentam o sentimento de pertença. O movimento de Fátima parece ganhar razão.
A Europa que no século XIX tinha processado Deus (Marx, Nitzsche, etc), no século XX executou-o, colocando no seu lugar a deusa Liberdade.
As sementes lançadas no século XIX e a proclamada morte de Deus transformam o século XX no mais sangrento de todos os tempos que culminou na “segunda guerra mundial, atiçada por ateístas radicais” ,( Wolfram Weimer, in “Credo”).
Com a experiência das guerras a política consegue triunfos a nível material e mais desilusão a nível humano. A classe política parece ter chegado aos seus limites tornando-se cada vez se menos credível. Desiludidos de Deus e da burguesia, os políticos já não têm convicções, são frios. A convicção e a paixão cada vez se encontram mais da parte do povo, duma camada média, a burguesia maltratada que parecia já ter perdido o espírito.
Hoje, essa “burguesia”, da qual sempre dependeu o desenvolvimento cultural das sociedades, começa a redescobrir-se e a afirmar-se religiosa. Isto tem muito que se lhe diga porque ela é que arrasta a carroça social, e é determinante no seu meio, intervindo e assumindo sempre responsabilidade histórica no desenvolvimento. O resto segue ou aproveita-se mais ou menos inconscientemente da caravana, vivendo de filosofias coniventes com as próprias carências, à medida das necessidades do dia a dia. As elites começam a acordar da Bela Adormecida. Da nova burguesia surgirão os caudilhos de amanhã que porão o mundo na sua ordem.
Se é verdade que o pão é que mata a fome, não se pode desprezar o facto de que o ser humano traz consigo a fome do espírito, a fome da transcendência, que reconhece como sua coluna vertebral. A necessidade é determinada pela camada média da sociedade, pelos que já têm o suficiente para estarem disponíveis a poder pensar.
As orgias intelectuais ideológicas contra a burguesia e seus valores já não entusiasmam nem convencem, desqualificando-se e auto-marginalizando-se. Até à década de 90 viveu-se um tempo de adolescência interessante. Só que os adolescentes de então, os socialistas de ontem ocupam hoje as chefias da banca, das administrações públicas, do jornalismo e mesmo de muitos lugares da indústria.
O processo decadente que se deu no sistema comunista soviético repete-se na sociedade ocidental nos seus representantes institucionais. Nos sistemas socialistas há sempre uma pesada administração totalmente controlada por uma pequena nomenclatura ideológica todo-poderosa. Nos tempos que correm e que são de miséria ideológica e social, é utópico e míope querer reduzir-se a política a administração, tal como naquele sistema. Os socialistas do lado de cá, do post real-socialismo, e os superficiais conservadores sem espírito têm-lhe seguido as pegadas, acreditando todos numa sociedade planificável o que os têm levado a fomentar o poder das administrações e da burocracia. Ainda não notaram que o muro de Berlim já caiu. Ele caiu historicamente mas ainda não caiu nas cabeças de muitos políticos e intelectuais. Isto emperra o andar da história, tornando-se muitos dos progressistas, nos seus empecilhos. Sócrates luta contra este demónio bem instalado mas falta-lhe a água benta e o testemunho.
Falta a reflexão e a empatia. A política empírica instalada dá lugar a uma espécie de nepotismo ideológico à maneira de establishment formal. Na política repete-se o que muitas vezes acontece no casamento. Uma pessoa enamora-se e, sem preparação, casa-se. Depois arranja-se e, finalmente, divorcia-se, deixando atrás de si um montão de cacos.
O pensamento que está por trás da política a partir dos anos 60 partiu dum falso pressuposto: destruir o espaço religioso e os valores da burguesia para criar um espaço livre da política onde o cidadão indivíduo se possa desenvolver sem entraves nem responsabilidades. Como se observa pela crise cultural e de valores em que vivemos, essa ideologia deu barraca mas o infantilismo continua. A política, ao arrogar-se para si o sentido, perdeu o sentido do político. Ao açambarcar para si o espaço da liberdade destrói a Liberdade, o último sentido da política. Como a acção política se reduz a administrar renuncia-se à argumentação política. Equivocou-se ao transformar o (Estado) espaço livre de actuação dos cidadãos numa instância paternalista em que se vinculam uns conglomerados de cidadãos proletários, de prosélitos e se distribuem benesses a clientelas. Pela crise vê-se que isto não chega para fazer política. O século XX cometeu um grande erro: desconhecer o conceito de cidadão desonrando-o ao transformá-lo em cliente em proletário do Estado, à disposição dos partidos, que se apoderaram do Estado. Já os regimes socialistas o tinham reduzido a proletário. Assiste-se quer no sistema marxista quer no sistema ocidental à instrumentalização, politização total do ser humano. A liberdade começa onde a lei acaba. A política tinha-se esquecido de Platão e do Catolicismo que recordam: quem suprime Deus e a Verdade acaba com a política e destroi o Homem!
Toda a cultura é filha da religião e a nossa cultura é filha da religião judaico-cristã depois de muitos anos de ruminação e integração doutras culturas em especial a greco-romana. Quem, com responsabilidade política e cultural não reconhecer essa realidade, como o ser da sua forma de estar, descarrila-se e não chega a lugar nenhum. A crença religiosa e a crença ateísta se querem tornar-se responsáveis terão de se dar as mãos. As duas são filhas do mesmo pai, o cristianismo. Trata-se de ssumir juntos a responsabilidade do futuro para o realizar e possibilitar. Com a queda da civilização cristã o mundo ficaria às escuras. Trata-se de a aperfeiçoar, sublimar e pôr ao serviço da humanidade e do Homem em sintonia e sinergia de esforços.
António da Cunha Duarte Justo
In “ Pegadas do Tempo”
(1) Primeira parte
António da Cunha Duarte Justo
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