sábado, 17 de novembro de 2007

Saramago no Paraíso dos Ateus

A Luta é a mesma só as espadas é que são diferentes!

Para Saramago o mundo seria mais pacífico se fosse ateu! Talvez se refira à paz dos cemitérios, ou já se esqueceu das barbaridades executados no século passado em nome do socialismo ateu, do nacionalismo, do racismo, da ciência, dum certo iluminismo, que bateram todos os recordes da História.
José Saramago escreve bem mas não é suficiente. Não chega escrever bem, também é preciso pensar mais e mergulhar na sabedoria do mundo para a tornar visível. Não basta chegar-se às “honras dos altares” e depois viver-se dos devotos ou estar-se à disposição de interesses políticos de forma camuflada servindo morais tão dúbias como aqueles que critica na “cassete” contra a Igreja.
Do alto do seu palco Nobel pode aproveitar para atirar as suas farpas e servir mesmo de cavalo de tiro para muitos envergonhados ou sorrateiros que em nome da literatura procuram levar a brasa à sua sardinha! Esta tem sido a táctica de muitos iluminados enredados por essa Europa fora através de grupos discretos com assento nas capelas dos Governos e na “Roma Nobel”. Sempre nas cruzadas, ou melhor, nas turradas entre curro e a praça, em que o touro é a nação e o povo é bancada. Trata-se de difamar a cultura nacional ou europeia em nome da descultura. É ainda a hora da desaculturação para chegarem à desculturação, em nome do internacionalismo e da razão francesa iluminada. Querem só luz sem lâmpada, pretendem um humanismo sem Homem. Por outro lado fomentam um povo religioso mas sem Deus; a devoção é imprescindível é mesmo o óleo na engrenagem dum poder em que Deus estorva.
Sob o palio Nobel, Saramago proclama a guerra santa contra o mundo dos cruzados e contra um cristianismo que o incomoda, mas de que continua obsessivamente dependente. Este é para ele uma insónia de povo com odores de cristão a que reage distanciando-se, como filho ingrato, duma cultura que lhe deu o ser. Deforma o passado comprazendo-se em desenterrar os mortos como se o presente não tivesse males suficientes em que se pudesse deleitar. De cadeado atado ao comunismo, filho pródigo do cristianismo, berra a sua fúria ao céu dos seus seguidores numa tentativa desesperada de legitimar o seu marxismo ateísta.
Naturalmente que não quero estragar a imagem deste santo necessário nos devocionários comunistas ou socialistas marxistas. O que é ilegítimo é que ele transforme tudo em tapete para a sua ideologia. É mais fácil falar dum passado que não entende e deformá-lo do que encarar o presente de que vive. Ao falar-se mal dos distantes desviam-se os cães de caça da própria fazenda.
Ultimamente Saramago disse em Turim “ O mundo seria mais pacífico se nós fossemos todos ateus”. Este acto de fé dum pretenso ateu peca do pecado original crónico da hegemonia. É que o mundo é diverso e a diferença é o dado mais evidente na natureza, o que o senhor Saramago (não digo senhor José, para o diferenciar) não quer aceitar. O homem ateu e o homem religioso participam da bondade e da maldade comum. A esperança comunista numa sociedade ateia e sem religião, em que a única devoção permitida era a devoção política, foi-se pela água abaixo com a queda da União Soviética que tinha em poucos anos conseguido, na barbaridade, arrumar a Idade Média para um canto.
Talvez por isso Saramago continua “eu próprio sou ateísta, mas eu creio, que se houver Deus então tem de ser só um Deus e para todos o mesmo”. José Saramago, aqui deixou o rabo bem de fora! E aqui é que está a diferença entre comunismo e cristianismo, entre uma sociedade fechada e uma sociedade aberta. Enquanto que para o mundo cristão todo o ser humano é feito à imagem de Deus, o senhor Saramago quer um deus despótico à imagem dele (Saramago), um ídolo. Aqui se distanciam Saramago e o comunismo do povo, da pessoa humana e do cristianismo. Querem tudo igual à sua ideologia esquecendo que o rosto de todo o ser humano seja ele cristão ou ateu é imagem de Deus e na diferença se reconhece o divino. O que perturba muito boa gente é o facto da proibição bíblica de se fazer uma imagem de Deus e o facto de ela elevar a pessoa à condição de filha de Deus, de Jesus Cristo. Para o cristão, o outro, o cristão anónimo, cada pessoa é um absoluto e não apenas um mero indivíduo. Deus já era povo antes do comunismo mas não era ditador e aqui é que está o busílis da arte de governar. Se o povo Judaico vive e viverá, é pelo facto de não ter deixado de ser povo e este manteve-se em torno do seu Deus e da sua bíblia. O mesmo se poderá dizer do cristianismo e da cultura cristã. Naturalmente que tudo é processo dinâmico. A fórmula da unidade na diferença conseguiu-a a sabedoria cristã na doutrina da trindade. Esta porém corresponderá a uma espiritualidade em fermentação que remonta aos primeiros séculos da Igreja se segue na mística e em Teilhard de Chardin.
Saramago gostaria de um Deus Allah longínquo mais disciplinador e subjugador em que a liberdade individual é um vício e a pessoa está em função do grupo, um religião política; gostaria de nos ver todos muçulmanos mas graças a Deus que os cristãos cometeram o pecado das cruzadas a quem devemos o ser português.
Na apologia do seu mundo sem Deus acrescenta: “As religiões nunca contribuíram para que as pessoas se aproximassem umas das outras”. Mais um acto de fé ideológica sem Deus nem História. Se tivesse estado um pouco atento nas aulas de antropologia e de sociologia certamente que se tinha dado conta de que a imagem de Deus e da pessoa estão intrinsecamente ligadas ao processo de formação individual e cultural!... Há uma inter-relação condicionante. Isto independentemente da questão pontual ontológica de Deus. A ética do Sermão da Montanha, do amor ao próximo, da dignidade divina do ser humano, da justiça embora lhe passasse um pouco desapercebida deixou rastos atormentando-o na sua acção política. Naturalmente que nos dias de hoje o islamismo descredita as religiões tal como aconteceu com o comunismo.
O problema fundamental que está por detrás das insuficiências religiosas, científicas, políticas, ateístas, fascistas, comunistas é que, todos, em nome da raça, da nação, do povo, da ciência ou de Deus partem dum estado de consciência dialéctico baseado no espírito grego e dualista persa que apreendem a realidade sob a perspectiva de dois princípios antagónicos, dialéticos, quando a fórmula da realidade trinitária é polar e integradora não sendo exclusiva nem dicotómica. O indivíduo e o todo, Deus e a matéria não se opõem mas constituem um todo relacional em que 1 é igual a três salvaguardando-se a individualidade pessoal e a comunidade (Eu-Tu-Nós; Pai-Filho-Espírito Santo, Deus-Matéria-Vida). Nesta fórmula a luta continua mas não é exclusiva e nela há lugar também para gurus e principiantes, “bons” e “maus”. Não há mera exclusão ou negação, há complementação relacional na aceitação da diferença e da igualdade. Ser tudo em todos. Este é o melhor paradigma, o melhor programa!

António da Cunha Duarte Justo
António da Cunha Duarte Justo

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